Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
26/03/2012 20h21
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (18)

ELIZABETH LORENZOTTI,  poeta paulistana, jornalista, escritora, fez mestrado em comunicação (USP) e é doutoranda em literatura brasileira. Passou a infância em Poços de Caldas(MG) e voltou pra lá no ano passado.  Está iniciando carreira acadêmica. Publicou Suplemento Literário-Que falta Ele Faz!, Tinhorão, o Legendário e o livro de poemas As Dez Mil Coisas(2011).

Visita

No estranho caminho de Santiago
os magos perdem as botas
e as mulheres ganham sandálias de saltos altos

Nas veredas
Saltitam
Gaviões e passarinhos

Criado-mudo

O rosário de jade sobre a Teogonia
O livro de Leonardo
Meu caderno de sonhos
Cristais de gengibre
A caixinha de Alhambra
A pedra cor-de-rosa
O hexágono da China
Potinhos de pedra-sabão de Minas
A obra em negro
Os escritos de Blake:

Tudo existe porque tem um nome

Declaração

Abúlica, nevrálgica, efêmera
Helênica, epidérmica, esdrúxula
itálica, inédita, neófita
ínclito, másculo, cáustico
seráfico, trópico, feérico
Amor às proparoxítonas

Visita

Fincado nos píncaros
majestoso enigma
espreita, de perfil

Memórias de cordilheiras
em meio à neurose

Incorruptível


no secular vício da carniça
observa o ciclo da caça

Ruídos esganiçados não te assustam
Parabólicas captam todas as aparências

Excluído do olhar humano
Impassível urubu urbano

RITA MOREIRA (1944) poeta paulistana, autodidata, estreou muito jovem, com o livro Maria Morta em Mim(1962). Seguiram-se A Hora do Maior Amor (1965) e Perscrutando o Papaia (1999). Recebeu elogios de Menotti del Picchia e Paulo Bonfim. Durante vários anos foi redatora da Abril, morou em Nova Iorque e tornou-se vídeo-documentarista de sucesso..Muito jovem foi letrista parceira de Paulinho Nogueira (Moça da Chuva e Historinha, entre outras).

IPSIS

A palavra é ainda

a mais sublime invenção.

Mas tem tanta coisa linda

que escapa à nomeação!

 

HIMALAIAS

Mulheres fortes, centradas,

essas mulheres maduras

eternamente animadas

dum fogo que rodopia

pra além dos filhos criados,

dos romances resolvidos,

peagadês concluidos,

himalaias escalados...

 

E esse olhar sem pensamentos,

o caminho aberto em frente,

com tanta promessa linda

de mais himalaia ainda.

Energia tão valente

que nem sabe o quanto é.

Essas mulheres fortes

que sabem cair de pé,

que sabem fazer os cortes

nos momentos mais precisos

de repente tão suaves

desmanchando-se em sorrisos...

 

Mulheres firmes, inteiras,

que se preocupam com o mundo,

bem além dos próprios netos.

Que sabem da dor das aves

cobertas de óleo nas praias.

Da mudança necessária

nos hábitos de consumo.

Da importância nenhuma

dos elogios ou vaias.

Da tragédia dos sem-teto,

dos problemas de afeto

das irmãs e irmãos mais frágeis.

Essas mulheres tão ágeis,

tão presentes, tão futuras,

não se perdem em procuras

nem tem temores noturnos.

Não tomam Prozac, calmante,

não vão no que as mídias ditam.

Desprezam intoxicantes –

religiosas, meditam.

 

-- As almas dessas mulheres

tão retas e iluminadas,

por mãos de que outras mulheres

terão sido torneadas?

 

Sherazade

Proibida no edifício

a cachorra da velhinha

na verdade não existe.

Mas em noites mais escuras

a senhora, muito  triste,

fecha  os olhinhos cansados

e não reza ave-marias

como fazem as vizinhas

com quem tem pouca amizade.

Chama  o nome que inventou

-- Sherazade,  Sherazade! --

e sente nas mãos manchadas

amorosas  lambidinhas.

 

MÃE MODERNA

Mesmo longe, a viajar,

sempre comigo.

Pendurados no celular,

neo-umbigo.

 

MÁRCIA MARANHÃO DE CONTI (1957) poeta maranhense, passou um período da infância em Goiânia, residiu em São Paulo e atualmente vive em Goiânia. Estudou piano, é formada em nutrição e em direito. Já participou de antologias e concursos, sendo várias vezes premiada, inclusive no 5° Prêmio Nacional de Poesia - Cidade Ipatinga com o 2° lugar (2007). Teve três poemas selecionados no concurso Poemas no Ônibus e no Trem, promovido pela prefeitura de Porto Alegre. Publicou o livro de poemas Luar nos Porões (piano mudo), em 2011.

