Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
19/04/2012 12h47
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(19)

OLGA SAVARY (1933) poeta paraense, jornalista, tradutora, crítica, ensaísta Tem em seu currículo 20 livros, mais de 40 prêmios de literatura — entre eles, dois Jabutis — e traduções de Pablo Neruda, Julio Cortazar e Mário Vargas Llosa. Estréia em livro em 1970, com Espelho Provisório, prefácio de Ferreira Gullar. Seguem-se: Sumidouro(1977), Altaonda(1979), Hai-Kais(1986) e Berço Esplêndido(2001), entre outros. Primeira mulher a publicar poesia eróticas, Magma(1982).

Ser
Essa boca cúmplice e insensata
Tangendo a mais antiga e solitária ária
Na anfíbia flauta do teu corpo.

LIMITE

Ausente e lassa, queria
estar pisando
a areia fina de Arraial do Cabo,
a areia grossa de Amaralina,
em Goiás Velho urdir a tarde
com Bernardo Elis e Cora Coralina,
farejar
cheiro de candeia por toda Ouro Preto...
mas estou presa à molduras de todos os meus retratos.

Liberdade condicional

Que eu toda me torne desterro,
lugar de exílio, exílio em ti;
meu corpo é um edifício erguido
com vista para o mar, ou seja,
como o mar rodeando a ilha,
todo com vista para ti.

Que sejas a tensa corda
do arco só a atirar
– único prazer da memória –
setas não para a altura
mas em única direção
abaixo da minha cintura.

E te amo morto ou vivo
com a certeza de quem sabe
do grande fogo das vísceras,
cartas marcadas de risco,
cujo mapa é só abismo,
precipício onde se cai.

de mãos dadas com o perigo
e as sete quedas de vício.

MAR I

para ti queria estar

sempre vestida de branco

como convém a deuses

tendo na boca o esperma

de tua brava espuma.

Violenta ou lentamente o mar

no seu vai-e-vem pulsante

ordena vagas me lamberem  coxas,

seu arremesso me cravando

uma adaga roxa.

DARCY DENÓFRIO (1936) poeta goiana, professora universitária, ensaísta e autora didática.Estréia como poeta com o livro Voo Cego(1980) que conquista o prêmio Cora Coralina/UBE em 1982. Seguem-se outros: O risco das palavras(1982), finalista da I Bienal Nestlé de Literatura; Amaro mar(1988) e Ínvio Lado (2000).

O RISCO DAS PALAVRAS

Ah! a miséria da oficina das palavras!
Onde pescar a que melhor convém?
                                       Maiakovski

Diante de você sempre emudeço.
Tenho as palavras batendo, ba-ten-do
ao peito mais que à garganta.
Mas é tão grande o risco das palavras
que, delas, finjo que me esqueço. 

Ah, as palavras, se não houvesse o risco,
eu diria todas, tropeçando em pedras
como algumas cachoeiras, mas jorrando
sem parar a urgência de suas águas. 

Mas as palavras acordam até mesmo 
os deuses mais adormecidos
e é melhor não dizê-las, guardá-las
como pedras, mesmo ferindo o peito. 

Se eu não as disse algum dia,
alguém lhe dirá sem medo do risco,
porque há os que abrem as comportas
e extravasem sem reservas suas águas. 

Mas eu sou dessas barragens
que não se entregam nem extravasam,
mesmo com a maior das enchentes.

POEMA DA DOR SEM NOME

Essa mágoa

dói tão fundo

como se houvesse

perfurado o abismo

interior de meu  mundo.

 

Dela, não serei vassala

só quero lançá-la

como um fio infinito

que se joga no abismo

até vomitar de vez

o início da ponta.

 

Depois, chegar

à íntima alegria

sem sentir a broca

perfurando a rocha

de meu poço artesiano.

 

À alegria de alcançar

as águas tranquilas

minhas mais profundas

reservas humanas.

 

E ouvir o íntimo silêncio

águas entre rochas calcárias

sem nenhuma pressa

águas que não estremecem

nem trincam

                     o espelho da alma.

PONTO FINAL

Se não há mais nada a fazer

é isto mesmo - em frente.

Não importa a direção

a que se ande (já disseram)

desde que seja para frente.

Se a última palavra

já foi pronunciada

não cabe vírgula

nem outros sinais de pontuação

a não ser o ponto final

ENFRENTE!

