Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
09/11/2016 13h16
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (83ª POSTAGEM)

ANA NEUSTEIN (1943) poeta mineira, cursou filosofia na PUC, em São Paulo, cidade onde vive há muitas décadas. Filha do poeta Dantas Motta, conviveu no meio intelectual, escreveu e guardou seus escritos por quase 50 anos. Só recentemente, seguindo sugestão de amigos, resolveu divulgar os seus escritos guardados. Eles foram selecionados e reunidos no livro Poemas(2012).

ESPERANÇA

A esperança é tirana

Anda mal acompanhada

Passeia com doenças e infortúnios

Proíbe-nos de olhar o irreversível

Adia os finais

É brasa encoberta

Cega suas vítimas

É agente dupla

Conhece técnicas de tortura

Enfeita as dores

Esconde a morte

Promete o impossível

Mas... é vital como o Ar

É verde

Esmeralda bruta e bela.

VISITA

Diga que sou bem-vinda e me ofereça um café

Quando a colher girar na xícara

Ela se transformará numa caixinha de música

E a colher numa bailarina.

NOITE

A noite é casada

Junção de fora com o dentro

Do anjo e do demônio

A noite tem seus sons e seus habitantes

Estalidos, miados,passos e mistérios

Está eternamente grávida

E eternamente dando à luz

A realidades sem nomes

Que vivem perto do amanhecer.

PERDA

Você sabe?

É claro que você sabe

Toda perda é como um caroço de abacate.

Não passa na garganta.

Só resta colocá-los na água

Pra ver se brota.

FLÁVIA PEREZ (1968) poeta carioca, é formada em biologia, com mestrado em Microbiologia Agrícola. Vive em Campinas.Participou de várias antologias (Bar do Escritor Terceira Dose, Quinta Barnasiana, En la Otra Orilla del Silencio (Mexico, 2011), Vide-Verso. E publicou os livros Leoa ou Gazela, Todo Dia é Dia Dela(2009), Poesia se Escreve com T(2011) e AntropoFlágica.

modos

Na mesa e no meio das gentes,
ele é meu cavalheiro.

Puxa a cadeira pra eu sentar,
enche meu copo de vinho
(só até o meio),
abre a porta pra eu passar primeiro,
ajoelha, num rasgamento
beija-me de leve a mãos,
e pede-me em casamento
(finjo que penso, mas depois aceito).

Nem preciso pedir:
“Poupe-me e me comporte,
comporte-se conforme os preceitos
da princesa e seu consorte”,
pois na frente de todos,
me canoniza,

e abotoa até o último botão da camisa.

Mas depois,
sozinhos na cama
meu bem me sodomiza.

DROGA

Essa paz de mãos dadas

passeando na calçada

que você espera,

também quero.

 

Quando for velha!

 

Por ora

dê-me o prometido

pirâmides, xamãs,

chamas,

viagens de hipogrifos.

 

Indisciplina,

dê-me agora

que seu verbo absinto em mim

arrepia

e me desnorteia.

 

Quero você

latejando

no meu pulso,

injetado na veia.

 

Dê-me logo essa droga de você!

RHODES

Ele é enorme

e aperta o corpo

-pedra-

contra o meu.

E me machuca.

Ele abre o zíper

e esse Colosso

de pé

na entrada da cidade

assusta um pouco.

Mas eu avanço.

É que o gigante

fala coisas

no diminutivo

(- bucetinha, bucetinha, bucetinha...)

em meu ouvido.

Então me rendo.

-Acho

que não sou boa

da cabeça-

ESPECIARIA

À espera submarina

do peixe-dos-terremotos,

ela sonha seus versos toscos:

 

alegorias escondidas

em margaridas sulferinas

e antigos signos mortos.

 

Lá no fundo do barco,

nos porões do que foi,

estão seus olhos de ontem.

 

Esses velhos marinheiros

repetem o fog sob os cílios.

 

Incrustados,

não reconhecem cenário,

pátria, ilha ou parada,

nem quando veem os filhos.

 

Com lentidão de sereia,

a mulher que desveste o espelho

à boca soma acalantos.

 

E guarda que nela se afoguem

outros lábios vermelhos,

inchados

de tanto prazer e pranto.

 

AUREOLADA

Eu tão anjo tenho andado

que em mim nasceram asas.

 

O que me perde pro céu

é esse meu grande

rabo

endemoniado

e minhas coxas grossas...

 

NÃO CULPEM NELSON

Eu sou um INA 38

na sua gaveta

embrulhado em lingerie

de renda preta.

 

Sou puro sangue e desatino:

Nelson Rodigues

filmado por Tarantino.

CYELLE CARMEM (1978) poeta paraibana, formou-se em Letras em 2003 e concluiu o mestrado em Literatura e. Cultura pela Universidade Federal da Paraíba em 2006. Lecionou lingua portuguesa em cursinhos preparatórios para concursos e trabalha, atualmente, como editora de uma revista acadêmica. Publicou Luzes de Labirinto(2010) e (Uni)verso (2012)

DO SENTIDO

O que sinto não precisa de permissão

Não precisa de casa

Não preciso de sopro ao ouvido.

