Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
02/05/2017 14h40
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (91ª POSTAGEM)

CONCEIÇÃO EVARISTO(1946) poeta mineira, fez mestrado e doutorado em literatura. Começou a publicar na década de 1980 poemas, contos, ensaios e romances. Militante do movimento negro, nasceu em uma favela em Belo Horizonte. Poemas da Recordação e Outros Movimentos (2008) é seu último livro de poemas.

RECORDAR É PRECISO

O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos.

A memória bravia lança o leme:

Recordar é preciso.

O movimento de vaivém nas águas-lembranças

dos meus marejados olhos transborda-me a vida,

salgando-me o rosto e o gosto. Sou eternamente náufraga.

Mas os fundos oceanos não me amedrontam nem me imobilizam.

Uma paixão profunda é a bóia que me emerge.

Sei que o mistério subsiste além das águas

DO FOGO QUE EM MIM ARDE
Sim, eu trago o fogo,
o outro,
não aquele que te apraz.
Ele queima sim,
é chama voraz
que derrete o bivo de teu pincel
incendiando até ás cinzas
O desejo-desenho que fazes de mim.

Sim, eu trago o fogo,
o outro,
aquele que me faz,
e que molda a dura pena
de minha escrita.
é este o fogo,
o meu, o que me arde
e cunha a minha face
na letra desenho
do auto-retrato meu.

DA CALMA E DO SILÊNCIO
Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.

Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.

Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.

FILHOS DA RUA
O banzo renasce em mim.
Do negror de meus oceanos
a dor submerge revisitada
esfolando-me a pele
que se alevanta em sóis
e luas marcantes de um
tempo que aqui está.
O banzo renasce em mim
e a mulher da aldeia
pede e clama na chama negra
que lhe queima entre as pernas
o desejo de retomar
de recolher para
o seu útero-terra
as sementes
que o vento espalhou
pelas ruas...

MARIANA DE ALMEIDA(19  ) poeta paulista, nascida em São Bernardo do Campo, é formada em Letras, e escreve  no blog Diário Balzaquiano denunciando as dores e delícias de uma mulher que vive nos tempos atuais . É redatora e editora da página Casa da Poesia. Vive em Sorocaba.

AS NOITES NA CIDADE

As noites no centro das cidades

São sempre tristes com suas ruas sujas

Poças d’água encardidas de carbono

Lama, cuspe, mijo e burocracias

Do dia que passou.

Não me iludo, as noites daqui

São tão sujas quantos as de Paris,

Nova Iorque, Marrakech e Milão.

Noites que fedem a perfume barato,

Cigarros, bebidas, catarro e sexo.

 

As putas do centro da cidade

São exatamente as mesmas

De qualquer lugar do mundo

A maioria delas é filha de alguém

E a maioria delas é mãe de alguém

E a maioria delas é mulher de alguém

E a maioria delas paga contas ao amanhecer

E a maioria delas toma café e porrada

Num bar miserável da cidade.

É preciso sempre encarar a volta

Algum buraco do mundo deve ser sua casa

Algum buraco do mundo guarda suas histórias

Algum buraco do mundo esconde toda a verdade.

Eu nessa hora de insônia

 

Penso nas putas da General Carneiro

Penso nas putas da Paulista, da Tijuca

De Manhattan e de New Orleans

Gostaria que elas soubessem

Que alguém desse planeta absurdo

Está pensando nelas.... No frio,

No açoite, na coca, no medo, nos caras que chegam.

Jogo minha bituca pela janela

Observo a brasa se despedaçar ao chão

Não sinto culpa, ajudo foder o mundo

Denuncio nossa maldade

Traduzo para você

O que a noite não revelou.

