Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
16/05/2008 12h01
LINDOLF BELL: ENTERREM-ME NA PALAVRA
Lindolf Bell (1938-1998) nasceu e morreu em Timbó, Santa Catarina. Entre essas duas datas exerceu múltiplas atividades. Foi contador, professor, crítico de artes, dramaturgo, conselheiro estadual da cultura do Estado de Santa Catarina e marchand.  Mas o que norteava todos os seus fazeres e afazeres era a sua atividade como poeta. E foi como poeta que ele viajou para São Paulo, onde publicou Os Postumos e as Profecias(1962) e criou a Catequese Poética(1964), movimento pioneiro de divulgação da poesia junto aos mais diversos públicos. Este movimento mobilizou outros poetas, desenvolvendo uma nova linguagem poética e ampliando a intervenção social de jovens escritores. A Catequese Poética é considerada um marco tanto na cultura popular brasileira como na literatura. E foi a partir dela que a poesia  finalmente saiu das gavetas , tornando-se mais acessível através de apresentações, declamações, conferências e debates. Outros poetas--caso de Alvaro Alves de Faria, Cláudio Willer, Roberto Piva, etc -- também  buscaram uma maior aproximação com o povo, utilizando-se de leituras públicas. Na verdade, um traço comum uniu a todos os poetas da geração 60:  a tomada de consciência  de sua função transformadora do homem e da sociedade.  E Lindolf Bell , que dedicou sua vida inteira à Catequese Poética, tanto no Brasil como no exterior, é um dos mais legítimos representantes dessa geração inquieta, incentivadora da poesia declamada em praça e espaços públicos.  E, para finalizar, veja o que disse Paulo Leminski sobre Lindolf Bell:“Nunca tinha visto ninguém dizer poemas tão bem, com tanta intensidade, tanta garra, tanto domínio de voz, do gesto e do sentido. A Catequese de Bell, a vanguarda da palavra dita, é um tempo forte dessa efervescência”. Com a palabra, Lindolf Bell, autor de Os Ciclos (1964), Convocação (1965), A Tarefa (1966), As Annamárias (1971), Incorporação (1974), e Cógido das Águas (1984) considerado o melhor livro de poesia do ano pela Associação Paulista dos Críticos de Arte:

“Eu vim da geração das crianças traídas. Eu vim de um montão de coisas destroçadas. Eu tentei unir células e nervos mas o rebanho morreu... Meu  coração é um prisma. Eu sou o que constrói porque é  mais difícil. Eu sou o que não é contra mas o que se impõe. Eu sou o que quando destrói, destrói com ternura e quando arranca, arranca até a raiz e põe a semente no lugar.”

“Vamos inventar-nos, sim, como nunca havíamos sido inventados, em nenhuma raça, em nenhum orgasmo, em nenhum amor.”
“Poesia é terrível soerguimento.”
“Ser amigo é conferir um mundo interior de possibilidades. Ser amigo é a linguagem extrema.”
“Tua solidão é a solidão do mundo: alegra-te. Sagra o coração com folhas de louro e cinzas claras da infância.”
“Bem sabes que as veredas dos deuses pertencem aos que sabem conquistar. E amanhã o dia será de novos deuses e adeuses.”
“E debaixo, bem debaixo das pontes, onde o tempo faz ninhos de ausência, por que podas as ervas daninhas, se é idade de tanto florir e água de tanto nascer?”
“Sem saber, tudo te pertence sem saber: o favo solitário cuja doçura se funde à resina do galho que o suporta; os dias fincados como estacas um ao lado do outro.”
“Oh como dar mãos a quem não tem mãos de dar.”
“ Deixem-me calado na dor e no amor, deixem em paz minha desordem, meu canto rouco, meu viver interior, meu delírio, meu submundo, as águas da minha incerteza constante. deixem em paz a ferrugem de meus planos abandonados, o quadro negro de meu existir traçado a gis, não me ensinem códigos, não me ponham sininhos no pescoço, eu quero ter a certeza de ser livre.”
“Não reis, cientistas, chefes, presidentes, deuses: ninguém vive sem a flor e sem o amor.”
“ E nós, os de calças-curtas, sequer fazemos a ciranda do protesto. Parecemos velhas atrás de vidraças olhando tempestades. E quando tudo passa como num parto sem criança caímos de bruços -- nós os machos, nós os puros, nós os anjos, nós os do reino dos céus que apenas sabemos dizer: graças a Deus, graças a Deus.”
“Nada se converte fora de si, apesar dos deuses. E não existe exoneração, existe vocação.”
“Sempre há duas solidões que se aguardam. Por isso quero estar junto como raiz e tronco.”
“Oh mãe, arca primeira do corpo, primeiro chão, primeira lasca do tronco abatido a
machado.”
“Viver é campo de passagem. Tenho sempre um tempo de transição.”
“Ainda nesta noite ainda cometeremos o milagre.”
“Oh Pai, núcleo de ternura. Quando voltarás à casa de onde nos legaste para teu legado?”
“Convirá tantas vezes morrer, tantas vezes fluir, tantas vezes amar, tantas vezes viver com a vida entre os dentes como um sabre? Convirá crescer para a possibilidade de sermos podados? Convirá a pungência das horas amargas, das horas comuns? Assim nos conviremos, cheios de arestas e dilemas. Nunca mais o fingir para caber no porto.”
“Não é a palavra fácil que procuro. Nem a difícil sentença. Procuro a palavra fóssil. A palavra antes da palavra.”
“Sem atestados de existência ou distinção de classe, vou à deriva; não faço restrições à Vida.”
“Amada, que tempo nos teve, que tempo nos houve, que tempo deteve aquelas águas que nos alagaram no largo amado de nosso tempo amado...”
“Eu te aguardo com a lenha de meu sangue e o sangue de meus dias para sempre --para sempre sangue de meus dias.”
"Deixarei por herança não o poema, mas o corpo repartido na viagem inconclusa."

“Porque o minifundio se faz na terra da palavra. Enterrem-me na palavra.”

Para quem quiser conhecer ou rever o Bell em leitura pública de poesia, coloco aqui alguns links: http://br.youtube.com/watch?v=C_RT6Ex1rZI
http://br.youtube.com/watch?v=mIrbP6HDWHg
http://br.youtube.com/watch?v=X8ViouBZwtk&feature=related

Publicado por Rubens Jardim em 16/05/2008 às 12h01

Site do Escritor criado por Recanto das Letras