Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
03/10/2012 13h10
AS POETAS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA(26)

RITA DE CÁSSIA CAVALCANTE,  poeta gaúcha, é professora de literatura em Porto Alegre. Escreve na revista Argumento e no blog pessoal Poética. Participou, em 2008, do concurso literário off flip e foi publicada na coletânea junto de autores já conhecidos como Tanussi Cardoso, Márcia Maia, Mônica de Aquino e Sonia Pereira.

 

Chega uma hora em que olha no espelho e não encontra mais o avesso
a cara é só retrato 3x4 da sua identidade emaranhada
o que há por trás é a casa escura soando berros de alguma canção inominável
Memória tem cheiro de flor em velório
doce cozinhando em panela de vó

Se ainda acreditasse, abriria as cortinas
chorava rios e fingia ser feliz

Nem pra chover deus ajuda

 

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tudo previsível como uma penteadeira

 

beijos gastaram todo o batom

mas restou o sangue

volúpia ardente na página daquele livro

respiro o teu perfume

quando a noite insiste em se fazer inteira
diante do espelho tudo é nu

 

(gavetas também não escolhem as lembranças)

 

Bossa


Não tenho mais tempo pras palavras
Larguei da poesia
Não quero mais essa mesma canção

Adeus, meu bem
Vou ser morena do samba de alguém

 

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ligação de cobrança

caminhão de gás

torneira mal fechada

construção no quintal ao lado de casa

dança

mendigo pedindo moeda na calçada

corpo pedindo água

cachaça

música ruim no rádio do vizinho

telefone ocupado

tu

tu

tu

 

A vida é um disco riscado

 

CLAUDIA CORBISIER , poeta e psicanalista carioca, com pós-graduação em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da UFRJ e na Sorbonne, Paris V, Université René Descartes. Atualmente doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da PUC, Rio de Janeiro. Pesquisadora associada do LIPIS. Escreve no blog umdiaumgato.

 

Quero a vida assim
Amassada
Enrolada
Em papel de seda
Ou de jornal
Quero um colar bonito
De pérolas
Ou de botão
Quero um peito aberto
Cheio de cicatrizes
De lembranças
Do que foi
Do que não foi
Do que será
Quero as mãos raladas
mas
De unhas feitas
De cores diversas
Sempre abertas
Quero as pernas bambas
De sonhos insuspeitos
Dos carinhos exagerados
Quero o amor maior
A paixão que transtorna
Que transborda
Quero o fio da navalha
A faca que corta
O que não faz sentido
Quero o suor pingando
Das lutas reais
Quero da vida
O pedaço
Que mais arde
Que enlouquece
Quero o mais difícil
O que é real
Quero a verdade
Da dureza da rocha
Do perfume da rosa
Das entranhas expostas
Quero
.

 

Memória


Mãe é amparo.
Estaca fincada na terra
na chuva, molha
no sol, seca
com o vento balança.
Mas fica ali.
As vezes nem sabe
que apóia ilusões,
que gera sonhos
que aninha sossegos.
É ponto cardeal
início à revelia
corrimão
jacarandá de sobrado
sino de mesa
carrilhão tocando
conversas de antigamente.
É tristeza do que não foi
de perguntas esquecidas
É imagem desdobrável
guardada
entre pesares e canduras
no porta-retrato
da memória.

 

AURORA

 

O SEGREDO APENAS SE ESBOÇA,
O SENTIDO MURMURA,
PARA OS OUVIDOS ATENTOS,
UM ACALANTO INESPERADO.
AS PALAVRAS SE CRUZAM,
O SILENCIO ACORDA SONHADORES DISTRAIDOS,
DE MUNDOS DISTANTES.
OS SINOS SE IMOBILIZAM,
OS OLHOS DESLIZAM,
DESPERTANDO ALMAS INQUIETAS,
QUE DESCOBREM O BALANÇO DO MUNDO.

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Sou chão. Sangue. Cabelo em pé. Ouvidos roucos. Voz estalada que nem ôvo. Sou pé na estrada. Mão na contra-mão. Moleca de rua. Do olhar atento. Da alma rasgada. Da saia plissada. Do sinal aberto. Do bambolê rodando. Sou mulher comum. Média. Com pão e manteiga.

 

ADRIANA ZAPPAROLI (1969) poeta paulista, nasceu em Campinas, fez doutorado em farmacologia pela UNICAMP e, em 2007, lançou seu livro de estréia, A flor-da-Abissínia, já tendo publicado seus poemas em revistas impressas, como Etcetera, A Cigarra e Poesia Sempre, e eletrônicas, como Zunái e Mnemozine. Escreveu o e-book de poesia: Erótica. Mantém o blogue Zênite.

Rubro cântico

figurativo descanso
uma estrutura rubra
um olho-de-gato
equivocado
refletindo luz


intuitiva a poesia


num escuro
duma estrada
mal sinalizada

 

Num momento

roer
a unha telúrica
do tempo

saltar
para dentro
da vulva

no movimento
da válvula tricúspide

tugúrio

o tule abafa
o trilo da úvula

no dedo o gosto da uva úmida

 

Tatue um poema

tatue um verso
dinodonte diminuto
em meu dorso
etéreo
reverso
tatue beijos
cabelos extensos
seu
rosto
tatue sentidos
discretos lábios
textos explícitos
arriscado fogo
astro
sem esforço tatue
um
imortal dionisíaco
tatue meu corpo
todo
poema inteiro

 

O olho do tigre

 

Pisando o chão novamente
sou alguém sobrevivendo
após um forte dilúvio.
Por mais que eu renegue a vida
e dela seja o mais fiel desertor
A morte, não a venci.
Da vida sou prisioneiro.
Não! Não! Não desisto!
Mesmo cansado bate em meu peito
o instinto do predador.
O olho do tigre persegue sua presa na noite,
é a emoção da luta
que cresce junto com o desafio do rival.
Oh! devoro a vida!
Viva! Solto o último suspiro
e parto em busca do desconhecido.

 

VIRNA TEIXEIRA (1971) poeta cearense, nasceu em Fortaleza e reside em São Paulo. Publicou três livros de poemas Visita (2000), Distância (2005), e Trânsitos(2009), participou da antologia Fin de Siècle (2007) e traduziu os poetas Edwin Morgan(escocês), Richard Price (inglês).

 

NOITE

branca, a sala
a cor desta
ausência

teto

inalcançável

sofá, o vulto
imaginário
de um corpo.

 

HYDRA
 

Nas margens da ilha, rochosa

           redemoinhos

de água

 

onde o monstro

marinho?

 

Havia um banco

de frente para o mar

Egeu.

 

A luz tênue

ao entardecer

outono

uma igreja deserta e a

fileira de casas, brancas

ao longe.

 

(tinha nove cabeças

a serpente)

 

Na colina, balidos

despertam

meus pensamentos.

 

As hidras internas

se recolhem.

 

Um pastor acena.

 

CHINATOWN
 

da bolsa de mão deixa cair a arma

a dupla identidade da assassina

 

suspense na sala de espelho

disparos na sombra, estilhaços

 

'em shanghai é preciso mais que sorte'

 

na costa do atlântico

um vórtice de tubarões feridos

tinge de sangue o oceano

 

o sol evanesce no poente

 

RÉQUIEM
 

onze meses depois:
uma pedra sobre o túmulo
 
reter apenas as
lembranças
 
necessárias

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 03/10/2012 às 13h10

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