10/04/2017 20h26
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (90ª POSTAGEM)
ZULMIRA RIBEIRO TAVARES(1930) poeta paulistana, estreou com o premiado Termos de Comparação(1974) livro onde mistura contos, ensaios e poemas. Publicou vários livros de ficção como O nome do bispo (1985), prêmio Mercedes-Benz de literatura, O mandril (1988) e Joias de família (1990), prêmio Jabuti de romance. Vesúvio(2011) é seu primeiro livro só de poemas. VIDA: OBJETO DE DESEJO Nós desejamos pinguins. Não os de geladeira com seu peso fixo de massa pintada sua estatuária de cozinha sem nenhum sopro de da Vinci.
Nós desejamos pinguins. Não os das geleiras que nos esfriam os dedos ao toque de suas penas firmes. Frios são os caminhos que a morte nos envia.
Desejamos os pinguins de nosso assombro fechados dentro de nós no desejo como pérolas nas ostras. Ostras não sabem das pérolas que engendram e trazem consigo. E nós que os formamos do escuro, deles só temos o rastro, pinguins, com seu brilho de nácar. LEITURAS Minhas leituras memoráveis são aquelas quando à noite cabeceio na leitura.
Diante do livro aberto eu persigo o friso das palavras que prosseguem pelo vão das pálpebras.
Há sentido,
que passa despercebido mas que me resguarda.
Pela manhã quando desperto desprezo o livro ao lado e observo no alto o teto liso.
O teto narra esplêndidas histórias na superfície branca de páginas não impressas.
Nelas acredito. CÉU Pelo cemitério. Menino nanico e os pais indo à frente. Ele — arrastando os passos, um pé mais o outro. Os mortos eram deles, pais, não os havia conhecido, nada lhes devia. A certo momento parou e pensou na excursão como plano fechado, para a hora. Subiria no túmulo mais baixo. Em mais um, e mais um acima. Os mortos seriam de outros, pisaria suas cabeças prensadas pela vida que lhes pesava por cima, fechadas no silêncio do escuro sob a pedra. De cada pedra fazer um degrau para o alto. No último túmulo aspirar fundo e dar o impulso escorado por algum braço de mármore, algum ângulo de cruz polida com arestas de navalha. Sem raspar o cimento com as pontas do calçado no impulso passaria em voo sobre o muro, tombando no terreno vizinho onde meninos livres e terríveis brincam sem trégua de tudo que lhes é proibido chutando bolas murchas e cacos de garrafa, dando os gritos agudos dos cantores e dos bichos no meio do terreno baldio do outro lado do muro. No centro do céu. PASSAROCO o nome esquecido da melancolia Quero me ir devagarinho como iria um passarinho.
Mas como iria um passarinho? Já vi passarinho morto. Passando a morto não vi.
Mas passarinho e vagarinho soam parelhos à vida que vai no compasso igual dos relógios tiquetaque que já não são deste mundo
e só fazem ruído por dentro naqueles que hoje morrendo vieram de tempos passados dos relógios com alarido.
Tenho pena de mim que não tenho penas de passarinho
que se soltam dos ninhos e com o vento formam redemoinho
erguendo uma ponte aérea entre a terra e o céu dos homens
onde só nascem árvores que nunca perdem as folhas.
Para elas queria ir chegando com ares de passarinho
levando bagagem pequena com certo acento de voo
e uma tristeza branda com a qual se forram nos ninhos
o travesseiro daqueles que a chamam melancolia
e eu diria passaroco. CLAUDIA MANZOLILLO(19 ) poeta carioca, escreve contos e ensaios. É mestre em literatura brasileira pela UFRJ e professora de língua e literatura do Colégio Pedro II. Publicou o livro de poemas A dona das palavras(2015). SINA Assim o mar se fez em mim concha, ostra, sereia, me navego e me transbordo. No começo de mim, era a água. Mar, córrego ou rio, é nela que me recolho e me refaço enfim. Navegar é sina de imigrantes. Eu me navego, imigrante de mim. ............................................................................... Disperso entre coisas e casos, o caos. Recolhidos os cacos, pedaços, refazem-se traços e passos. Restaurado o rosto, compostos sulcos e linhas, resgatada a palavra, anima mea, conduzo o corpo ao leito e dispo o que me pesa. Durmo com os anjos. AZUL REAL LAVÁVEL Para meu pai Como o sangue corria-lhe nas veias a tinta enchia-lhe as folhas caligrafia indelével pingava sobre o branco perfeita combinação nenhum traço nenhum senão. Me coloria os dias o conteúdo do pote nada detinha a letra no linho, no algodão floria a pétala azul nenhum borrão nenhuma mácula ardia. A pena corria leve sem rasuras rumo à folha coisa viva aquela tinta que lhe escorria das mãos. ESTOU DE RETIRO Estou de retiro de tudo que não vale a pena. Estou de retiro do que me aparta de mim mesma. Estou de retiro da inutilidade das coisas e do excesso de etiquetas. E eu retiro todas elas do meu saco. Joguei-as fora pedras palavras atos e atas inúteis cangalharias enfeitando enfeando a cara limpa. Estou de retiro e, nesse retiro, tiro e ponho coisas e gente no seu devido lugar. Eremita, vou lapidando o dentro. aprendendo silêncios. Quem sabe o menos é mais nessa contagem particular? MICHELLE FERRET(19 ) poeta potiguar, é jornalista, professora da Universidade Potiguar e professora substituta na UFRN. Tem publicado poemas em diversas coletâneas. Atuou no grupo Poesias e Flores em Caixas e atualmente é componente dos Insurgentes. Seu primeiro livro, Febre ,deve sair em breve. CASA vivo pra morrer de saudade e todas as noites parecem pardas quase incendiárias com seus ocres e mel escorridos pelas paredes das calçadas
