27/12/2013 18h29
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (43ª POSTAGEM)
LILA RIPOLL (1905-1967) poeta gaúcha, foi pianista, professora e presença de destaque na literatura sul-riograndense. Miltante política, participou da frente intectual do Partido Comunista, em 1935. Conquistou prêmios importantes : Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, pelo livro de poemas Céu vazio(1941), e o Pablo Neruda, por Novos Poemas(1951). Publicou quase dez livros de poemas--e depois do golpe de 64, foi presa. VIM AO MUNDO EM AGOSTO Sou triste de nascença e sem remédio. Sou triste. É irremediável este mal. Sou triste de nascença. É mal sem cura. POEMA VI Hoje pensar me dói como ferida. O próprio poema não é poema. Tem qualquer coisa de trágico. De pétalas descidas. De véu cobrindo o retrato de um morto. Hoje pensar me dói como ferida. Mas é uma imposição - pensar. Não quero estado de graça, nem aceito determinismo. Só a morte é irreversível. A opressão do azul aumenta meu conflito, e é cruel escutar as razões da razão. Quisera repartir-me no cristal da manhã. Ser um pouco daquela rosa tocada de irrealidade; da tênue luz ferindo o espelho do rio; daquela estátua pudica que parece ter ressuscitado a inocência. Mas em vez disso, aqui estou: queimada em pensamentos, quebrados os instrumentos do sonho. GRITO (1961) Não, não irei sem grito. Minha voz nesse dia subirá. E eu me erguerei também. Solitária. Definida. As portas adormecidas abrirão passagem para o mundo Meus sonhos, meus fantasmas, meus exércitos derrotados, sacudirão o silêncio de convenção e as máscaras de piedade compungida. Dispensarei as rosas, as violetas, os absurdos véus sobre meu rosto. Serei eu mesma. Estarei inteira sobre a mesa. As mãos vazias e crispadas, os olhos acordados, a boca vincada de amargor. Não. Não irei sem grito. Abram as portas adormecidas, levantem as cortinas, abaixem as vozes e as máscaras — que eu vou sair inteira. Eu mesma. Solitária. Definida. RETRATO Chego junto do espelho. Olho meu rosto. Retrato de uma moça sem beleza. Dois grandes olhos tristes como agosto, olhando para tudo com tristeza! Pequeno rosto oval. Lábios fechados para não revelar o meu segredo... Os cabelos mostrando, sem cuidados, Uns fios brancos que chegaram cedo. A longa testa aberta, pensativa. No meio um traço, leve, vertical, indicando uma idéia muito viva e os sérios pensamentos: — o meu mal!... O corpo bem magrinho e pequenino. — Sete palmos de altura, com certeza. — Tamanho de qualquer guri menino que a idade, a gente fica na incerteza! E nada mais. A alma? Ninguém vê. O coração? Coitado! está bem doente. Não ama. Não odeia. Já não crê... E a tudo vive alheio, indiferente!... Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho. O espelho é meu amigo. Nunca mente. No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho. E sabe desde quando estou descrente!... MARIA DA PAZ RIBEIRO DANTAS(1940-2011) poeta paraibana, viveu no Recife desde 1963. Foi mestre em teoria da literatura pela Universidade Federal de Pernambuco. É autora dos livros de poemas: Sol de Fresta, (1979), menção honrosa especial no Prêmio Fernando Chinaglia, da UBE do Rio e Ilusão em pedra, (1981). Participou de várias antologias de poesia. Editava e mantinha o site www.joaquimcardozo.com. LITURGIA Com tuas longas vestes verdes te inclinas sobre o sangue das uvas. O céu e a terra tremem e o vinho reflete o abismo de Deus. Com tuas longas vestes verdes artesão da manhã solenemente ergues o Sol. O CAPIBARIBE NO RECIFE Nada mais doméstico do que esse boi manso pastando a si mesmo sob a canga das pontes. EDIFÍCIO DA SUDENE Na beira mar da seca o monumento às ondas. EQUILÍBRIO FLUENTE A ilya Prigogine Escalando a serra nevada ou o monte roraima em minhas retinas estou hoje a um certo dia de maio no topo 2000 da montanha do século. Um não-sei-quê me amanhece para o teu abraço e descubro que não mais me tentam vícios de estrutura. Um corpo leve (o meu) me atrai me leva no rumo de um equilíbrio fluente. Viajar me importa. Quero meu desejo além da gravidade Reconhecer-te no abismo das quedas que não chegam ao fundo. E no enquanto de abraço ou ar que nos enlaça eu te sonho tu me sonhas de modo tão descontínuo e livre que nos sorrimos compreendidos sem medo de colisão no escuro ou na sala civil dos sistemas fechados. HILMA RANAURO(1945) poeta carioca e doutora em letras, é também ensaísta, professora da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Filologia. Participou de diversas antologias, (Antologia da Nova Poesia Brasileira,1982, e A Poesia Fluminense no Século XX ,1998).Obra poética: Descompasso (1985) e Um Murro no Espelho Baço(1992). E me cobraste o fogo-fátuo feito milagre. Mas eu era Eva no pecado mortal do medo. DESCOMPASSO Me querem mãe e me querem fêmea, me querem líder e me fazem submissa, me fazem omissa e me cobram participação, me impedem de ir e me cobram a busca, me prendem nas prendas do lar e me cobram conscientização, me tolhem os movimentos e me querem ágil, me castram os desejos e me querem em cio, me inibem o canto e me querem música, me apertam o cinto e me cobram liberalidade.
