13/04/2009 10h09
AS PALAVRAS TEM UM PASSADO MÁGICO QUE SÓ O POETA SABE DESCOBRIR E REVELAR. O POETA É O RECONSTRUTOR DA LÍNGUA.
Antonio Miranda nasceu no Maranhão, em 1940, e agora vive em Brasília, na direção da Biblioteca Nacional da cidade. Membro da Academia de Letras do Distrito Federal, foi colaborador de revistas e suplementos literários como o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e também o La Nación (Buenos Aires, Argentina) e Imagen (Caracas, Venezuela). Professor e ex-coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília, ministra aulas e cursos por todo o Brasil e países ibero-americanos. Também é consultor em planejamento e arquitetura de Bibliotecas e Centros de Documentação. Viveu em Buenos Aires, em Caracas, em Bogotá, em San Juan de Puerto Rico, em Londres. Um dos fundadores do grupo de teatro Rajatabla, da Venezuela, e do Cuatro Tablas, do Perú. Organizador da Bienal Internacional de Poesía de Brasília. E além de tudo isso, Antonio Miranda é um poeta esplêndido, inesgotável. E de uma autenticidade insuperável. Vale a pena conferir. Portal web: www.antoniomiranda.com.br METAPOEMA Tudo, tudo mesmo já se disse em poesia mas vale dizer de novo. Não se banha no mesmo rio duas vezes, não se lê o mesmo poema. E me descubro em verso que já havia esquecido – eu, ido e revivido. Escreve-se sempre o mesmo poema, que vai desta página até nunca. Este verso e o outro que é sempre o mesmo e o outro, lugar algum. O mesmo poema é muitos. MEDITAÇÕES SOBRE A MORTE “Sou onde não estou estou onde não sou”. LACAN 1. Definitivamente, vou ao hospício para recobrar a lucidez. 2. Tiro fotos para apreender a realidade e flagro a morte. A vida, se existe, é um deixar de ser. Mortes sucessivas antes da derradeira morte no lugar-comum do avesso da vida. 3. Pior: um reconstruir-se para continuar sendo - no paradoxo do absurdo! 4. A fotografia como espelho no meu álbum de família. Eu em diversos momentos de minha morte. Na memória, um cemitério revivescente: “o” nada! 5. Eu já morri enquanto a literatura - tentando eludir a morte - degrada a minha existência buscando preservá-la mas só ela me sobrevive. (12 julho 2005) MEU PRIMEIRO AMOR “A vida que se espera em fim de tudo” Basílio da Gama (1601) 1. Um corpo ereto, excitado, na revelação de sua plenitude, pela primeira vez. Na puberdade, um susto! Corpo a corpo, cobrindo-se, descobrindo-se, brindando-se, despindo-se: temor, tremor. Armas ensarilhadas, virilhas em chamas — proclamas de amor, precipitadas; — fereza da ira, ternura e beleza, ímpeto. Acossado, assustado: arde nas entranhas, estranhas emoções. Cego desejo que se nega e renega, sem remissão nem culpa, engano; fingimento. Justo quanto belo, ser-sendo. Que nome tinha aquele amor de momento? Aquele encantamento furtivo! 2. Como Rinaldo, no “Orlando Innamorato” (sec. XVI) do conde Matteo Boiardo, sempre fugi de quem me amava, só amava quem fugia de mim. O amor tem faces e disfarces cruéis. Amava-se, mas nem era amor. Fulgor, estertor. Talvez, prazer e dor, mas tão intenso! Tão forte, definitivo em sua fatuidade. Princípio-fim, perquirição: a sorte, “um golpe de dados não abolirá o azar”. Fatalidade. 3. Por que as pessoas se emparelham? Mas continuam sós. Quanta renúncia! Que as atrai, que as separa? Espelho em que outros se vêem (mas estamos ocultos). Meu primeiro amor, rumino e revivo: é a mente que inflama o corpo, é o corpo que envilece a mente? Mas, a certeza de ser útil pelo prazer. RODOVIÁRIA DO PLANO PILOTO concluindo: voltar, recomeçar. da janela do ônibus avisto o mar mas não há mar algum aqui: brasília um mar, sim, em ondas pelo planalto central (quem sobreviver verá) hordas humanas fervilhando na rodoviária — formigueiros no cerrado; horizonte infinito os brasis chegam de ônibus — pedestres caminh ando entre desconhecidos com quem me identi fico: domésticas desempregados, meninos-de-rua semáforos de ônibus é que vamos ao Brasil (Brasília, 21/3/2008) Publicado por Rubens Jardim em 13/04/2009 às 10h09
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