Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
05/02/2009 12h39
JORGE DE LIMA, O CASO MAIS APAIXONANTE DA POESIA BRASILEIRA



Ele foi príncipe dos poetas alagoanos e plebeu do modernismo. Já glorioso no regionalismo, abandonou tudo, a princípio pela aventura supra-realista; em seguida, para ser neófito da poesia religiosa e, por fim, para cair de cabeça no caos. Sua obra é uma espécie de resumo de toda a história literária de seu tempo. Ou como acentuou Otto Maria Carpeaux "é Jorge de Lima o único poeta contemporâneo do Brasil cuja obra acompanha e evidencia todas as fases da evolução da poesia brasileira moderna."
Tenho um e-book disponível para os interessados.Chama-se Jorge de Lima,80 Anos e está no meu sítio de palavras www.rubensjardim.com  Por enquanto, leia este poema, maravilhoso e antológico, que foi publicado em A Túnica Inconsútil. E abaixo dele um poema do Livro de Sonetos, que apresenta uma curiosidade: os seus 14 versos formam um único período. Dá pra perceber que a ausência de interrupção do discurso e a presença de numerosos fonemas nasais emprestam ao poema um extraordinário efeito musical. Certamente, muito intencional, pois o primeiro verso não passa de uma repetição do nome de uma das peças pianísticas mais executadas de Ravel : Pavane pour une infante défunte


O NOME DA MUSA

Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida,
nem de fada, nem de deusa, nem de musa, nem de sibila, nem de terras,
nem de astros, nem de flores.
Mas te chamo a que desceu do luar para causar as marés
e influir nas coisas oscilantes.
Quando vejo os enormes campos de verbena agitando as corolas
sei que não é o vento que bole, mas tu que passas com os cabelos soltos.
Amo contemplar-te nos cardumes das medusas que vão para os mares boreais,
ou no bando das gaivotas e dos pássaros revoando
sobre as terras geladas.
Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida.
O teu nome deve estar nos lábios dos meninos que nasceram mudos,
nos areias movediços e silenciosos que já foram o fundo do mar,
no ar lavado que sucede as grandes borrascas,
na palavra dos anacoretas que te viram sonhando
e morreram quando despertaram,
no traço que os raios descrevem e que ninguém jamais leu.
Em todos esses movimentos há apenas sílabas do teu nome secular
que coisas primitivas escutaram e não transmitiram às gerações.
Esperemos, amigo, que searas gratuitas nasçam de novo,
e os animais da criação se reconciliem sob o mesmo arco-iris:
então ouvireis o nome da que não chamo Eva,
nem lhe dou nenhum nome de mulher nascida.

DO LIVRO DE SONETOS

Essa pavana é para uma defunta
infanta, bem-amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos

de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçlada sempre sem descanso,

sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra

a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta infanta ungida
e bem-amada e para sempre santa.

Abaixo divulgo dois links do Youtube com vídeos sobre Jorge de Lima. Um deles , http://www.youtube.com/watch?v=KUGCMf7DdF8  trata da biografia do poeta. O outro http://www.youtube.com/watch?v=B6WIg0Y7h18 mostra cenas do desfile do Carnaval de 1975, quando a Mangueira homenageou o poeta Jorge de Lima.


Publicado por Rubens Jardim em 05/02/2009 às 12h39

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