25/03/2017 17h15
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (89ª POSTAGEM)
MARIAJOSÉ DE CARVALHO( 1919-1995) poeta paulistana, foi atriz, diretora, cantora, pianista, professora de dicção e tradutora de clássicos. Deu aulas na Escola de Arte Dramática(EAD), envolveu-se em movimentos de renovação cultural. Alguns livros de sua lavra poética: Poemas da noite amarga (1950), Aurum et Niger (1966 ), Neomenia (1968), Lunalunarium (1976). que ânsia imemorial atrai os corpos de ambarina e amavios impregnados ossos tendões e carne e sangue nervos? que impacto os enlouquece tange anula? que plectro ou lançadeira ou sábia lâmina? e exangues ao cansaço os abandona? phallus vulva os seios mãos e boca e a pele esse tecido permeável são instrumentos de urdir tecer e a estrutura imantada aniquilada é deliquo amplo voo queda a pique num abismo do fogo gelo e nada
VIII do sardo mar por águas lavrado em sal conservado dentre jóias moedas armas de submerso acervo a mim vieste aro de bronze a mim viúva e nesta herança de remoto pacto em meu dedo estás arcaica aliança O INICIADO que nome te dar
na faca e no gume na lima e no lume na lama dos limos na lança no laço na trança no traço na trama dos limbos
que névoa te envolve e densa turva teu sacro perfil se destravando a treva emerso a iluminaste e na dança do templo que o corpo enlaça a pupila embaça o passo trava e o sangue desata em salva de prata contido o lábio na doce taça
que nome te dar
que medo te impele que tolhida asa o vôo te impede que secreta chaga de ferida pluma te enluta o âmago
e que maga imagem te dispara a seta que o peito afeta em bruma e arfagem ó iniciado
que êxtase nos espera que ardente dardo através da estirpe de transe e treva a dor extirpa o ir é nosso rio ao bramir do touro o ouro de teu corpo ao sol o manso bezerro o túrgido úbere a plúmbea ave o fruto maduro lança e raiz o chão e o sal tua urdidura são ao sol posto evocamos a chaga que a taça embaça e o violáceo laço de obscura trama nesta agosto deposto nos envolve o rosto a palavra o chá TRILOGIA DAS AMOROSAS I Sóror Mariana de Alcoforado que mão ardilosa tece o rumo das amorosas ardendo em paixão constante vorazes em seu anseio verazes no seu amar tenazes em sua sina que frágil tecido o seu que as torna tão vulneráveis que sólida trama a sua que as faz tão impenetráveis que estranha sua urdidura que armadilha suas entranhas e a violenta mordedura das presas do seu veneno que rara essência as perfuma que licor denso ou que vinho corre em suas veia e artérias que pátera ou que cratera as embriaga e afoga que cimento ou que argamassa constrói a sua ossatura que flava flama ou que rio as consome ou as arrasta que sede e que fome atroz alimentam sua busca que nem torres e muralhas afugentam seu assédio e as vias mais tortuosas as sendas mais pedregosas não intimidam seus passos e a noite mais tenebrosa incita a sua coragem que misteriosa estrutura sustenta a sua conduta o fio do seu novelo a linha de sua estirpe que ígneo astro as habita que negro sol as concita que maciez pisa fino em sua pata felina que aço mais temperado em sua fala ferina vem de longe a sua linhagem em viagem ininterrupta e mesmo partido o leme rotos cordoalha e velame prosseguem em seu caminho ADELAIDE IVÁNOVA(1982) poeta pernambucana, é jornalista, fotógrafa e vive e trabalha entre Colônia e Berlim, na Alemanha. Lançou os livros Autotomia (fotografia), Polaróides (2014) e O Martelo(2016). Tem trabalhos fotográficos publicados por diversas revistas internacionais. GAIA CIÊNCIA é proibido cuspir no prato
é proibido dormir no asfalto
é proibido trepar no mato
é permitido açoitar as massas
é permitido erigir as farsas
