Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
31/03/2011 19h02
a ruptura com o instituído e o desdobrar do desconhecido
DESDE MENINO SENTI A DOR DO MUNDO
E UMA CERTA OPRESSÃO NAQUILO QUE ERA  CONSIDERADO CORRIQUEIRO
Sinto algo nietzschiano nessa escrita além dos limites. Juliano provoca um impacto desestabilizante. Ele acorda em nós as avalanches que antecedem as nomeações. É poesia, ficção, ensaio, filosofia --tudo misturado--mas com alta voltagem! Acho que ele é um caso sério dentro da nossa literatura. Ficarei feliz se os leitores compartilharem esse sentimento comigo.
JULIANO GARCIA PESSANHA publicou 4 livros inclassificáveis: Sabedoria do Nunca (1999), Ignorância do Sempre (2000), Certeza do Agora (2002) e Instabilidade Perpétua (2009). Em cada um desses trabalhos, Juliano mistura poesia, ensaio, ficção e filosofia. E faz isso com uma contundência rara e uma beleza avassaladora. Os títulos já nos jogam em uma tríade abissal: nunca, sempre, certeza --complementada pelo tremor da instabilidade perpétua!
Pra quem não teve ainda a satisfação de mergulhar nas palavras desse autor, pincei alguns trechos de um texto que recebi de meu sobrinho, Saulo. Chama-se Província da Escritura --e me deixou absolutamente iluminado e desconcertado. Os textos de Juliano seguem entre aspas.
"Estar atingido também pela proximidade do rosto do outro é enxergá-lo a partir do aberto, não sendo o aberto mais do que o lugar de uma aparição intrinsecamente frágil, de uma aparição-desaparição. Mas o homem não gosta de estar exposto; ele é alérgico ao lugar. E, enquanto alérgico, converteu-se num animal blindado e, quando alguém aponta para o céu (como um personagem de Bernhard) e diz: “veja, ali está aberto, vejam, está aberto; a palavra a-ber-to está redigida no firmamento”, então, já não se percebe o que isso quer dizer, pois o homem blindado gosta de viver no fechado e de medir a palmo."
"É nas palavras da língua que o mundo deixa de ser mudo e pode tocar a aparição"
"Celebrar é estar exposto e atingido pelas coisas a ponto de, ao dizê-las, guardar-lhes a vibração, comemorá-las"
"O homem blindado expulsou a hospedagem"
"O homem blindado, entretanto, já não confia em mais nada, nem na vida nem na morte, e quando acontece de vida ou morte visitá-lo ele diz estar sofrendo da síndrome do pânico e busca então uma focinheira química junto do psiquiatra. Ali no consultório eles conversam muito, mas aquelas palavras-deserviço já não celebram acontecimento algum a não ser o negócio da administração da vida."
"Foi apenas porque eu sofri formidavelmente na terra das figuras, na terra do homem-diploma e do homem-doutor, na terra da mulher-charme e do homem-mulher interessante e sensível, bem como na da mulher eficaz e profissional que eu, não tendo encontrado aí eco ou ressonância alguma e lugar algum de descanso e acolhimento, dirigi-me aos diários a fim de não ser triturado pela ofuscação gelada dos homens blindados. "
"Os paradigmas teóricos duram o tempo que dura a geração e a geração-filhote, cujo discurso é o discurso-poder na empresa universitária e na empresa do jornalismo cultural, para a qual a empresa universitária oferece a mão-de-obra qualificada. "
"Muitas vezes conversamos com um especialista em Dostoiévski ou com um especialista em Kafka e logo ficamos imensamente tristes e decepcionados, pois percebemos que em sua história, em seu corpo e em sua conversa não há o menor sinal de qualquer inquietação kafkiana ou dostoiévskiana, e que ele, em sua víscera, desconhece inteira e realmente aquilo sobre o que fala e que sua vida se desenrola na antípoda da idéia que propaga."
"Refugiei-me na província da escritura enquanto província de uma espera e de um pressentimento"
"Eu levei aproximadamente 30 anos para me amigar da criança exacerbada, da criança enlouquecida e me aproximar do segredo da escrita: dilacerar o homem, reconduzí-lo ao lugar, ao lugar onde jorrou o primeiro rosto contra a noite da ausência...E eu escrevo a reboque da criança"
"A palavra da escritura é a palavra que despenca. A palavra despencada é a palavra reminiscente, pois nela o homem dá testemunho do surto-susto de sua aparição e nela o homem se aninha no lugar do assombro."
"A língua da escritura é a língua da palavra despencada e a palavra despencada desdiz a palavra industrializada, a palavra cultivada e a palavra prostituída"
"Os intelectuais se põem a interpretar poemas e escrituras quando, na verdade, é o poema e a escritura que poderiam interpretar e perfurar suas teorias estéticas, bem como sua propalada intelectualidade".
"Teorias literárias muitas vezes são defesas contra a literatura, assim como teorias psicológicas são pequenas fobias diante do terremoto humano".
"E não há nada mais a fazer a não ser isso, a não ser nos lembrar de que smos um fiapo visitado pelo mistério e que nossa vida é a sublevação hesitante onde o mundo, em vão, se ilumina".

Publicado por Rubens Jardim em 31/03/2011 às 19h02

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