Enfrentamento

Abro a frase devagar

Como se abrisse um lenço

Que guardasse um segredo mofado.

 

Leio afastando cada sílaba,

Na tentativa inútil

De romper todo o sentido.

 

Depois de ler essa verdade

Que tentou se inscrever

Num insight de coragem

 

Acovardo-me.

Fecho o lenço...

E enxugo meus olhos.

 

Um poema no ônibus

Parece que a cidade passeia,

E o pensamento espia a palavra.

Há um poema que vagueia,

Versos virando paisagem.

 

Parece que a janela me leva,

E o poema levanta os olhos.

Não sei se fico ou viajo.

Vou nas palavras e volto.

 

Parece que tudo é passagem.

O poema beija meus olhos.

 

A ninhada

A ninhada de palavras

Não me deixa dormir.

Ser poeta é suportar os peitos

Inflamados

E deixar a linguagem sugar

Até sangrarem os bicos.

 

Vestígios

Meus acasos não povoam

Páginas de dicionários.

São trilhas que transcendem

A leveza dos passeios.

 

As palavras são rastros

Deixados no cimento fresco.

Nem que eu falseie os passos,

Minto comigo, nos versos.

 

As palavras são pérolas

De um colar que nunca tiro,

Criadas nas conchas antigas

Dos mares que habitam em mim.

 

Águas sem caminho

I

Ao atracar no meu porto,

Não me reconheço,

E a cidade não existe.

Não há quem me busque

Ou me convide.

E o tempo de espera,

Esse não finda.

Olho infinitamente pro mar,

Que me atrai, mas não me conduz.

Não há caminho nas águas.

E na verdade não há navio.

II

À beira do meu mar,

Espero o teu navio.

Move-se o horizonte

No manto das ondas, espumas.

No movimento do medo,

Deixo um chorinho

Tocar os meus olhos.

Vultos e velas, barcos distantes.

O pensamento suplica o agora.

Desisto da longa espera

E olho ao redor:

Meu continente é de águas,

Se o teu navio não volta,

Me afogarei, pois não nado.

III

Eu me afogo em meu próprio oceano.

E me encharco deste sal que é meu.

A água que eu engulo é que me mata,

Levando a lucidez que me perdeu.

IV

É que a palavra não pode abarcar

A extensão deste mar que me invade.

Não avisto terra em confins nenhum.

Já não me sobra espaço em mim mesma.

Quero arranhar o céu para ver se enxergo

Luz que me leve à orla da vida.

Estou s

u

b

m

e

r

s

a

Imóvel e patética.

Gritar não consigo,

Não sei o que grito.

E a fala me foge

No momento exato.

Não há fôlego, vencida no mar.

É luta vã salvar

                      O corpo do verso.

 

 

CARMEN SILVIA PRESOTTO(1957) poeta de Po rto Alegre, escritora, psicanalista, professora de língua portuguesa e literatura clássica, agitadora cultural e editora. Publicou, dentre outros, Dobras do Tempo (2001) e Encaixes (2006), Postigos (2010) e um grande número de crônicas, photoPoemas, photoCrônicas em espaço que mantém na internet: Vidráguas. É aí que ela divulga outros autores, livros e principalmente poemas. Com um empenho e uma dedicação inquestionáveis.

Holografias

Velhos fantasmas
transmutam olhos em caleidoscópios.

Fantasiosa
adorno-me das criaturas.

Saudosa
bordo-me de alguns retalhos.

Numa ilusão de ser
reflito figuras no céu.

Cúmplice pisco à Lua
pela colcha de retalhos que me devolve.

 

Névoas

Cinzas
passado
Suor
e lágrimas

Nada é domável
durmo em sonhos não vividos

Esqueci meus luares imaginários

O último trem levou o lenço
e ainda aceno pelo teu beijo.

 

Pisares

Existe um sono a que chamo silêncio

Velho mapa
de onde voam meus pés
vento

em que me espelho momentos

existe um tempo em que desperto memórias
terras

em que calço meus rastros
fendas
onde soluço meus ossos.

 

O Amor...

O amor é este letreiro
em que todos os dias
reVerdeces olhares

de mim em ti…

O amor é este tabuleiro
em que todos dizeres
te acompanham no dito

e para que não sejamos contradito…

Psiu!
:
pisco e digo
te amo

O amor é poesia
este tempo no espaço
tempAço
onde me dizes
não ser…

 



 


Publicado por Rubens Jardim em 26/03/2012 às 20h21

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