Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
22/10/2010 18h39
SEMINÁRIO DE ARTE EM CHAPECÓ HOMENAGEIA LINDOLF BELL
APÓS BUSCAR A VIDA INTEIRA O OURO DA PALAVRA, O POETA CATARINENSE EXCLAMOU: ENTERREM-ME NA PALAVRA!

O poeta Lindolf Bell foi lembrado e homenageado durante o 2º Seminário de Arte realizado em Chapecó no final do mês de setembro. O evento recebeu Rafaela Bell,  filha do poeta homenageado e os amigos, poeta e jornalista Rubens Jardim e o artista plástico Silvio Pléticos. Os três proferiram palestra ressaltando aspectos da vida e da obra do premiado poeta das "crianças traídas".Na ocasião também houve lançamento do livro "O Ser Humano e o Destino Poético", organizado por Jovani Santos e a abertura da exposição da artista Marta Spagnol.
“Quando a galeria completou 11 anos, Bel participou do 1º Seminário que promovemos. Na ocasião ele comentou a importância de disseminar a poesia e a arte em eventos deste gênero”, comenta a marchand Mirian Soprana, uma das idealizadoras do evento. Na época, o encontro marcou a última palestra e Catequese Poética proferida por Bell. Dois meses após, o poeta morreu.
Doze anos depois, Mirian e o escritor, ator e produtor de teatro, Jovani Santos, organizaram este novo encontro. que, além de ser uma forma de homenagear o grande poeta catarinense, que dizia ter “um caso de amor com Chapecó”, serviu como um resgate histórico e um movimento em estímulo à reflexão.

LINDOLF BELL SEMPRE HONROU A PALAVRA
(depoimento de rubens jardim no livro organizado por Jovani)
 
Conheci Lindolf Bell em 1965, quando ele já havia publicado Os Póstumos e as Profecias e já havia iniciado a Catequese Poética. Foi num coquetel --e quem me apresentou ao poeta foi o cineasta Walter Hugo Khoury. A partir daí, nasceu uma intensa e profícua amizade que me levou a conhecer a poeta Iracy Gentile e a integrar a Catequese Poética.
Conviver intimamente e durante tantos anos com o Bell foi uma das melhores experiências da minha vida. Em primeiro lugar porque Bell era poeta vinte e quatro horas por dia. E fazia isso naturalmente. Não era algo forçado ou artificial. Era seu jeito de ser e de conviver. Ele acreditava piamente na palavra poética e na função transformadora do poema. E não se conformava que o povo ficasse por fora disso, sem acesso.
Por isso, criou a Catequese Poética: para levar o poeta e o poema aonde o povo está.
Mas fez isso bem antes da música do Milton Nascimento. E num contexto de fortes restrições às liberdades. Ou seja, logo após o golpe militar de 1964. E em um espaço
que não tinha nada a ver com poesia e com poetas: a boate Ela, Cravo e Canela.
Nunca me esquecerei desta lição de humildade e grandeza: Poesia é terrível soerguimento. Esta declaração do Bell parece resumir o núcleo da sua personalidade generosa, rebelde e fraterna. Ele acreditava mesmo que o papel do poeta era lutar contra a tirania da falsa linguagem, das palavras batidas e amassadas que não estão associadas à vida, à experiência e à convivência.
E é bom lembrar que, naquela época, os poetas concretos tomaram o poder, invadiram as redações e as universidades e acabaram fazendo do concretismo uma espécie de parnasianismo da ditadura militar, como observou Alexei Bueno. A poesia concreta chegou ao limite de uma poesia sem palavra. Uma poesia exclusivamente visual. Um rabisco. Um grafismo.
E Bell não suportava isso: o artificialismo que colocava o poema mais como logotipo do que  logos. Ele sempre acreditou no poder transformador e revolucionário da palavra. Principalmente da palavra poética que pode induzir tanto à subversão como ao encantamento. Ele sabia que a palavra é a melhor e mais imprecisa forma de representar o real. Nada é tão único, direto e simples quanto à palavra --e nada é tão pantanoso, nada é tão areia movediça.
Tudo isso sem falar de seu entendimento de que a poesia não é uma atividade supérflua, um babado, um acessório da cultura. Bell sabia que a poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano. Ninguém consegue viver sem poesia. Aliás, é preciso levar em conta que a poesia esteve presente em todas as sociedades. E o simples fato dela ser tão antiga já sugere sua importância e o seu enraizamento em nossa alma.
Mais ainda: Bell sempre acreditou que a poesia não é só habilidade de lidar com palavras e escrever poemas. É também –e principalmente – um modo de viver. Uma atitude-- diante e dentro da vida. Algo exatamente igual aquilo que Octavio Paz percebeu e formulou como sendo a outra voz: a voz das paixões e das visões; é do outro mundo e é deste mundo, é antiga e é de hoje mesmo ; é sua e é alheia, é de ninguém e é de todos nós.
E pra finalizar, alguém pode deixar de se emocionar quando Lindolf Bell se diz hóspede da terra e passageiro do mundo ? Ou quando profeticamente diz “procuro a palavra fóssil, a palavra antes da palavra. Esta que me antecede e se antecede na aurora e na origem do homem. E porque o minifúndio se faz na terra da palavra, Enterrem-me na palavra.”  




Publicado por Rubens Jardim em 22/10/2010 às 18h39

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