é permitido morrer às traças (paremos, portanto, de fingir que Nietzsche estava errado quando enlouqueceu às portas de explicar esse caralho) A PORCA a escrivã é uma pessoa e está curiosa como são curiosas as pessoas pergunta-me por que bebi tanto não respondi mas sei que a gente bebe pra morrer sem ter que morrer muito pergunta-me por que não gritei já que não estava amordaçada não respondi mas sei que já se nasce com a mordaça a escrivã de camisa branca engomada é excelente funcionária e datilógrafa me lembra muito uma música um animal não lembro qual. O CAVALO “I look at you and I would rather look at you than all the portraits in the world except possibly for the Polish Rider” Frank O’Hara menino há dias tento desenrolar esse fio esse laço desatar essa corda do meu pescoço e escrever essas mal domadas linhas ofertá-las a ti menino e potro surgido nesta estepe sem ferradura e assilvestrado tirando os cowboys da sela e do sério: tu menino poeta cavalo
e eu repetitiva nos poemas obcecada na vida me embaralho feito cego em faroeste ofereço-te meu açúcar meus torrões mais pra pangaré ou mula que pra égua e relincho, amolestada e paleolítica, ao sacudir do teu galope e ao balanço da tua crina
em repouso do topo da tua cabeça à minha há um côvado de distância já em galope gallardo é inútil a antropometria pois da tua glande a meu chanfro de equina não há côvado que nos meça yoctômetros talvez aquela medida imaginária que nunca foi usada pois mede lonjuras que não existem de tão mínimas
escrever um poema pra ti é domar um mustang de santuário quando pra mim santo és tu menino vishnu que me batizas de aminoácidos, precário e matutino, potro poeta e menino a quem dedico horas de trabalhos não-forçados: pousar a fuça exausta em tua soldra, levemente triste
de não poder ver tua cara enquanto gozas na minha para depois admirar tuas quartelas bordo e casco, tuas estrias no lombo de potro bem alimentado crescido mais rápido que o previsto. pulaste as cercas do estábulo para chegar, poeta e cavalo, nestas paragens onde me encontras pronta de sela, esporas postas
para mais uma doma nesta sodoma aos avessos sem cabresto nem gamarra deito-me devota em teu garrote de puro-sangue belga e muda diante dos músculos do teu costado aguardo bridão e tala e entendo o poema alemão que diz: toda a sorte que há no mundo vem no lombo de um cavalo. PARA LAURA em 1998 quando encontraram o corpo gay de matthew shepard sua cara tinha sangue por todo lado menos duas listras perpendiculares que era por onde suas lágrimas haviam escorrido naquele dia o ciclista que o encontrou não ligou para polícia logo que o viu porque o corpo de matthew estava tão deformado que o ciclista achou ter visto um espantalho
sábado passado em são paulo a polícia matou laura não sem antes torturá-la laura foi filmada ainda viva por outro sujeito que em vez de ajudá-la postou no youtube o vídeo d’uma laura desorientada e quem não estaria tendo sangue na boca e na parte de trás do vestido
laura tem um corpo e um nome que lhe pertencem laura de vermont presente! foi assassinada pela nossa indiferença e pela polícia brasileira tinha 18 anos sábado passado. JENYFFER NASCIMENTO (1984) poeta pernambucana, é feminista, produtora e apreciadora de arte, além de frequentadora de saraus da periferia da zona sul de São Paulo. Publicou poemas em duas antologias: Sarau do Binho, e Pretextos de Mulheres Negras. Seu primeiro trabalho autoral foi a obra poética Terra Fértil(2014). ANTÍTESE Pediram um corpo escultural Eu não tinha.
Quiseram uma mulher ignorante eu já tinha lido o suficiente pra me proteger.
Sugeriram que não opinasse em assuntos de homem Eu nunca consenti em calar.
Disseram que eu fosse esposa Eu não quis casar.
Discursaram que as mulheres são frágeis Eu não tive tempo de exercitar fragilidades.
Orientaram que não freqüentasse bares Eu não pude negar as esquinas.
Quiseram controlar meu jeito de vestir e falar Eu não vi sentido em deixar de seguir minhas vontades.
Apostaram que eu teria um subemprego Eu vislumbrei ir mais distante.
Transaram comigo e depois fingiram não me conhecer Eu aprendi a ignorar os imbecis.
Disseram que eu não amamentasse para o peito não cair Eu amamentei até cair.
Submeteram meu corpo e meu psicológico à violência Eu me juntei a outras como eu para superar.
Compraram vaidades para que eu me adequasse Eu envaideci aprendendo palavras de ordem na luta.
Exigiram fidelidade e submissão Eu rompi por amor próprio.
