Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
08/12/2009 12h52
O SERTANEJO FALANDO MOTIVOU ESTE SER URBANO FALANDO. OUTRO POEMA EM HOMENAGEM AO POETA JOÃO CABRAL
Escrevi este poema em homenagem ao poeta João Cabral de Melo Neto. Minha intenção foi apropriar-me de sua linguagem e dos seus ritmos. Mais precisamente: estabelecer um contraponto ao poema O Sertanejo Falando, publicado no livro Educação Pela Pedra, Editora do Autor, 1966.
Nesse poema, o autor, que se distinguiria da geração de 45 por ter aberto e trilhado caminhos próprios, tornando-se um caso muito particular na evolução da nossa poesia, aborda a questão do sertanejo, construindo palavra sobre palavra, como o engenheiro coloca pedra sobre pedra. Aliás, na página de rosto do livro Educação Pela Pedra pode-se ler a dedicatória esclarecedora: A Manuel Bandeira esta antiLira para seus oitenta anos.
Utilizando linguagem enxuta, concisa, elíptica, esse poeta-engenheiro constrói uma poesia racional, calculada, que enfatiza os dados objetivos da realidade através da contenção da subjetividade poética. Nunca resvalou no mau gosto nem se deixou atrair pelo panfletarismo ou pela facilidade, caindo no poema-piada (nada contra o humor ), no prosaísmo oco ou no desleixo estrutural. Quase sempre, ao invés de uma visão sentimental, o poeta preferiu a representação desses fatos, imitando a configuração que eles têm na realidade. E no poema O Sertanejo Falando, o poeta expressa principalmente isso: a dura realidade nordestina. 
Nesse poema, que publico agora, procurei adotar o mesmo procedimento. Mas o foco foi deslocado para o Ser Urbano Falando. Vamos deixar de blá-blá-blá e ler o poema:

O SER URBANO FALANDO

A fala a nível do ser urbano, engana:
as palavras dele vêm,como ulceradas
(palavras de efeito, mobília), na sintaxe
de uma expressão indecisa, de almofadada.
Enquanto que sob ela, madura e apodrece
o arcabouço do sonho, a pessoa projeto,
perspectiva inglória do ser urbano,
incapaz de afirmar suas paixões.

Daí porque o ser urbano fala muito:
as palavras sem paixão adulteram a boca
e no idioma cidade não se fala o essencial;
nesse idioma o usual é a ausência do singular.
Daí também porque ele fala depressa:
tem de cortar as palavras de suas raízes,
aliená-las de sua vida, reconfeitá-las;
e esse trabalho não deve tomar seu tempo.


Publicado por Rubens Jardim em 08/12/2009 às 12h52

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