Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
13/09/2017 17h55
AS MULHERES POETAS...98ª POSTAGEM

WANDA MONTEIRO(19  ) poeta paraense, é advogada e escritora. Já  foi revisora e produtora editorial. Divulgou seu trabalho em revistas, blogs e sites. Publicou O Beijo da Chuva, (2009), Anverso, (2011), Duas Mulheres Entardecendo, (2011) e Aquatempo – Sementes líricas ( 2016)

no oráculo de brancas coxas

a virgem desvela-se

a castidade

rubra

rosa

pecaminosa

tomba

!

 

 a espada em silêncio e fé

 verga

e

rende-se

 

vencida pelo cansaço das veias

 

INTERDITO

De mãos em punho

O Passado

Chega a cada instante

E investe contra meu peito

O Passado é o murro que me açoita

A cada açoite

A face do Presente evanesce

O Futuro a recolhe

Sorvendo-a

Roubando-me o Meio

O Tempo erra-me

Decreta-me

Interdito!

Sou apenas um patético corpo

Orgânico

E hipotético de uma história inacabada

Existência fadada à eternidade etérea da memória

Povoada por fantasmas

Eu perdi meu itinerário

No interlúdio melancólico do Passado

 

NAUFRÁGIO

o desejo de ti

submerge

 

tudo é sede e fome

dentes trincados

fruto proibido

 

tudo é palavra calada nos lábios

voz abortada no ventre

 

tudo é grito

do que não disseram as palavras

os olhares ausentes

os gestos extintos

 

tudo é dor

que sangra no fio da carne

ávida do beijo estancado na boca

 

tudo é som

desmedido pulsar

sonora matéria que infere e fere

um coração que chove água e sal

 

tudo é abismo

dor escavada no peito

coberta com migalhas de afeto

misericordioso respeito

 

tudo é segredo desvelado

 

tudo é naufrágio

mergulho cego

fúria de marés

 

embriaguez turva de quase amor

 

o desejo de ti

é naufrágio

...........................................................................................................

 

O meio é fenda

Breu que guarda a luz

De línguas cegas

Em abissal mergulho de desejos

 

IARA CARVALHO(1980) poeta potiguar, é graduada em letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Foi uma das fundadoras do Grupo Casarão de Poesia. Participou de diversas coletâneas de poesias e contos resultantes de premiações literárias. Lançou o seu primeiro livro de poemas, Milagreira, em 2011. O segundo, Saraivada, apareceu em 2015.

SEGREDOS

as operárias

atravessam a rua

com seus cabelos vermelhos.

 

disfarçam

planos incendiários

silêncios estratégicos

sonhos verdejantes.

 

quando voltam pra casa,

os companheiros

permitem toda ausência

e pudor.

 

o que as operárias

guardam no fundo

do formigueiro

ninguém sabe,

 

mas é coisa muito grande:

 

um esqueleto,

 

uma flor

 

MEDIEVAL E SANTA

Nos minérios de sua parede,

há mistérios de fogo, sal e lenda.

 

(sinistras sendas

segredadas em sonhos)

 

Para o encontro da botija,

quebro os azulejos

pintados pelas mãos

de minha bisavó.

 

Ouro e prata

azuleiam meu coração

com dor vidrada e secreta.

 

Penso em sair correndo,

mas meu corpo está fincado

no chão da cozinha:

 

o ímã da terra me chama

ao encanto das origens.

 

SARAIVADA

apresso o passo,

que lá vem o silêncio.

 

corra:

ele consome

suas melhores preces.

 

voar é grande

— então voe.

 

exploda

espalhe

ecoe.

 

não recolha os cacos de

memória e osso

nem amacie o dorso ferido

dos campos minados.

 

desfira um golpe

misericordioso

no corpo sem carne

do silêncio.

 

e com o sangue escorrido

escreva um livro.

 

DESFEITA

cortei cabelo,

unhas

e todos os carboidratos.

 

os meus pulsos,

porém,

ainda estão intactos.

 

BRUNA KALIL OTHERO (1995) poeta mineira, publicou seu primeiro livro, “POÉTIQUASE” em fins de 2015, quando tinha apenas 20 anos.Mas antes disso já havia participado da antologia Sarau Brasil(2014) e divulgado seus poemas em O Emplasto e na Germina.É estudante de letras na UFMG e empreende pesquisa sobre a presença do corpo na poesia atual escrita por mulheres.

