Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/09/2011 11h07
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (9)

VERA CASA NOVA (1944 ) poeta carioca, ensaísta, pesquisadora e professora da UFMG. Tem diversos trabalhos, poesias, ensaios, estudos e pesquisas publicados em livros, internet, jornais, revistas, suplementos literários do Brasil e exterior. Autora, entre outros, de Lições de almanaque e Desertos . Atualmente tem programa na Rádio UFMG Educativa, chamado UM TOQUE DE POESIA, que vai ao ar todos os dias pela manhã e à noite.

Para escrever um poema
não basta um pássaro
ou uma flor:
basta  o escrever
se é que basta:
esse pão
essa comida
esse vinho
do escrito
à impressão.

Fica um grito
entalado na garganta.
Tudo o que temos
não basta.
É preciso tirar da morte
da palavra
esse silêncio bastante
de si mesmo
e ouvir uma canção inexistente.

RETORNO RIMBAUD

Farejo na areia os restos de um instante sem fim
Cada minuto deixa o suave frescor de um mar longínquo
Viajo além.
Percorro a água revolta no barco de Rimbaud
Deixando que o éter em mim se faça.
Simbolista ultrapassado, o poeta ronrona no turbilhão de vertigens pós-tudo.
Toma o chá da luxúria e rasto atrás não deixa.
Brinca nos intercursos da palavra, e
De um segundo a outro, deixa a leveza passar inteira.
Seu caminho asperamente se refaz na areia
12345 conta a dedo as conchas apanhadas
e some com a onda envolto em si mesmo.

Logogrifos

Logo meu pensamento
Vira verso
Grifo rápido pois ele se vai rápido como o avião
Ou quem sabe o trem.
O poema é ironia da vida
E tu, poeta, morto ou vivo
Circulas deixando rastros
pairando sobre a mesa
na sala de jantar:

poesia é feita pra gente comer.

Jogo

Dessa solidão
Nada romântica, talvez clássica
Do poeta,
Envio metáforas desconcertantes;
De meu celibato existencial
Clamo pelas palavras possíveis
As não ditas ou apenasmente
                                                                       Gritadas pelo verso.

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No beijo de Rodin
A arte estremece
As mãos passam nas pernas
E
o pescoço
vai soletrando o que a boca e a língua
sofregamente murmuram
O mármore frio
Aquece os ais de Camille.

DALILA TELES VERAS(1946) poeta portuguesa radicada em São Paulo desde 1957. Animadora cultural, há cerca de duas décadas organiza cursos, seminários e congressos. Fundadora do Grupo Livrespaço de Poesia que, de 1983 a 1994, desenvolveu intensa atividade cultural e co-editora da revista literária livrespaço, ganhadora do Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, como melhor realização Cultural de 1993. Reside e trabalha em Santo André.

SOLILÓQUIOS

De tanto ficar consigo

dispensou as palavras

 

Bastavam-lhe os gestos

(batuta invisível)

a orquestrar o silêncio
 

DO AMOR E SEUS SILÊNCIOS

 

No destempero e ardências

da fúria inaugural

a palavra sem proveito

(verbalização de corpos)

 

No rito já maturado

do caminho reconhecido

a muda comunhão

(frêmito de carne e espírito)

 

Urgências mitigadas

os silêncios primordiais

já agora interpretáveis

(epifania outonal)

 

NO MUSEU

O encordoamento da memória só pode ser retesado 

onde haja silêncio

George Steiner

 

Para ver

calar

(ocultos sentidos

a preencher sobressaltos)

 

Para ouvir

calar

(perturbadoras vozes

coladas às telas

- ruídos da memória)

 

Para guardar

calar

(outra beleza

ainda não catalogada)

 

Da insaciável cobiça

 

"Gloriae et virtutis invidia est comes"

provérbio latino

 

Cobiço

qualquer coisa

desde que te prive

desde que te despoje

 

 

Meus olhos na tua alegria

roubam-te o riso

saqueiam teu saber

e tudo que não tenho

 

 

Nem a mim serve

este desejo só desejo

basta-me que nada seja teu

(a felicidade apenas no alheio)

 

BRUNA LOMBARDI (1952 ) poeta paulistana, escritora, modelo e atriz. Publicou 3 livros de poesia, No Ritmo dessa Festa(1976), Gaia (1980) e O Perigo do Dragão( 1984) , dois romances, roteiro de filme e um diário com o registro poético das filmagens do Grande Sertão.

Intransitivo

A carne anda cada vez mais fraca
e o silencio cada vez mais comprometedor
cômicos somos nós que estamos falando sério
e pobres são todos, de uma pobreza irremediável
de uma doença incurável, apesar de todos os esforços
da medicina, da psicoterapia, da parapsicologia
quando a única solução seria um sortilégio.