LENILDE FREITAS (1939 ) poeta e  tradutora paraibana, com formação acadêmica em literatura. Seis livros publicados: Desvios (1987); Esboço de Eva (1987); Cercanias (1989); Espaço Neutro (1991); Tributos (1994) e Grãos na Eira (2001). Conquistou alguns prêmios literários: "All Nation Poetry Contesf (USA);  "Prémio Emilio  Moura de Poesia” (MG),"Augusto dos Anjos" (PB), "Arriete Vilela" (AL), “Prêmio Pasárgada” (SP), “Nestlé de Poesia” (SP).

A Fernando Pessoa

Não é disso que estou falando
nem do silêncio presente nesta sala
em que os pensamentos entram
igual moscas e pousam onde querem.
Não é disso
nem de tarde que mastiga devagar
o que resta da hora
e o vento procura, procura
lá fora não se sabe a quem.
Falo do teu sonho
ancorado nas alturas
e desta porta aberta
a esperar ninguém

A Florbela Espanca

Conheço a casa
onde o acordar é infeliz

Na mesma rua, outras casas cintilam
no matiz em que os sonhos aterrissam

Um pássaro cuja plumagem é um pincel
voando torto despinta o céu

A casa que eu conheço
chove por dentro

enquanto a alma
de que lá mora

trinca no centro.

Aquário

O amor em mim
está maduro como um peixe.
De tanta água repleto,
ele não nada.
Pesado cochila sob pedras
— completo.

MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS(1944) poeta soteropolitana, contista, teatróloga, professora universitária, pesquisadora e ensaísta. Fez mestrado em teoria da literatura na UFBA e doutorado em literatura comparada na Universidade da Califórnia. Estreou em livro com Chão Circular (1970) que recebeu Prêmio Arthur Salles.Seguem-se os títulos ABC re-obtido(1974), Os Eternos Tormentos(1986) e As Esporas do Tempo (1996).

Luz inesperada

Preparei a casa para te esperar:
procurei nos cantos o passado
e engastei-o à soleira da porta,
petrificado em dor, mas refulgente.

Não foi necessário mudar de casa
para te esperar. Bastou a tua vinda,
ainda de madrugada, para que tudo mudasse,
e a lua crescente surgisse ao meio dia.

A cama está feita, a mesa está posta,
nas compoteiras brilham sobremesas
feitas para adoçarem a tua boca
quando a vida amargar, travar-se o riso.

Meu corpo não é o mesmo de ontem,
mas é mais virgem, através das horas,
que me apartaram de outros desejos
dos quais me afasto, emigrada de mim mesma.

Foi gratuito o teu chegar. Por isso fica:
permanece em mim e esquece a lágrima.
Te esperei para chamar-te "meu amor",
embora ingressem em minha voz e corpo

antigas sereias, com pentes de espelhos,
a retrançar meus cabelos destrançados,
e te convidem para o sábio mergulho
onde habitaremos: nós e o tempo.

Escuta

Ocorre que há uns lapsos na história,
há uns lapsos. Então vêm, videntes,
relatar histórias conhecidas
em noites longas de calor, insônia.
Ouvimos. Pacientemente.
Sob discursos jazem outras vozes.

Necessário cantar.
Animais se aninham ao nosso ânimo,
baixam seu brado à espera da canção.
E os leões de pedra dos portões
deixam rolar os globos que os sustentam.

Falamos línguas obscenas.
Não. Endureceu-se o ouvir.
Indefinidamente?
Afrontar a rija espada dos confrontos,
permitir soluços, se o peito arfa
curvado de rajadas imprudentes.
Se não se deixa a alma nesses lances
em que transidos vagamos dementes,
como afrontar as rugas, decifrar mensagens
(não correm ventos nas paisagens mortas,
largadas ao relento)?

Necessário é amar.
Primeiro e último tormento.

Anunciação

Anunciar.
Lembra-me o encontro,
vez primeira
em que vi teu rosto no entanto oculto
por tanta e tão espessa bruma.

Tarefa de dizer.
Pedi a tua vinda,
supliquei às garras do tempo
o teu encontro.

Vieste,
a indesejada das gentes,
vieste
e te alojaste à flor
do lábio que não abre.

Tomei a iniciativa.
Ou fui, ao revés,
tomada pela iminência,
essa ganância,

essa arrogância,
essa demência,
que se aloja na garganta?

Pouco importa.
Necessário sonharmos juntos.

Vieste,
apesar da hesitação
nas fontes hostis
da História.

Doçura de ficar
em tua sombra,
permitida dessa luz
inesperada,
que me arrasta
em surtos de violência

Anunciação.

 


Publicado por Rubens Jardim em 19/04/2012 às 12h47
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