SARTRE, ESCREVE-SE PARA OS VIZINHOS. OU PARA DEUS.
Jean-Paul Sartre , homem de ação e de pensamento, nasceu em Paris, 21 de junho de 1905 . O pai faleceu dois anos depois. Sobre a morte do pai, escreverá : “Foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado o veredicto de um eminente psicanalista: não tenho superego”. Aos dez anos de idade quis tornar-se escritor e ganhou uma máquina de escrever. Aos 19 ingressou no curso de filosofia e conheceu Simone de Beauvoir. Terminado o curso, obteve uma cadeira de filosofia numa escola secundária. Nessa época iniciou a redação de "Melancolia", romance recusado pelos editores e mais tarde publicado com o título "A Náusea". Na Segunda Guerra foi convocado, caiu prisioneiro e foi parar no campo de concentração de Trier, Alemanha. Conseguiu fugir e um ano mais tarde, na primavera de 1941, encontrou-se, em Paris, com Simone de Beauvoir, com quem manteve relação rica e controvertida até os 74 anos, quando morreu vítima de edema pulmonar. Durante décadas, a fama de Sartre esteve atrelada ao seu inabalável ativismo político. Ele nunca ficou alheio ou indiferente as grandes questões sociais da humanidade. Sempre se posicionou e tomou partido. Um homem de ação e de pensamento, Sartre filiou-se ao Partido Comunista em 1952 e em 1956 rompeu por discordar da intervenção soviética na Hungria. Em 2005, seu nome é usado quase tanto quanto era em 1945, seu ano mirabile. É hora de começarmos a lê-lo de forma adequada, também: pode haver todo um continente a ser descoberto. Abaixo uma pequena seleta de textos retirados de sua vasta obra que inclui A Náusea publicado em 1938; Huis Clos foi encenado em 1944; a trilogia dos Caminhos da Liberdade apareceu entre 1945 e 1949; As Mãos Sujas teve sua estréia em 1948. O Ser e o Nada, veio à luz em 1943, O Existencialismo é um Humanismo só foi publicado em 1946. E As Palavras em 1964, análise do significado psicológico e existencial de sua infância. No mesmo ano é-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, mas ele o recusa. Receber a honraria significaria reconhecer a autoridade dos juízes, o que considera concessão inadmissível.
"A Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”
“...por ter descoberto o mundo através da linguagem, tomei durante muito tempo a linguagem pelo mundo".
"O homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter. "
"Um amor, uma carreira, uma revolução: outras tantas coisas que se começam sem saber como acabarão. "
"Se os comunistas têm razão, então eu sou o louco mais solitário em vida. Se eles estão errados, então não há esperança para o mundo. "
“A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”
“Mais do que filho de um morto, deram-me a entender que eu era filho do milagre. Daí provém, sem dúvida alguma, minha incrível leviandade.”
“Todo homem tem seu lugar natural: nem o orgulho nem o valor lhe fixam a altitude -- a infância é que decide.”
“Entre nove e dez anos, tornei-me completamente póstumo.”
"Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim."
“Submetido a perpétuas comparações, minha sonhadas superioridades evolaram-se.”
“Sempre preferi acusar a mim mesmo do que ao universo; não por bonomia: para depender sòmente de mim próprio.”
“Constante em meus afetos e em minha conduta, sou infiel às minhas emoções: monumentos, quadros, paisagens, o último a ser visto era sempre o mais belo.”
“Já que me recusam um destino de homem, serei o destino de uma môsca.”
“Voltei a ser o viajante sem passagem que eu era aos sete anos.”
“Durante muito tempo tomei minha pena por uma espada: agora, conheço nossa impotência.”
“A cultura não salva nada nem ninguém, ela não justifica. Mas é um produto do homem: ele se projeta, se reconhece nela.”
“De resto, esse velho edifício ruinoso, minha impostura, é também meu caráter: a gente se cura de uma neurose, mas não se cura de si próprio.”
“Escreve-se para os vizinhos ou para Deus. Tomei o alvitre de escrever para Deus com o fito de salvar meus vizinhos.”
“Dócil por condição, por gôsto, por costume, cheguei, mais tarde, à rebelião apenas por ter levado a submissão ao extremo.”
“Eu escrevia por macaquice, por cerimônia, para bancar o importante; escrevia sobretudo porque era neto de Charles Schweitzer.”
“Alguém poderá pensar que eu era muito presunçoso. Não: eu era órfão de pai. Filho de ninguém, fui minha própria causa, cúmulo de orgulho e cúmulo de miséria.”
“De minha parte, eu não era bastante rico para me crer predestinado, nem bastante pobre para sentir meus desejos como exigências.”
“Nunca estivemos em nossa casa: nem na rua Le Goff nem mais tarde, quando minha mãe tornou a casar-se. Eu não sofria com isso, pois me emprestavam tudo: mas eu continuava abstrato.”
“Para o proprietário, os bens deste mundo refletem o que ele é; a mim, ensinavam-me o que eu não era: eu não era consistente nem permanente; eu não era o continuador futuro da obra paterna; eu não era necessário à produção do aço: em suma, eu não tinha alma.”
“Eu era uma falsa criança, segurava um falso cêsto de salada: eu sentia meus atos converterem-se em gestos.”
“Se a gente só se define opondo-se, eu era o indefinido em carne e osso.”
“Os livros foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo.”
“Há quase dez anos sou um homem que desperta, curado de longa e mansa loucura e que está perplexo e que não sabe mais o que fazer de sua vida.”