Cagaram mil e uma regras de conduta Eu mandei pra puta que pariu E sorri, feliz. DESENSINAMENTOS Estão a moldar nossos pensamentos, A roubar nossa autoestima.
Nos ensinaram um andar cabisbaixo. Corpos curvados encaram o chão Como se olhar o céu ou o front Não fosse algo permitido para negras Lavadeiras, cozinheiras, professoras, Balconistas, cabeleireiras e universitárias Como nós.
Nos ensinaram que somos feias. As capas de revistas não nos querem. Os garotos nas escolas não nos querem. Os cargos executivos não nos querem. Os maridos não nos querem. Reparem bem no que dizem. Está tudo assim desproporcional, Grande demais ou escuro demais. Pelo menos ajeitem esses cabelos.
Ensinaram a moldar nossos corpos, A tirar nossa expressividade.
Nos ensinaram coreografias pré-moldadas, Em que o balanço e a espontaneidade não cabem, E assim, pouco a pouco deixamos de dançar. Somos corpos reprimidos que pairam Por medo de errar a coreografia, De errar a medida, de errar… Corpos doentes. Corpos endurecidos. Corpos infelizes.
Estão a moldar nossos sentimentos, A negligenciar nosso sentir.
Nos ensinaram a ser fortes. Aguentar o sol forte queimando na cara Ao carregar a lata d´água na cabeça, A aceitar humilhação da patroa, A parir sem gritar ou gemer, A criar os filhos sozinhas. A esconder o choro de solidão, A não pedir ajuda a ninguém, A esquecer de si mesma.
Nos ensinaram a calar. A não dizer o que sentimos, nem o que pensamos. As coisas são como são e ponto. Tá entendido?! Na prática ninguém costuma mesmo Dar ouvidos a uma mulher, a uma negra. Que diferença faz o que você disser? Quantas vezes adiantou falar? Eles sempre dirão “Você só fica bonitinha assim, calada” Aprender a calar antes que te calem. (…) Então um dia Outras mulheres negras Das mesmas fileiras que nós Nos ensinaram que tudo que tínhamos aprendido Era uma grande farsa.
Foi quando aprendemos a lutar. DESPEDIDA É madrugada Ouço vozes, Num programa de TV As evidências denunciam Esse grampo colorido na penteadeira O leite estragado na geladeira Previa o gosto da despedida. A inevitável conversa acontece Com justificativas vãs que toda mulher Eu odeio frases feitas. Disfarço aquela inevitável vontade de chorar Até parece que o amor não deu. Engraçado, você é cheio de manias. Parece que é só no fim Eu vou sentir saudades Das conversas filosóficas Eu já tinha até escolhido O seu presente de Natal. Eu vou e deixo pra trás As incertezas das minhas poesias O começo se parece com o fim. Quando nos olhamos e Da porta pra fora. ................................................................................................... Quem me fode e me beija a boca às 5 da manhã Se tem coisa que odeio é esse bando de gente descolada Juro que não queria ser tão mal-agradecida Quem me come e me cospe às 6 da manhã Eu tô na merda e não é de hoje Mas eu é que não vou passar invisível Quem me domina e me chupa às 7 da manhã Sem um teco, uma raspa, um pico, uma baforada E os dias continuam a passar Muito além da Avenida Paulista com a Brigadeiro São Paulo metrópole arranha céu De luzes acesas Clandestina AMANDA VITAL (1995) poeta mineira, cursa letras na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte cidade onde reside desde 2017. Participa do grupo Aedos de declamação, apresentando-se em saraus, lançamentos de livros e outros eventos. “Lux” (2015) é seu livro de estreia, que conta com a apresentação de 3 importantes poetas: Lau Siqueira, Marcelo Adifa e Sérgio de Castro Pinto. não dá pra notar sou sem costura, ................................................. meu trevo tem três folhas meu olho grego está míope minha figa tem mão aberta
toda sorte desse mundo nunca é certa. ...................................................... à noite todos os homens são pardos todos os drinques são dardos e todos os bêbados são bardos. BRUXA MODERNA A bruxa moderna tem um gato preto entre as pernas
e uma estante cheia de poções literárias das mais ponderosas
pó de Beauvoir sementes de ruiz asas de liria porto
e magia negra de elisa Lucinda
ninguém a queima em fogueira alguma
ela é o próprio fogo da revolução
cozinhando versos -seus maiores feitiços- em um calderião
Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2017 às 17h15
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