Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
10/08/2011 20h22
A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA (6)

MIRIAN DE CARVALHO,(1943) poeta, ensaísta e crítica de arte, nasceu no Rio de Janeiro, estudou história da arte, educação artística e filosofia, área em que defendeu tese de doutorado. Docente na UFRJ, lecionou estética. Em 1999, publicou seu primeiro livro de poesias: Cantos do Visitante (Edição da autora). Seguiram-se Teia dos Labirintos (2004), O Camaleão no Jardim (2005), Travessias (2006) e Violinos de Barro (2009).

DESEJO À DISTÂNCIA

Herdeiros do mito, eu

Os escrevo na tela de cristal

Onde os humanos são deuses

Do desejo à distância.

 

Ante a impossível proximidade

Do corpo do outro, minha cabeça

De serpente enrola-se na própria

Cauda.

 

Ás vezes (muitas vezes)

Respirar é doloroso.

 

INCOMPREENSÕES DO TATO

Perdidas em meio à selva de códigos

Deságuam cachoeiras de mensagens

Que emergem entre estranhos na ânsia

De algum projeto de encontro.

 

Aperto de mão ou abraço não há.

Troca de carícias não há. Olhar não

Se completa se não aquele do voyeur

Colecionando imagens do amor intocável.

 

Às incompreensões do tato,

O que sobrevive é cio.

 

E poesia.

VERMELHO

Em alameda livre, saltam meus cavalos

de carmim. Saltam com narinas afeitas

ao que vive ao redor da casa.

E ao redor dos limites do portão.

 

Eriçando a pele, meu cavalo de rosas

respira. Do mundo da fábula, chegou-me 

este centauro de corolas abertas. Afoita cauda 

correndo atrás do vermelho da crina. 

                                            

À procura de pouso e fêmea,

meu cavalo do verão se olha

no lago das chuvas.

 

Lambendo a imagem desfeita,

ele ergue imenso falo. E a tarde

o amansa às horas de lascívia. 

AMARELO

Das sementes da papoula floresceu

o pelo-de-topázio. Carregando fardo

ameno, ele resfolega  atento ao que

lhe pulsa entre as veias e as costas.

 

Molhando-lhe o dorso, escorre a seiva

da amazona de lírios, que ao repouso

lhe roça o falo com sedução.

E lábios de pétalas. 

 

Vindo do Leste, ele acorda os pássaros.

Meu cavalo da manhã despertando

para o coito.

 

Meu cavalo de sol carregando

a vida. Que o recebe em berço

de gozo.

II

Nas folhas do Corão menciona-se

Do pensamento o frágil habitat

 

Sobre a tecelã, paira a dúvida do profeta:

Tece ela as roupas? Ou a ilusão do mundo?

 

Tecendo o viver, a textura do ambíguo.

V

Nos manuais de viagens, não há travessias.

Travessias não há, nesses espaços lacunares.

Imobilizadas, as fronteiras não assinalam portas.

Nem janelas. Entre rabiscos simulando rios,

Não há margens. Plantio. Nuvens não há.

Sequer cinzas. Lenha. Ou lenhador. Neutros,

os mapas não acendem o forno. Não mostram

a tigela de leite sobre a mesa.

 

Ao ermo, lamentam-se as clareiras do fogo.

 

Fogo alto. Fogo de papel. Em minha

barriga, cismam as fomes dos mortais.

  

THEREZA CHRISTINA ROCQUE DA MOTTA, poeta e advogada nascida em São Paulo. Viveu em Boston, Assunção, Montevidéu, Rio de Janeiro e  São Paulo. Aqui formou-se em direito, publicou livros, organizou leituras e exposições de poesia. Atualmente  reside no Rio. Publicou entre outros Papel Arroz (1981), Joio & Trigo (1982), Areal (1995), Sabath (1998), Alba(2001), Chiaroscuro – Poems in the dark (2002), Fundou a editora Íbis Libris, e organiza a Ponte de Versos desde 2000.

O LIVRO DAS HORAS

in Sabbath

1
Caminhas
sob águas e ramagens
- manto transparente
sobre paisagens noturnas -
frios olhos
de quem vê através a alma

2
Tua ausência te faz mais belo
Posso aguardar
nos meandros de tempo
enquanto não te vejo
Refaço os contornos de teus olhos
tua boca, teu queixo
e espero tua imagem se dissolver
e se recompor novamente

MADRAS

Para Selmo Vasconcellos

Abriste o tempo em gomos,
fruta inteira dada aos pedaços,
para cada parte, um gosto,
visível e táctil favo,
com que prendes os dedos.
Este o tempo degustado,
essa fonte maior que a vida,
sabor de tudo, num naco.

O LEGADO DA POESIA

Para João Luiz de Souza

Há um legado de Drummond em todos nós,

como há uma voz de Cecília em todos nós,

um som de Bandeira e um tinir de Mário.

Cada poeta nos empresta sua língua

para aprendermos a falar o que sentimos.

Todos têm um amor de Vinicius,

um galo de Gullar, um cão de Cabral.

Como não trazer o nada de Pessoa para os nossos versos?

Adélia nos ensina a pescar e abrir os peixes.

Cora nos empresta a chaleira e fogão de barro.

Oswald está sempre lá com sua vela.

Murilo traz seu cosmos de fascínio.

Os poetas todos nos dizem em uníssono:

- Escrevei!

Tragam os poetas no bolso.

Como Elisa Lucinda faz quando derrama sua poesia,

como Mano Melo faz quando brada seus versos,

como Chacal faz quando grita seus protestos,

como Tavinho Paes faz quando blasfema na escuridão.

Todos os poetas nos ensinam a poesia.

Leiam! Leiam!

Façam isso por si mesmos.