DE TODAS AS MULHERES

De todas as mulheres do mundo

Eu já fui todas

De menina e santa

Casta e puritana

À sacana e insana

Aquela que engana

Em troca de qualquer aliança

Já fui inocente como nova

Já fui coerente como velha

Já fui linda como a lua cheia

Já fui feia como areia seca do sertão

Já disse sim e já disse não

Já entrei em templos e igrejas

Já dancei com as bruxas sob o clarão

Da imensidão da lua sobre o chão

Já entornei o vinho, o lírio, a papoula

Já mastiguei a hóstia, o pão e o sermão

Já vomitei em latrinas de ouro

Já comi em pratos de papelão

Já fui feliz ao pisar na terra com pés descalços

Já amei na beira do mar enquanto a água salgada

Molhava meu vestido de flor

Já chorei sozinha em rodovias desertas

Sem carona, sem carinho, sem deus.

De todas as mulheres do mundo

Carrego cada uma delas no meu olhar.

WILD SIDE
Adoro a selvageria

O rasgar das roupas

Das peles e da moral

Adoro o instinto

As vontades

Que invadem

Obedeço à elas

Como escrava;

 

Desordem total

Na manhã seguinte

Cabelos desvairados

Devagar recolho o que sobrou

Volto para o mundo de óculos escuros

Para as dores do corpo: Dipirona

Para as dores psíquicas: Cafeína

 

Caço um cigarro pela casa

Muitas gavetas cheias de nada

Junto os trocados para ir à padaria

Me perguntam quantos pães vou querer

- Nenhum, obrigada.

Só um expresso mesmo

E um maço de Marlboro , light.

GOSTO
Eu gosto do perigo, eu me arrisco

Um palpite, um poema ou uma taça de vinho

Que pode ser a minha ruína

Ou a minha fortuna;

Ah, eu invisto mesmo para perder

O que se guarda se morre sem nascer

Eu aposto sob a luz da lua

E faço vingar sob a pele

O único sentido dessa vida.

MARIANA BASÍLIO(1989) poeta paulista, é pedagoga e mestre em educação. Autora dos livros Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016), Prepara atualmente os dois próximos livros, Tríptico Vital (3º lugar ProAC 2016) e Megalômana. Possui poemas e entrevistas publicadas em revistas e fanzines de Portugal e Brasil. 

                                      À memória de Allen Ginsberg

O peso do mundo é o peso do sonho.

Sob o fardo do amor,

Sob o feitio da ilusão.

O peso do mundo é um fator irreal.

Sob o feitiço do perverso,

Sob a finura do convexo.

Mas quem de nós poderá negá-lo?

Se a leveza é invenção abstrata.

Se a natureza é limite brutal.

Paraísos movem-se mais adentro.

Peregrinos progressos rarefeitos.

Moléculas de uma frágil história.

Em céus que desabam, petrificados.

Pois nenhuma elucidação, América,

Há de salvar-nos.

Nenhuma religião, Kaddish,

Será poesia.

Nenhuma dor, atemporal.

I

Se me disseres, amor, sou teu sonho.

Dir-te-ei, rema, ardor, entre os olhos.

Pois o canto que cantas é efêmero.

E o que sou é estandarte do sol.

A crescer frágil e rígido.

A rasgar os votos sagrados.

Entre a ruptura dos galhos.

Repara no que te digo.

Se me disseres: voa, sou teu laço.

Fugirei hoje mesmo, desertora.

Pois onde amo, não caibo.

Pois onde vivo, não meço.

Vaga, eu te vago.

Vaso do vazio.

Pureza do perene.

Um adeus inerente.

II

São hemisférios os meus olhos.

Ainda que crepitem os séculos.

Ainda que naufraguem no presente.

E não posso adiar o amor que sinto.

O amor suporta o peso corpóreo.

Atravessa a pobreza, o ódio, o abandono.

Abraça o que se renega.

Conduz o que não se mede.

À sombra de uma árvore, resistimos.

O amor e eu. No coração que é vertigem.

Em vias remotas e poeiras estelares.

Tudo é afinal, indiferente.

Porque não posso adiar a vida.

III

Divino Nada.

Toca-me o espírito.

Como o fugaz sopro da morte.

Como se o tempo fosse vida.

E o futuro, minha sorte.

Apresenta-me: desfecho.

A inacabada via.

Oferenda terrena.

Inevitável meio.

