09/09/2016 01h04
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (80ª POSTAGEM)
ANA GUADALUPE (1985) poeta paranaense, já foi professora de inglês, fez tradução e estágio em biblioteca pública. Atualmente trabalha como redatora de conteúdo para internet, em São Paulo. Publicou os livros O relógio de pulso (2011) e Não conheço ninguém que não seja artista(2015). VUPT só leu um livro na vida que falava sobre o vento com voz fina
se lhe escrevo um verso e leio em voz alta não vê graça
não sabe ouvir pausas como as minhas nossas idas e voltas
agora não adivinha que carrego um poema pra entregar antes que vá embora junto com a ventania MAPA DO TESOURO menino vestido de pirata eu sei que os carnavais têm sua graça
por isso eu respiro engraçado
quanto te vejo sinto meus braços
acenando para navios parados VOCÊ NAS ALTURAS você nas alturas no prédio mais antigo da cidade onde o vento deve te incomodar à noite e onde eu só entro com documentos você no alto de uma torre da idade média sob a proteção de um exército que não me quer por perto por mais de meia hora você voando pela plataforma bidimensional da minha vida acumulando anéis de presente pra outras companhias usando códigos pra chegar sem arranhões ao final você no podium de um campeonato esportivo que desconheço na lua que é uma imagem difícil pra um poema numa foto escondida na estante da sala nos sambaquis da praia na parte de cima do beliche num cipó sobre nossas cabeças no barco viking enquanto te fotografo apertando botões e puxando cordas todos os dias nas alturas e eu te chamando pra descer um pouco na quarta-feira GUERRA tique nervoso à espera de alguém que venha
beber água desabotoar as calças jogar bola
atirar no macio arrancar os músculos acumular fôlego
pra sufocar com o próprio peso o peso do outro:
uma bigorna um piano um travesseiro. LUCIANA QUEIROZ (1976) poeta paraibana, é mestre em letras e professora de literatura brasileira. Militante feminista, luta cotidianamente pelos direitos de todas as mulheres e acredita que o mundo só será melhor quando mulheres e meninas forem livres. Desde os 30 anos é mãe e Nua sob Escamas (2016) é o seu primeiro livro. PEDRA Sou pedra E de rocha é feita toda a minha alma de mulher. Reclino-me no chão do sertão quente E lá fico Parada À mercê de chuva e vento Porque deles se faz minha erosão voluntária. Me desgasto, me esfarelo E cada partícula de areia que sai de mim Compõe o mundo inteiro Sofro, me dilacero Mas sei que só assim faço parte de tudo isso. A cada chuva, A cada ventania, A cada casal que pinta de branco seus nomes de amor em mim, Me faz mais pedra Me faz mais rocha, Pois sei que a cada erosão Me lapido mais É de natureza minha alma polida E cada vez que mais redonda fico Mais me faço eu, Mais me faço mulher, redonda e minha VOLTA Largas de vaidades já sei tudo de tua vida: que tens outras e que não queres ser de ninguém. Teu trânsito de corpo em corpo não me atrapalha a alma. Quero você, seus significados, sua conotação escancarada em minha língua. CACO DE VIDRO És caco de vidro Lâmina afiada que nenhum amolador Imola em pedra Ponta quebradiça Que fere e inflama Mulher de requebrado incerto Virulenta peste de minha vigília diurna À POESIA Poesia é minh’alma espichada no varal em dia de sol. Letra por letra salgada à pinça, pinga a salmoura dos dias depois da retirada de cada fatia. Viva e contumaz, teima em me fazer paladar. MÁRCIA PFLEGER (19 )poeta paranaense, é jornalista e escritora. Publicou seu primeiro livro de poemas, Caneca de Café com Versos, no ano passado, pela Editora 7Letras. É autora dos blogs Unha que risca a lousa (poemas) e Prosálias in vitro (prosa poética). Vive em Curitiba. MOÇA DO BRINCO DE PÉROLA talvez eu brinque de você com suave ironia e um cachecol no pescoço
deixe você ficar no sofá com um violão vira-latas desde que não roa meus sapatos
aqui é tudo apertado, quarto conjugado, quisera loft numa garagem velha
não tenho paisagem marítima da janela mas a gente pode ver a lua afundando num aquário DESÍGNIO E a Mão que me desenhou um dia, entregou-me o lápis para que escrevesse minha história antes que minha própria mão tombasse fria...
Mas, o que sei eu desse desígnio? se não rabiscar, com torta caligrafia, um diário, por vezes, inverossímil...
Por isso, com humildade Te peço, como se voltasse a ser menina: Senhor, não consigo sozinha... Segura a minha mão e me ensina. POR UMA MEGERA INDOMADA algo de mistério – pra não dizer sacana, nisso tudo. – sua poesia não veio? – indaga o anfitrião en garde com a piteira. – está indisposta hoje – respondo com falsa galhofa no baile de máscaras. mordeu uma fruta marrenta sorveu a água de todas as palavras deixou-as secas ao lado de pernilongos mortos. por isso não veio. por isso retirou-se da penteadeira despiu-se no escuro deu manhas de frígida quando tentei apalpar seus seios às cegas. mesmo em horas mais ditosas é uma vagaba que nunca se entrega por inteiro. (trago rosas e doçuras que tanto aprecia) há sempre incompletude no abraço da poesia. sou amante de uma vênus de milo... não é possível um asfalto mais áspero do que este silêncio onde caio de joelhos. CONTRARIANDO Contrariando a regra Não corro atrás do que destino nega Mas lanço-me na onda que o mar me entrega
Contrariando o estatuto Prefiro o amor próprio ou o respeito mútuo à puxação de saco que ceva o mau fruto
Contrariando a expectativa Vês? Pra teu governo eu continuo altiva Apesar do veneno da tua saliva
Contrariando o estilo Minha alma, de sementes é um silo Por isso escrevo de forma vária Contrariando Quem me chamou de pária LUCILA DE JESUS(19 ) poeta paulistana, é psicóloga com mestrado em Saúde Pública pela USP. É membro Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae e do subnúcleo Psicologia e Povos Indígenas do Núcleo Terra, Raça e Etnia do Conselho Regional de Psicologia/SP. Publicou o livro de poemas para atravessar(2012) HILÉTICA Tudo o que sei sei sem saber.
Não aprendi, só encontrei.
É que nasci com os tendões hiperextendidos. PARADÍLIA (para adília lopes)
Perdi o sono depois que encontrei Adília.
Adília Adília ficou batendo dentro.
Porque também sou feia e louca e ninguém me quer casar.
Adilha e Lucilha
rimam em arquipélago, isolado inacessível e triste. CONTORNO Tocar a coisa dói. Toda vez que conto um segredo perco a pele. É terrível. As veias ficam expostas a qualquer contato mais bruto vazam, transbordam.
Nessa hora é urgente um abraço. O corpo do outro recolhe o derramamento coloca tudo no lugar e milagre, faz a pele regenerar.
Mas tem que ser em silêncio. É DO BURACO QUE NASCE O CORAÇÃO para juliano pessanha A palavra também tem braço.
Pega no colo, faz cafuné e põe pra dormir .
Publicado por Rubens Jardim em 09/09/2016 às 01h04
|