Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/06/2011 11h42
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA (2)

Na postagem anterior, tentamos contextualizar a presença da mulher em nossa literatura. E publicamos poemas de Auta de Souza, Narcisa Amália, Francisca Júlia, e Gilka Machado. Desta vez, o leitor poderá encontrar vozes mais conhecidas e mais divulgadas.

Henriqueta Lisboa (1901-1985), mineira, é autora de obra poética muito representativa. Poeta de produção regular, publicou quase 20 livros de poesia entre 1925 e 1977. Sua produção também inclui ensaios, conferências e traduções.Foi pioneira ao escrever poesia para crianças no Brasil.

Calendário

Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias

Modelagem / Mulher

Assim foi modelado o objeto:
para subserviência.
Tem olhos de ver e apenas
entrevê. Não vai longe
seu pensamento cortado
ao meio pela ferrugem
das tesouras. É um mito
sem asas, condicionado
às fainas da lareira
Seria uma cântaro de barro afeito
a movimentos incipientes
sob tutela.
Ergue a cabeça por instantes
e logo esmorece por força
de séculos pendentes.
Ao remover entulhos
leva espinhos na carne.
Será talvez escasso um milênio
para que de justiça
tenha vida integral.
Pois o modelo deve ser
indefectível segundo
as leis da própria modelagem.

 

Cecília Meireles (1901-1964), nasceu no Rio de Janeiro, foi poeta, pintora, professora e jornalista. É considerada uma das vozes líricas mais importantes da nossa literatura. Publicou seu primeiro livro,  Espectro, em 1919, pagando tributo ao simbolismo e ao soneto. Seguiram-se mais de 20 livros de poemas.

Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.


Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.


Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.


Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Adalgisa Nery, (1905-1980) nasceu no Rio de Janeiro, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Casou com o pintor Ismael Nery, um dos precursores do modernismo e lançou seu primeiro livro, Poemas, em 1937. Abandonou a literatura e passou a dedicar-se ao jornalismo. Também adotou a política. Foi deputada três vezes pelo PSB e foi cassada em 1969.

 

Poema da amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.


Repouso

Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.

Lupe Cotrim Garaude (1933-1970) nasceu em São Paulo e estreou em 1955, com o livro de poemas Raiz Comum. Seguiram-se Monólogos do Afeto (1956); Entre a Flor e o Tempo (1961); Cântico da terra (1963); O poeta e o Mundo (1964); Inventos (1968); Poemas ao outro (1970).Este último livro recebeu o Prêmio Governador do Estado.

Saudade

(a Guilherme de Almeida)

A saudade é o limite da presença,
estar em nós daquilo que é distante,
desejo de tocar que apenas pensa,
contorno doloroso do que era antes.

Saudade é um ser sozinho descontente
um amor contraído, não rendido,
um passado insistindo em ser presente
e a mágoa de perder no pertencido.

Saudade, irreversível tempo, espaço
da ausência, sensação em nós premente
de ser amor somente leve traço

num sonho vão de posse permanente.
Saudade, desterrada raiz, vida
que se prolonga e sabe que é perdida.

Ars Poética

 

Da desordem nunca

erguerei um verso.

Bem sei

que na bela superfície de um momento,

existe o alento

da Poesia.

Mas é do futuro,

é do instante que serve

a continuidade da vida

em sentimento,

que desejo o meu poema.

O Homem,

sofrido a prosseguir

na sua eternidade construída —

— eis o meu tema.


Publicado por Rubens Jardim em 28/06/2011 às 11h42

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