Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
08/09/2011 13h15
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (8)

Estão reunidas aqui algumas vozes femininas que obtiveram grande destaque e repercussão nos anos 60. Lamentavelmente, quase todas andam meio desaparecidas e sequer entraram na rede da internet. Mas elas fizeram um bom trabalho e merecem ser lidas e conhecidas. São poemas de sondagem interior que revelam a consciência de  uma luminosa dimensão da espécie humana.

IDA LAURA (1928-2008) – Poeta paulista, crítica de cinema e psiquiatra –embora nunca tenha exercido a profissão. Publicou poemas nos livros Antecipação(1963), Poema Cíclico(1962)e Nova idade(1969). Foi presidente da APCA e exerceu a crítica de cinema no Estadão e na antiga revista Senhor. Participou de leitura pública de poemas como convidada da Catequese Poética. Obteve boa repercussão crítica nos anos 60.
 
"O verbo
dito
caos
pouco a pouco
se dissolve”
.........................................
"Um diálogo
estabelece-se
entre Terra e cosmos
magnífico
terrorífíco
céu
Inferno
deus
demônio
profeta em seu carro de fogo
o astronauta
fala
e sua voz
se transforma
em palavra nova"

...........................................................

"Onde deus
se sua essência
vai além do ar
do vácuo
ninguém jamais viu
o rosto
daquele que
cria
visões terrificantes
visões do céu
a Terra
que deus habita
onde sua força
acumulada
em séculos
de repente explode na atormentada
na obscura fórmula
do Homem"

...................................................................

"As paisagens
serão engolidas
pelos espaços
no turbilhão tudo se refaz
do nada
vias-lácteas
nascem
como eu
da imensidão
do espaço
sou espaço
ao mesmo tempo
eu sou eu
em resposta
aos deuses
aos demônios curvos
boitatás que sobre a Terra
espreitam
em Terra
além
eu sou todos os homens
e isto
é
tudo"

IVETE TANNUS, (1936-1986) poeta paulista, professora universitária, socióloga e pedagoga. Estreou, em 1960, com A violeta e o espelho. Seguiram-se A irmã escolhida(1961), Canto de Amor e Morte para um rei(1963), Eu do teu ser(1964) e O poeta e a Origem(1966). Teve vários poemas traduzidos para o francês, inglês e espanhol. E participou de diversas antologias. Obteve boa repercussão crítica nos anos 60.

A DANÇA DOS CIPRESTES
Sou apenas uma mulher pequena que escuta o nascimento das plantas
Sem entender-lhes o diálogo.

Sou pequena e estou cansada de interrogar-me,
De perscrutar sempre as mesmas coisas
Para sempre descobrir que os homens são tristes.

Ah, meus irmãos
A estrêla se aproxima
Para nunca mais regressar.
 

Ainda bem que a noite desceu
E o luar me visita em casa
É ele que me deixa nua
Enquanto os ciprestes bailam.

LÊDA SEM CISNE

Está solto na alegoria
Lúcido cisne
Num lago sem fêmea.

À noite um piano me visita
Não sei se sou Lêda
Só sei que estremeço
Nas gazes do sono.
E não vejo a presença.

 

PROFISSÃO DE FÉ

Amo-te, Musa
Espumosa e leda
Mas de músculos de aço e hálito forte
De pudor e pétala.

Amo-te a efígie
Em que nasce o Mistério
E a raiz da Música.

Quero-te límpida e concisa
Como a Morte
Mas não apenas mensageira da angústia
Que o Destino põe no meu cabide
Como um chapéu de outono                                                                                    

LÉLIA COELHO FROTA (1938-2010) poeta carioca, escritora, antropóloga e crítica de arte, foi responsável pelas representações brasileiras nas bienais de Veneza de 1978 e 1988 e curadora da exposição Brésil, Art Populaire Contemporain, no Grand Palais (Paris, 1987). Recebeu os prêmios Jabuti e Olavo Bilac (Academia Brasileira de Letras) pelo livro de poemas Menino Deitado em Alfa (1978).

LITORAL (poemas portugueses)

Estávamos um diante do outro
como um só espelho de ouro.
Entre nós corria o rio rubro
e era tempo de despedida.
Portugal, Espanha ou as cícladas
é tempo, mas de frutas cítricas
para ter nas mãos a colhida,
ácida, consentida, súplice vida.

9.PROJETO

Sim, iremos para a América do Sul

para as quadras de tênis vazias

para os parques de diversão silenciosos

movidos pelos anúncios luminosos.
 

UMA DOR

1.

O vento soprava árvores da esquerda.

Ao fundo, o menino tocava o violão

preso no ombro, como um pequeno navio adernado.

Uma dor

no mundo

rachava tudo fino e longe,

cinema mudo.

2.

Acordar é fechar as pálpebras.

Nossos olhos só escrevem

por cima, muito por cima.

E quando abrimos as janelas

É só o vento que está ali.

 

Existe uma dor

                   solta no mundo.

 

E eu quero deixar meu emprego, meus cabelos

                   minha família

para ir atrás dela

                   bicho com fome.

HELENA ARMOND, Poeta mineira radicada em São Paulo, publicou quase duas dezenas de livros de poesia. Já foi premiada pela APCA, mas vive distante das badalações literárias. Já lançou livro em supermercado, sem avisar ninguém.É artista plástica também e já se apresentou em salões, galerias.Participou de uma das Bienais com uma instalação de protesto à sociedade de consumo.

O quanto vale o vale
passaporte da morte
rumo à vala?

Vale o equivalente
da consciência plena
num quase valer a pena


como detectar o ato
chegar à certeza
do contacto e o que se expande?

Ser

forma-se o cerco
sem saída o SER
evoca sobre si
o umbilical cordão
acha o fio
a -ponta e encontra
o princípio...
de uma interrogação
 
Não crio tolas mentiras

Nem da verdade um vão
a escandir cada verso
arremedo em canto chão

Que te saibas terra

Que te saibas água
Que te saibas pedra
que te saibas
ser
aos saltos de um girino
a espermatozóide
a centelha
a
ser
uma estrela que erra...
mas ilumina a terra

PAZ

já aqui e agora há paz ...
no lá fora deveria haver floração de acácias 
ao vento filtrando um mantra...

mais adiante há instantes
variáveis de tumultos
des-encontros... e insultos

aos que comem pedra e se deliciam
sem argumentos...envio um vale
aos mantras redefinidos de cada grito

há muito deixei as aquarelas
pesquiso fractais da humanidade
e...sem ruidos desço o vidro da janela

 


Publicado por Rubens Jardim em 08/09/2011 às 13h15

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