Adoçam o céu invertem as incertezas desnuda vulcões e trazem as erupções para dentro do outro lado
Quase sempre a mesma calçada na beira dessa casa em que ninguém se muda PÁSSARO FEITO DE EFÊMERO Vivo para inventar planos de fuga E todas as noites Gaiolas inteiras se abrem por dentro A matéria prima Escolhida ao acaso Une silêncio, dorzinhas, arames cortados e um pouco de solidão Disso tudo se faz portinhas infinitas A passagem é o lugar O vôo consequencia Asas pequenas ou grandes Miragens Feito desertos inteiros dentro da gente Não se apagam nunca Vive-se para inventar planos de fuga E todas as noites as janelas se fecham para a vida São pequenas as mortes de dentro Imagens deitadas de inventos Vivemos para desenhar planos de fuga E todos os dias A passagem é o passageiro Entre o ir e vir de grades grandes ou pequenas Ficar é apenas consequência… ........................................................................................................... A vida não perdoa Ninguém Tampouco sua falta de sorte e o ritmo acelerado dos pés em fuga retornados feitos curupira sem cabelos a vida não perdoa sua falta de coragem em acordar de novo num barulho ensurdecido em ser gente grande não perdoa o caderno esquecido com todas as memórias nem fotografias nunca reveladas de antes nos filmes preto e branco da kodak tudo extinto A vida não perdoa ela não sabe o que é isso sobreviventes de estratosferas tsunamis, espermas essa corrida diária nos lembra o primeiro passo o óvulo já sangrado a vida não perdoa o sangue derramado já seco coagulado nas manhãs mornas de setembro em plena primavera A vida não perdoa os cacos nem a superbond já espremida feito vidas em trens apertados lotações esgotadas validades vencidas A vida não perdoa a palavra, o gesto, a saliva desmedida e franca como um tiro certo ao contrário do peito aberto exposto A vida não perdoa o instinto enfraquecido pelo cheiro do perfume francês e do lenço umedecido A vida não quer perdão nem tampouco validade ela quer como disse o Rosa Coragem E isso também está no fim do frasco da garganta no cantinho do olho vivo. ........................................................................................ Tenho por mania Distorcer a visão amanhecida para ver o outro lado do que for Mania de desvirar tapetes, calçados com medo de morrer cedo por medo de estar viva sem o frio na barriga as sopas feitas frias no dia anterior Mania de roer as unhas mesmo sabendo das bactérias das artérias entupidas e a possibilidade de comer mais manteiga, óleo diesel e refrigerante rodas sem amortecimento esmagando as formigas no asfalto das esquinas, das estradas de dentro de mim mania de salvá-las desviando a atenção necessária das coisas que deveriam importar e nada importa importo o sabor da comida com o sal do himalaia rosa, endurecido, pedrificado atravessado de oceano até chegar na saliva e no sangue acesos e espirrados mania de se apegar a coisas mínimas bolinhas de encher para fazer enfeite poeiras debaixo do tapete e o medo de mudar de margem de marcha de vida jogar tudo pro alto coragem em falta nesses dias de desligamento da tv, do celular, do cabo do wi-fi do vizinho mania de desejar ilhas de desordem como queria Brecht e acertar outra areia movediça deslocada e amassada para fazer bonecos na neve imaginária em pleno sol a pino dessa vida interminável. MARINA RABELO(1981) poeta cearense, foi criada em Natal e se considera potiguar. É engeneira química e também dramaturga. Publicou três livros de poesia: Por Cada Uma (2011), em parceria com quatro outras poetas potiguares; Livro de Sete Cabeças (2016); e Das Coisas Que Larguei na Calçada (2016). NÃO LIMPE OS PÉS ANTES DE ENTRAR Entre com a lama, a grama, a poeira e a areia do mar.
Entre com o barulho das ruas, do samba e dos versos do poeta de mesa de bar.
Entre com o cheiro do asfalto, do ônibus lotado e do pastel de carne com suco de maracujá.
A porta está aberta, pode entrar:Eu quero minha alma suja e feliz. ORIGAMI nem sempre somos o que queremos ser.
um dia, pássaros. um dia, papel amassado no chão.
[somos as dobraduras da vida] A POESIA (MENTE) A poesia está na sala. Nos restos em cima da mesa. Inquieta e sedutoramente viva.
A poesia está no quarto. Na poeira debaixo da cama. Tranquila e assustadoramente só.
A poesia sorri, Debocha e diz: — A poesia não está.
E assim a poesia descaradamente é. REVOLTO preciso do caos da desordem dos sentimentos de um soco no estômago seguido de um beijo um lamber de feridas para amaciar a dor preciso da confusão de ser o que for
Publicado por Rubens Jardim em 10/04/2017 às 20h26
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