17/08/2010 14h39
não quero apenas escrever, mas ser o que escrevo. a poesia é a minha religião.
UMA POESIA FEITA DE PARADOXOS, TAPAS E BEIJOS ENTRE OPOSTOS.
EIS WALDO MOTTA, UM POETA MÍSTICO, ESCRACHADO, APOCALÍPTICO Conheci o poeta Waldo Motta no 1º Encontro Literário de São Mateus, realizado em fins do mês de julho. Não foi preciso nem apresentação: algumas palavras foram suficientes para saber que dividíamos o mesmo entendimento a respeito de poetas e de poesia. Em suma, esse encontro teve muito mais um viés de reencontro. Waldo Motta acha, por exemplo, que não se faz poesia com micagens e joguinhos verbais.“A poesia é a minha sacrossanta escritura, cruzada evangélica que deflagro deste púlpito. Só ela me salvará da goela do abismo. Já não digo como ponte que me religue a algum distante céu, mas como pinguela mesmo, elo entre alheios eus” Embora tenha feito essa profissão de fé no poema Religião, uma espécie de auto retrato, Waldo Motta foi considerado um poeta desbocado, erótico-místico e obsceno. Segundo ele, por ter sempre misturado palavras difíceis e eruditas com palavras sujas, enlameadas e gosmentas. E por nunca ter negado a sua condição de homossexual, apesar de recusar o rótulo de autor gay. “Minha poesia é uma síntese de meu projeto de vida, uma aventura em busca da Verdade, intuída como a ciência da restauração da condição divina (...). Não quero apenas escrever, mas também ser o que escrevo. Daí o entusiasmo e o tom solene, porque é algo sério; daí o caráter pregacional, mesmo que o meu discurso esteja ainda em construção.” Autor de mais de uma dezena de livros de poemas publicados desde 1980, Waldo Motta ganhou notoriedade a partir da publicação de Bundo e outros poemas (1996), seu nono livro, publicado pela Editora da Unicamp, de Campinas. Foi aí que a irreverência do poeta capixaba atraiu a atenção da crítica e de diversos figurões das letras brasileiras. Desde Bundo e outros poemas, rasgo os véus simbólicos, arranco a calcinha e a cueca de metáforas, alegorias, arquétipos e que tais, e mostro o que é o inefável, o sublime, o sagrado, a coisa etc. E faço tudo isso experimentando as mais variadas formas artísticas, e todos os registros, estilos, sem preconceito. Esse livro mereceu artigos, resenhas e textos de pessoas como Ítalo Moriconi, Massao Ohno, Roberto Schwarz, Zé Celso Martinez Correa, João Silvério Trevisan, Lúcia Sá, Ricardo Aleixo, Jaguar, Fábio de Souza Andrade, José Carlos Barcellos, Célia Pedrosa, Candace Slater, Gilmar de Carvalho, Iumma Maria Simon e Gwen Kirkpatrick. Mas vamos ao que caracteriza o trabalho poético desse sodomita místico do Espírito Santo-- termo empregado por Ítalo Moriconi. Antes de tudo é preciso destacar uma originalidade radical, transgressora, quase sem precedentes.Sua voz surpreende tanto pela articulação entre o erotismo e o sagrado, como pelo tratamento dado a opressão social, racial e sexual. Tudo isso, aliado a uma riqueza e variedade formais, raras hoje em dia, revelam um poeta audacioso, com dicção muito própria, que não deixa de ser lírico e inventivo. E que mesmo desconfiando de tudo, inclusive de mim, não para de ler e escrever em busca da palavra precisa e do apuramento expressivo e espiritual. Sem fazer nenhum tipo de concessão, Waldo Motta acredita que o papel da poesia é desvelar a coisa, dizer o que não se diz, ensinar, orientar, ser a mensagem da salvação. Claro que isso pode soar antiquado e desatualizado. Mas como já disse o poeta Ferreira Gullar, escrever poesia é estar de mãos dadas com a humanidade, com a fraternidade, com o carinho, com a solidariedade. Ou como disse o próprio Waldo em um poema: descobri em meu corpo a réplica do universo, o umbigo do ubíquo. No âmago do abismo encontrei o bem e o mal em comunhão. E nunca mais fiz perguntas. Com a palavra o poeta: O LABOR DISCRETO
e não há razões para babaquices metafísicas em cabeça a prêmio. antes que se consuma a sentença que se consuma a vida. e que a morte seja humilde faxineira a recolher somente a sucata, o bagaço do que fomos, só os restos da festa que se fez da vida inteira. OBSESSÃO Não posso esconder: - Deus é um troço que me incomoda, inseto algures na noite em claro, inquieta pulga que me passeia fazendo cócegas. Deus me aflige como doença que progredisse secretamente. Deus é um bicho de estimação. se o escorraço, Deus me perdoa e volta, à-toa. ODE À IDA AO ID
AS BRINCADEIRAS SÉRIAS Por amor, sou aio e amo De quem amo, e persigo, Me abomino na lama, Enfrento qualquer perigo. Se amo mesmo quem amo Sou meu próprio inimigo. Pois matei o que morreu Em mim ao me dar sem dó À mó que moeu meu eu. Só pode amar quem moeu Seu eu na amorosa mó E desse pó renasceu. LIMIAR
Publicado por Rubens Jardim em 17/08/2010 às 14h39
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