Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
31/05/2006 11h47
A POESIA FACILITA A COMUNHÃO MAS DIFICULTA A COMUNICAÇÃO
Wittingenstein dizia que os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.E eu concordo com ele desde que li, há muito tempo , essa frase lapidar. Mas para que esse insight fique ainda mais claro e mediterrâneo, basta agregar a ele a noção reveladora(via Rubem Alves) de que nós somos uma encarnação de palavras e que a nossa personalidade nada mais é do que um hábito ou um habitat de linguagens.É nessa direção, aliás, que podemos entender tudo aquilo que é quase ininteligível pra gente. E aqui é fundamental reaplicar a noção de Chomsky sobre a natureza essencialmente criadora da linguagem. Ou seja: se considerarmos a mente como uma caixa-preta, perceberemos um desnível entre aquilo que entra(o número de símbolos) e aquilo que sai dela (o número infindável de frases construídas com esses símbolos). Isto quer dizer, concretamente, que a todo momento nós estamos criando, ouvindo e entendendo frases que nunca proferimos ou ouvimos antes e que no entanto não temos dificuldades em compreender. Mais ainda: é possível entrever que, através da linguagem, o ser humano mostra que é capaz de ir sempre além de suas experiências anteriores. É esse sentido de incompletude e de flexibilização criativa que possibilita uma série numerosa de traduções e interpretações da realidade, do mundo e dos outros. É também através desse viés, fortemente estimulado e limitado pela linguagem e pela palavra, que podemos efetuar imaginativamente a experiência do outro. Mas é claro que aqui --como em qualquer outra tradução ou transcriação--só podemos dimensionar a experiência do outro dentro das articulações específicas da nossa linguagem. Decorre daí uma série de interpretações equivocadas e de mal entendidos, pois ao mesmo tempo que estamos habilitados a assimilar o novo, estamos também habituados a decodificar o novo através do velho. O que nunca deixará de ser uma operação reducionista submetida ao caráter arbitrário da linguagem--e ao nosso próprio arbítrio.Daí o fato corriqueiro-- inumeráveis vezes vivenciado por mim e por qualquer vivente-- de não ser entendido, compreendido ou aceito. Quantas vezes e quantas pessoas já confessaram ter ficado boiando diante da minha fala...E por que? É óbvio que para muitas pessoas, esse fato está vinculado a uma causa só: copos a mais. Reconheço, hoje, que isso pode até estar correto. Afinal, parei de beber já faz uma eternidade...Mas essa não pode e nem deve ser uma conclusão definitiva e derradeira. Até porque sinto quase sempre em meu discurso--mesmo em plana e plena sobriedade-- algo que está fora do eixo ou está fora do estoque de expressões usuais. Pode até ser um vício, uma precariedade ou defeito nodal em meu processo de comunicação. O fato concreto é que não consigo deixar de me embrenhar num armazem de palavras pouco comuns, num cipoal de símbolos pouco compreensíveis, num matagal de imagens que só cabem e só tem cabimento na escrita de um verso. E não porque minha fala seja empolada --ou empoeirada. Mas ela não obedece muito aos padrões estabelecidos do início-meio-e-fim e das coisas muito bem explicadinhas.Mais ainda: tenho o mau costume de desautorizar o encadeamento lógico em favor do desentramento mágico. Sempre preferi a revelação do que a repetição. E acho que diversas confusões já acontecidas--nem todas, é claro-- deram-se muito mais por esse canal de difícil trânsito do que por ingestão etílica.
Falando nisso, vamos tomar um uisquinho?

Publicado por Rubens Jardim em 31/05/2006 às 11h47

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