Há políticas bastantes para não pensarmos em nada
e condicionamento suficiente para termos a ilusão de que pensamos
de que somos livres e vivemos como queremos.
Temos vontades baratas: um novo par de sapato
um pouquinho mais de espaço para alongar as pernas
e se possível mais tempo pra reclamar da vida.

Ah, deveríamos desobedecer secretamente a nós mesmos,
imitar um pouco mais os bichos
inventar qualquer forma mais pura
do que esta selvageria civilizada
do que este progresso cheio de violência
do que esta racionalidade que não deu certo.

Meu irmão, o absurdo somos nós.

Sob o Signo da Inquietação

 O susto em nós foi avançar muito para dentro do proibido. 
Muito para perto de uma zona perigosa 
A boca da noite... o desconhecido... 
Vagos caminhos de uma via nebulosa. 
   
Vários conceitos para falar da mesma coisa 
O susto em nós foi descobrir porteiras 
de territórios nunca antes percorridos 
No fundo de todos nós um visitante 
No fundo, a falta de sentido... 
   
Visitantes de nós mesmos cometíamos 
a imprudência de quase enlouquecer 
Para chegar à compreensão. 
E uma coisa afiada nos conduzia 
através da trilha da poesia 
e do difícil trajeto da paixão....

 

Princípio

                  

 

Na paixão de um homem, na inquietude 
das feras, no vermelho  
que o fio da lâmina provoca  
o olho acostumado a perscrutar  
as máscaras, as almas, o que não se confessa.  
   
Na origem profunda do ser 
Onde tudo começa  
na sua luta contra o tempo  
e contra a natureza  
   
em tudo há o desgaste 
em tudo o conflito se apresenta  
raiz do ataque e defesa  
há o mar, a fúria do mar  
e a força da rocha que o enfrenta.

Baixo-ventre

eu não agüentava mais de amor por você
tava ardendo de vontade de você
você há de me querer
há de tentar, se atrever
mesmo se for um delito, se for errado
maldito, amaldiçoado
mesmo que o céu nos castigue
com um eterno eclipse
e venha o caos, satã, o fim de tudo
e a gente seja culpado
porque não soube resistir à tentação
eu não quero me livrar desse pecado
e me salvo através dessa paixão.

 

BETH BRAIT ALVIM (1952). é poeta paulista com forte presença nos movimentos culturais de São José dos Campos, ABC e São Paulo nos anos 80, 90 e 2000. Tem passagens pelo teatro, cinema e vídeo, artes plásticas e visuais e gestão da cultura. Publicou Mitos e Ritos, Ciranda dos Tempos e Visões do medo, premiado pelo PAC 2007. Participou de diversas antologias no Brasil e no exterior.

Outono
quando eu era jovem
a dor doía

horizontal

bastava o pôr-do-sol
e os dias não

eram iguais

hoje o outono escorre nos vitrais
e no outono a dor é
vertical

trajo vestes escuras
e baixo os olhos quando vejo o
horizonte

assim a dor
afunda meus pés no chão
amarra o nariz ao queixo

e a boca cerrada

rumina

terra

Visões baldias 

 ah se a menina de cinqüenta anos sucumbisse menos às visões do juízo final e vagasse mais nas feiras e terrenos baldios à beira do surto daqueles dias onde o muco anterior às boas maneiras mantinha o sinal o segredo a magia e rompia o novelo da mãe da avó e das tias

 por certo ela desfilaria todas as noites e dias sua saia de absinto meias de cereja e seus dentes de ninfa pulsando nas esquinas

Eu quero

meu útero seco banhado pelas águas das andorinhas
a lua em frente
um antro de poetas mortos nas asas do meu cérebro

a tramontana de Portbou rangendo nas travas das câmaras de gás
a transfusão do câncer que tritura minha mãe

eu quero verter lixo tóxico
pra ver se meu sangue limpo

respira por mim

Em nossos dias

o poste ainda 

espera um bêbado 

que tropece um tango 

vocifere um Rimbaud

ou exorcize uma Anaïs

 

 não é fácil em nossos dias sorver 

em taças de cristal luas de 

celofane como se fossem hóstias

   

Fruto

não lambuzo o beiço

nem salivo doce

diante do meu fruto

predileto

 

a casca áspera no

caminho do seu pomo

lanha-me a garganta

 

não lambuzo o beiço

nem salivo doce
 

engulo seco


Publicado por Rubens Jardim em 28/09/2011 às 11h07
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