07/10/2013 20h57
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (40ª POSTAGEM)
MARLY MEDALHA (1934) poeta fluminense, licenciou-se em letras e trabalhou como jornalista durante vários anos em São Paulo. Foi diretora do Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, em Niterói. Publicou: A Canção da Ternura Inútil (1961); Queima-Sangue de Narda (1973); Lírica de Antonha do Céu por Raimundo Vira-Flor (1975),cordel. CANTIGAS DA BENDIÇÃO E repousada em ti me tenho como um pombo no ninho. Nem te faço de correio, nem te arreio, és passarinho.
Passarinho, passarminho, entre as penas do arvoredo, passarinho, passaredo.
Quando tu voas, eu vôo. Se desfaleces, te aqueço. Ah, passarinho-do-vento, passarinho-do-moinho, pombo-sem-pombo-correio, só por ser teu alimento enfeito a casa de milho, forro de folhas por dentro.
Por te amar, não tenho pena, por cantar, perdi meu medo. Que te olhando eu viro um ninho. Tenho bem mais que mereço.
OUTONO AMEAÇADO MARLY DE OLIVEIRA(1938-2007) poeta capixaba, viveu no Rio de Janeiro e foi professora de língua e literatura italianas e de literatura hispano-americana. Publicou, entre outros, os livros: Cerco da Primavera (1957), Explicação de Narciso (1960), A Suave Pantera(1962), A Vida Natural e O Sangue na Veia (1967), Contato e Invocação de Orpheu (1975), O Mar de Permeio(1998) e Uma vez, sempre (2000). MINHA FELICIDADE VEM DE QUANDO ESTOU SÓ Minha felicidade vem de quando estou só e ninguém me interrompe no poema, essa espécie de transfusão do sangue para a palavra, sem qualquer estratagema. A palavra é meu rito, minha forma de celebrar, investir, reivindicar: a palavra é a minha verdade, minha pena exposta sem humilhação à leitura do outro, hypocrite lecteur, mon semblable.
RETRATO Deixei em vagos espelhos a face múltipla e vária, mas a que ninguém conhece essa é a face necessária.
Escuto quando me falam, de alma longe e rosto liso, e os lábios vão sustentando indiferente sorriso.
A força heróica do sonho me empurra a distantes mares, e estou sempre navegando por caminhos singulares.
Inquiri o mundo, as nuvens o que existe e não existe, mas, por detrás das mudanças, permaneço a mesma, e triste.
O SANGUE NA VEIA XXV Escrevo; logo, sinto, logo, vivo, e tiro-lhe ao viver a indisciplina que o espraiaria, que o dispersaria, e dou-lhe a minha forma comedida, a que tem o tamanho de um amor que eu guardo, que não gasto, não disperso; amor que se concentra em dura pérola, não pétala, não isto que é um excesso, pois que pode voar; o que me fica de tudo o que acontece e não se altera, de tudo o que acontece e me escraviza, e do que escravizando me liberta. Escrevo; logo, sou quem se domina, e quem avança numa descoberta.
XXII Eu caio em ti como uma bruta pedra na água, no amor não me dissolvo, o amor não me absolve, estou (quem nos governa, quem nos arrasta à guerra ou ao repouso) colada a quê, um copo sobre a mesa, menos que o copo, o fundo desse copo, e, não obstante, para sempre presa, pois o que basta é tudo o que não posso, pois o que basta é tudo o que me exige uma violentação do que, por dentro, é o meu mundo, essa coisa indefinível e tão concreta, mas que não conheço, e às vezes temo que me paralise. Viver é submeter-se, eu me submeto.
LIRIA PORTO (1945), poeta mineira, professora, participa de vários sites e revistas como Germina Literatura, Escritoras Suicidas, Cronópios, Blocos on line. Publicou Borboletas Desfolhadas, editado em Portugal (2009). Edita o blogue Tanto Mar e escreve no Putas Resolutas. TEATRAL vestida de renda tirana me ronda eu não me rendo
finjo-me estátua ela passa e desatenta carrega outro
fim do primeiro ato
ROMANCE há que haver algum frisson susto arrepio pois ficar só por costume igual o poste da esquina é muito triste
vai amor melhor assim procura um olho d’água uma fagulha um rastilho algo que te arrebate
devolve-te à vertigem
AOS BONZINHOS não sou como o sândalo não perfumo o machado que me fere faço escândalo e o machado que se ferre
DISPARIDADES um furacão entre as pernas no coração a nevasca – o sexo no equador a alma lá no alasca SONIA SALES (1951) poeta carioca, é formada em psicologia e arte. Fez cursos de extensão em Londres, Munique e Bruxelas. Já foi premiada algumas vezes e estreou em 1996 com A Chama Breve. Outros livros de poemas: Ouvindo o Silêncio (1998); Da Rússia com Amor (2003); Dedos da Morte (2006); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2007) e Sol Desativado (2009) MAIS UMA VEZ Amor na casualidade do texto, como o cristal craquelado não extingue a letra trêmula o pranto desalentado. Nas muitas camadas do vidro colocaram o ciúme como cor, cortado pelo meio com lâminas de sangue. Mas o remédio não tinha bula e sem saber o conteúdo bebemos todo o restante.
Esquecendo o cansaço começamos outra vez.
NO ELEVADOR Neon em reflexo de estrelas. Cristal em céu costurado de espelhos. Um quadrado maior que o Universo.
O elevador parou entre o quinto e o sexto andares sem computador, nem ampulhetas. Num instante, centenas, milhares de anos. O espaço cósmico em branco. Um homem, uma mulher, como no início do início.
ARRITMADO CORAÇÃO Um anel de filigrana tão fino que flutuasse em volta de si mesmo como uma nuvem de pétalas. Um silêncio tão deserto que num grande palco destilasse sonhos. Linhas esticadas, exaustas de tensão mantendo a Vida e a Terra.
Tudo é o Nada, o indizível. Arritmado, só o coração.
ÚLTIMA VONTADE “Enquanto eu estiver viva, faça-me a única vontade, deixa-me ouvir minhas músicas preferidas, no meu canto solitário, minhas margaridas repousantes, tão amigas, e as violetas em festa. O meu cavalete encoberto de poeira e saudades, deixem ao meu lado, terei tempo e ainda sobra de fazer mais um quadro, réplica de mim mesma, alegre e sempre viva, de esperanças e anseios, escondendo o que ficar feio, num sentimento de entrega de uma alma ainda alerta. Mesmo que o meu corpo esteja gasto e não mais responda às suas mãos, faça-me a vontade, a última, beija-me então.”
Publicado por Rubens Jardim em 07/10/2013 às 20h57
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