 

O que sinto vive do ar da brisa distante.

Vive de um retrato antigo

Vive de uma palavra gasta.

 

O que sinto não precisa de estrada

Seu atalho foi coberto pela mata

Seu riacho há tempos está extinto.

 

Não precisa de papel contrato

Não precisa de luzes acesas.

Sobrevive do silêncio do escuro

Da grade trancada a sete chaves.

 

O que sinto não precisa de autorização

Sobrevive sem um pedaço de pão.

 

O que sinto não precisa de vida ou de morte

Existe por si mesmo

E escolhe o seu próprio norte.

A EVA

Castigada pelo pecado de Eva

meu coração segue

rasgado pela costela emprestada.

Nasci marcada pela mordida venenosa

levando nas costas

e no peito a letra escarlate

da culpa,

da traição

e do julgamento alheio.

 

Lembrança de um paraíso perdido

minha sina é

ser perdição dos desesperados

e a salvação dos escolhidos.

 

Nasci de um engano das escrituras

manipulação do Hades

idealização de Zeus

falha de planejamento:

o homem será para sempre

cobrado pela costela

roubada.

CARNE

Não sou verdadeira comigo mesma

Deturpo os indícios

Saboto os ofícios

Falsifico os compromissos.

 

A carne dessa dor

da profundeza da alma

não lateja

apenas apodrece, contamina

o que há de bom.

 

Essa carne é mordida de dentes

sacola de restos

esquecida num canto da sala.

 

Mas à noite

ela cheira

às vezes é aroma temperado de comida fresca

outras é fedor de lama de feira

onde não se sabe o que é

do lixo

ou da mesa.

TRÊS LINHAS DE INFINITO

Ser breve

apesar da imensidão

Ser rápida

apesar da extensão

Prolixo

já não cabe.

Há de ter conteúdo

em três linhas de infinito.

MEL DUARTE(1988) poeta paulistana, foi uma das atrações mais provocadoras do sarau que marcou a abertura da festa literária de Paraty, cujo vídeo viralizado foi compartilhado milhares de vezes. Faz parte do coletivo Poetas Ambulantes e é uma das organizadoras do Slam das Minas-SP, batalha de poesia para o gênero feminino . Já publicou dois livros de poemas:Fragmentos Dispersos(2013) e Negra Nua Crua (2016).

Verdade seja dita

Você que não mova sua pica pra impor respeito a mim.

Seu discurso machista, machuca

E a cada palavra falha

Corta minhas iguais como navalha

NINGUÉM MERECE SER ESTUPRADA!

Violada, violentada

Seja pelo abuso da farda

Ou por trás de uma muralha

Minha vagina não é lixão

Pra dispensar as tuas tralhas

 

Canalha!

 

Tanta gente alienada

Que reproduz seu discurso vazio

E não adianta dizer que é só no Brasil

Em todos os lugares do mundo,

Mulheres sofrem com seres sujos

Que utilizam da força quando não só, até em grupos!

Praticando sessões de estupros que ficam sem justiça.

 

Carniça!

Os teus restos nem pros urubus  jogaria

Pq animal é bicho sensível,

E é capaz de dar reboliço num estômago já acostumado com tanto lixo

 

Até quando teremos que suportar?

Mãos querendo nos apalpar?

Olha bem pra mim? Pareço uma fruta?

Onde na minha cara tá estampado: Me chupa?!

Se seu músculo enrijece quando digo NÃO pra você

Que vá procurar outro lugar onde o possa meter

 

Filhos dessa pátria ,

Mãe gentil?

Enquanto ainda existirem Bolsonaros

Eu continuo afirmando:

Sou filha da luta, da puta

A mesma que aduba esse solo fértil

A mesma que te pariu!

PRECIOSO

Ele me quebra quando a fala sobra,

quando o peito transborda e deixa a palavra vir à tona.

 

Na falta de flores e risos diurnos

sobraram lembranças de afagos noturnos.

 

Estimulo, confesso- Criei um muso!

 

Não é seu… Nem meu

Mas de quem souber fazer bom uso.

 

Gente que guarda dentro de si tanta beleza

Sabe o jeito de nos invadir assim... Com sutileza.

PAZ

Necessitava de um simples agrado,

Mal não faria em dizer Obrigado

Difícil é viver sempre no passado,

E se houvesse mais cordialidade, no meio dessa guerra de egos ninguém sairia machucado.

NOTURNA

Tua marca, fincada na minha carne nua.

Teu desejo exposto numa face crua.

Meu corpo, entregue a sorte tua.

Num quarto baixo, num foco de luz, numa madrugada escura...

 


Publicado por Rubens Jardim em 09/11/2016 às 13h16

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