Me impõem modelos gestos atitudes e comportamentos.
E me querem única.
Me castram podam falam e decidem por mim.
E me querem plena.... DECISÃO Faço versos como quem empunha uma arma mas também como quem brinca e ri e goza e ama.
Meus versos são dardos com que a fêmea, ferina, se livra de condicionamentos impostos; são denúncia de mulher que se bate pela causa suprema de ser e lutar. São meus versos espada que empunho no ataque e na luta por tudo em que creio; são orgasmo e gemido do sexo que, livre, se molha e se mela no desejo e na entrega. São meus passos que oscilam no ir ou não ir, são o choro do riso na mudez do meu grito, são verso e reverso, o avesso do pano de fundo de mim, e o sim do não que é medo. São enchente e vazante, timidez e desplante, faxina geral e poeira sob o tapete. O lirismo do afago, a ternura do aceno, o furor da revolta, o fremir do desejo, são meus versos - veias pulsando na zanga da briga e no canto da paz, disjuntores que ligam e desligam nos curto-circuitos de mim. CENA ABERTA Coloque-se na palma da mão, espalme-se, entorne-se, esparrame-se.
Chafarize-se de pingos seus, chova um pouco de você.
Lance em olhar ao redor, ponha-se pronto, pendure-se, despenque-se.
Veja-se desvendado, devassado e público.
Pronto, dane-se o mundo.
Ponha-se na boca da cena, cara limpa, grito pleno. Seja-se, sem máscaras. CERES MARYLISE REBOUÇAS DE SOUZA (1946) poeta baiana, é pedagoga e professora especializada em alfabetização. Doutora em linguística pela Universidade de Quebec, tem vasta experiência na cátedra universitária, tendo ocupado também importantes cargos na Universidade Estadual da Bahia Já participou de algumas antologias, mas ainda não teve livro de poemas publicado. Faz parte da Academia de Letras de Itabuna. Recentemente foi agraciada com o troféu Cecília Meireles. Não sou mais nem menos; sou apenas corpo que levanta vôo, e às vezes cai sob o mesmo céu que abriga a todos. À MULHER Porque és mais que a beleza, muito mais que um corpo. Porque és mais que um ventre para o filho e muito mais que a ilusão de um homem. Porque tuas mãos são alento, bênção e sensatez. Porque há paz nas tuas palavras quando rompes com tua essência, o estigma de fetiche. Porque és nobre, imensurável, e amamentas com a força dos teus seios e de tua luz, a história humana. CHEGO AOS SESSENTA ANOS (fragmento) … O tempo nunca é generoso, sempre marca na pele e nas entranhas, guardando o eco dos prantos, dos risos transbordados, e já não têm sabor de derrota ou de vitória. Minhas histórias, estas nunca se apagarão, porque estão gravadas no coração: suas cores nunca poderão ser mudadas. O tempo não faz com que as dores doam menos; apenas nos acostumamos a viver com elas. Minha memória baila desenhando lembranças, mas chora quando as esculpe naquele abraço forte que sempre me fez falta. Ando entre o mergulho e o vôo, entre a incerteza e o medo da certeza. A esta altura da vida desejo muito pouco: só quero um templo de colunas largas para amar a todos e poder abraçá-los em todas as geografias, em todas as raças, em todos os idiomas. REENCONTRO Não mandem calar minha saudade agora,
Publicado por Rubens Jardim em 27/12/2013 às 18h29
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