Um verso de Pedro Lage contém mais poesia do que o universo.

Um verso de João José contém mais sangue do que a carne.

Um verso de Afonso Henriques Neto contém mais fogo do que a chama.

Um verso de Shala Andirá contém mais luz do que a manhã.

Um verso de Armando Freitas Filho contém mais tinta do que a pena.

Um verso de Olga Savary contém mais plumas do que a ave.

Assim os poetas vêm e vão. Inúmeros.

Tantos que não posso todos nomeá-los.

Os presentes, os passados e os futuros.

E só na poesia se anunciam.

Só na poesia existem.

Só na poesia serão lembrados.

A pedra no meio do caminho de Drummond

é a pedra em que todos tropeçamos.

Venham, e juntem-se a nós,

nós, os poetas que lemos,

nós, os poetas que escrevemos.

A poesia é infinita.

Quanto mais se abre, mais se desdobra.

Desdobra-se em inúmeros poemas,

semeados ao vento,

ao tempo,

por todas as idades.

NOMEAÇÃO

Tudo tem seu nome,
o inominado,
o terrível semblante de Deus,
a letra esbelta,
a fome, a falta de vogais
a devorar o nome ancestral.
Sou, és.
Assim está bem.
Recomecemos.

VOLTO-ME E OLHO-ME NOVAMENTE AO ESPELHO .

Recomponho o cabelo com as mãos

e apago as marcas do rosto.

Eu fui o que fui, porque quis,

mas não preciso carregá-lo comigo.

Esquece.

MARIA ESTHER MACIEL, poeta, ensaísta e ficcionista, vive em Belo Horizonte desde 1981. É professora de teoria da literatura da faculdade de letras da UFMG, com doutorado em literatura comparada, pela mesma instituição. Realizou estudos de pós-doutorado em literatura e cinema na universidade de Londres, onde ocupou também o cargo de pesquisador visitante.Já publicou vários livros de ensaio e ficção. De poesia só estes dois: Dos Haveres do Corpo(1985) e Triz (1999).

NOTURNO 
              

                (a T. S. Eliot )
 

O dia é noite no poema:
Sombras, pedras, luas secas
encobrem a estação das flores.
Sobre o deserto 
memory and desire
ainda restam:
ecos entre as cinzas 
deste verso.

Will it bloom this year?

Na terra triste do poema
enterro o fim e o infinito:
me faço silêncio, eclipse.

PAISAGEM COM FRUTAS
 

Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.

Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra

Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul 
ocultas 
teu absurdo.

MANUSEIO

Tépidas
essas mãos
que divagam
devagar
por meus relevos
óbvios
e demoram
fundo
no obscuro
ponto
onde o corpo
se abisma
e silencia,
absurdo.

AMOR

Na véspera de ti

eu era pouca

             e sem

sintaxe

eu era um quase

         uma parte

sem outra

            um hiato

de mim.

No agora de ti

            aconteço

tecida em ponto

              cheio

um texto

com entrelinhas

          e recheio:

um preciso corpo

um bastante sim.

OFÍCIO

Escrever

a água

da palavra mar

o vôo

da palavra ave

o rio

da palavra margem

o olho

da palavra imagem

o oco

da palavra nada.

BLACKHEATH

A poesia me chama entre as árvores

de folhas incompletas.

O vento é frio, apesar de terno.

Corvos mancham o azul sem peso

desta tarde que não começa.

O trem também me chama.

E não vou.

MYRIAM FRAGA, (1938/2016)poeta,escritora, jornalista e biógrafa. Tem 20 livros publicados, entre poesia e prosa. Pertence à Academia de Letras da Bahia e ao Conselho de Cultura do Estado. Participou de várias antologias no Brasil e exterior, tendo poemas traduzidos para o inglês, francês e alemão. Entre suas recentes publicações: Poesia Reunida (2008) com o conjunto de sua obra.

PERSPECTIVA

Este é um mundo-limite
(A que me oponho)
De ciciadas palavras,
De mesuras,
De faces decalcadas
De outras faces
E de sentenças duras.

Este é um mundo-mentira
(Não me enganam)
Da espiral de cinza.
Do frangalho do sonho.
Onde a espera faz-se inútil
E o tempo é nada.

Mundo-agora.
O demônio com seus filtros
O desvairado cachorro.
Sua matilha.
Semeando este chumbo,
Esta ameaça.

Duro é o espreitar do olho
Em cada face.
Na boca devastada
A fome pasce
E a mão ensaia o gesto
E se disfarça.
 

2

De que serve a memória
— fuso e roca —
farta de prodígios,
tinjo e lavo
o fio das meadas,
o fio desta vida

lavo com água e
mornos sais
                 o corpo
e enquanto afagas
tua remota cicatriz
tuas
chagas enigmáticas,
heroicos feitos, falos
eu refaço
            as feridas
minhas — doces talhos
de incruentas batalhas.

ABRIL

Escrevo de memória.
A infância é um bolo
Na garganta
E a dor de dividir-se
Nos espelhos.

Que foi feito de mim,
Daquela estória
Que eu me contei um dia
E que perdi?

Escrevo sempre à noite;
Pela manhã apago
E recomeço.

É tão difícil viver,
É tão de açoite
O vento nas vidraças!

É abril e chove
E a terra morta
Onde o lilás floresce
É minha pátria agora,
Meu destino. Insula.

II
Em luz e sombra agora
O contemplado
Rosto de antigamente
Exato e raro.

Tudo que foi
Aqui está enterrado.

Em branco e preto
A soma revelada
Do que outrora foi vida
E hoje é distância.

MINOGRAM

Não te mires no espelho
Côncavo das virtudes.

Esquece o labirinto.

Não cogites,
Devora


 


Publicado por Rubens Jardim em 10/08/2011 às 20h22

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