DELÍRICO

Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

escrevo poemas como quem bate

na porta

perguntando

timidamente

se pode entrar

escrevo poemas como quem bate

no peito

tentando arrancar dali

uma veia do coração

sangue venenoso

escrevo poemas como quem bate

palmas

estupefata de ver

um filho meu

grudado no papel

e esse êxtase todo esse delírio

me excitam

quando rodo a maçaneta

escrevo poemas como quem bate uma punheta

 

DE VERÃO

nosso amor é um castelo de areia

que nós

persistentes

munidos de pás e baldes

plásticos

lutamos pra construir

no terreno movediço

desta praia

e ele fica lindo

imponente

com janelas grandes alas

salões de festa

bandeiras

tudo isso

pra no fim do dia

o mar vir

de inveja ou solidão

e derrubá-lo

no glamour aquático

do caos

o pouco que fica

além da vaga memória arquitetônica

é um grão de areia

persistente

na calcinha do meu biquíni

 

TEMPO

vejo ao longe

aquela mulher decadente

com o rosto gasto

as mãos gastas o pescoço

e o ar de

já foi bonita

alcanço-a

caminhamos lado a lado

ela me olha

fixa

eu pisco

passo na sua frente

com o passo

trêmulo consciente

amanhã

serei eu

a decadência

 

CONFUSÃO MIMÉTICA

eu não sou eu

Sebastião Uchôa Leite

este eu

que está aí

pomposo cheio de si

se querendo todo achando

que é o rei da cocada preta

este eu

não sou eu não

viu?

juro que eu

– eu de verdade –

eu sou ótima

conversada despojada

e no máximo

princesa dessa cocada

 

JULIANA AMATO(19  ) poeta paulista, edita, traduz, revisa e escreve. Publicou Brevida (2011), diário aleatório – site/livro em parceria com Thany Sanches e Jezebel, ilustrado por Mariana Coan, integrando o projeto Boca Santa. Os poemas selecionados fazem parte de Correspondência, seu primeiro livro de poesia. Escreve há algum tempo no microclima, que está um pouco abandonado, mas pretende renascer dos escombros.

agradeço sem palavras sua aparição

a lembrança do meu nome

agradeço as gravatas

as admiráveis gravatas e lamento

a sua ausência

aqui tudo vai intranquilo

mas me acalma o instante

ver sua alma disposta

ao vento que passa

(sua alma

nebulosa)

é verão na borda do atlântico

faz sol e mar mas não podemos

não, não podemos agora

 

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hace um año que te fuiste

tan pronto irás, una vez más

neste exato momento me vejo num quarto

fechado

frestas abertas, a janela

você ainda criança atrás da cortina

observa

você, observo seu olhar

compreende:

não existe mãe no brasil

não existe casa, essa casa, aqui

há o futuro e há tudo

há milhares de rochas

pedras pontiagudas

traiçoeiras

pensa na sua casa

sua casa tão longe, aqui,

uma pedra quente

e lisa

 

de M. para F.

inverno, 2011

assim recomeço depois da demora

culpa do A aberto

do caos, da casa

do novo fôlego

continuo longe as roupas estão

no devido lugar

(é possível sim dividir com

estranhos, e sonhos, oui)

no vagar, nunca fui a porto alegre

sequer ao porto

mas às montanhas

ao novo ano

ao branco puro aos amigos fui

à irremediável fronteira

da língua:

randonné significa

escalar a neve

descobri a 2 mil metros do chão

e alguma ideia na cabeça

para um papel

 

DEZANOTAÇÕES SOBRE A POESIA

assim recomeço, me perdi

vi Baudelaire milimétrico, construído

pela primeira vez

pois bem há os que ganham

por pontos

os de nocaute

e os momentos amargos

que já passei

projetos poéticos passam a perna

p-p-p-p

o projeto poético, um enganador

eu, um muito menor (debutante

no auge da hysteria – saltinhos)

um projétil, nenhum rimbaud

nem meio rilke

muita potência, pouca questão

as solas dos pés ardem no chão

os olhos não estão prontos

para rever

o resto desse que se vai

fica e lança um abraço

demasiado

apertado

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 13/09/2017 às 17h55

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