Divino Nada.

Salva-me o corpo

Em linhas versais.

Sela os segredos

Fluindo silêncios,

Abismos minerais.

Preposições são cantares,

No princípio da imagem.

Tu, fascínio em milagre.

Por campos lacunares.

O vasto total.

Amiúde, o haver nos restará.

O haver em branca transparência.

Construções em pás de silício.

Gravuras que se entrelaçam.

O oco fundo, Divino Nada.
 

NANDA PRIETTO(1998). Poeta mineira, é guitarrista da banda “Macacos & Donzelas”.Autora do livro de poemas Princesa mas peçonhenta (ainda inédito). Mora com os pais em Poços de Caldas/MG. É fanática por Rimbaud ("Uma Temporada no Inferno  é minha bíblia") e adora Drummond e Kurt Cobain.

Logo que li num site humanitário

Que crianças cambojanas ganham

Duzentos cents/semana

Trabalhando quinze horas/dia

Em fábricas da Nike,

Arranquei meus tênis e os atirei

Pela janela do meu quarto.

Acertei os fios elétricos

E causei um blackout no bairro.

KAHLO
A nitroglicerina é um bálsamo.

Um trem de ferro que

Me entra pela pélvis.

Mas me distraio das fraturas

Tendo orgasmos.

Pintando frascos de fetos alados

De anjos de asas mutiladas.

Fazendo a autopsia

De minha natureza viva.

 

Diego me queria

Mulherzinha.

Calcinha mínima.

Echarpe.

Pulseiras e colares.

Cinta-liga.

Mas calcei o meu strap-on

E me fui

À caça de seu sono.

Ao acordar, ele:

“Sonhei que Deus me

Queria

Parir menina”.

 

Então o vento que sou

Capaz de exalar

Ondula, belamente, os meus cabelos.

Sou Eva, Lilith e todas

As diabas vira-latas.

Vingativa dos adultérios,

Corto meus cabelos.

Sementes de serpentes.

Ordeno-lhes: “Entrem

Pela uretra de Rivera”.

RITUAL
A minha nudez é isso

Que você está vendo.

Meus cabelos exalam

Gafanhotos e outras pragas.

 

Para a missa, entro nua

De bíblia em punho.

 

Enquanto “eles” bebem,

Em torno do altar do holocausto,

As vísceras do crucificado mais recente,

Recolho, um a um, os sêmens

Dos cordeiros primogênitos.

 

Na rua, minha nudez é

O que você está vendo:

Câncer no coração.

Vermes nos olhos.

Lepra na genitália.

A nudez é o que

Você vê?

Eu, nua

Sob a burka.

Democra$ia!

Simulacros de intestinos que bebemos

Exercitando

Nossa ilusão de livre-arbítrio.

 

masoquista pusilânime

Nunca senti saudade.

Exceto

Quando o céu e o chão fugiram

Quando você

Se foi cantando,

Se metamorfoseando

Em pássaro voando

Para longe, para sempre,

Para fora do alcance

Das minhas unhas,

das minhas pedras,

da minha gaiola para serpentes.

MELANCIA
Teus seios. Pegajosos. Úmidos.

Minha boca, nossas bocas,

Escorrendo. Biquínis.

Umbigos. Tatuagens. Piercings. Vulvas.

 

Comemos o verão todo

Besuntando de água a sede

Uma da outra.

 

Febre úmida. Satélite. Abelha.

O açúcar de teus segredos.

Língua. Gilete. Vulva. Ânus.

Stacy Martin. Lisbeth Salander.

 

Strapon não me expurga.

(Prefiro dedos. Boca. Seios. Ânus. Vulva.)

 

Nós. Duas amantes púberes de Klimt.

Duas de Les Demoiselles d’Avignon.

Santas Teresas cantando baise-moi.

Ombros desnudos propondo travessias.

Risinhos de êxtases vespertinos.

E quem olhasse veria apenas

Duas crianças comendo melancia.

 


Publicado por Rubens Jardim em 02/05/2017 às 14h40

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