07/07/2011 00h23
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA ( 3)
Num dos artigos pioneiros no sentido de mapear as características da história da mulher no Brasil, escrito por Maria Beatriz Nizza da Silva, a autora afirma: “não temos acesso direto ao discurso feminino senão tardiamente no século XIX e, até então, temos de nos contentar em conhecer os desejos, vontades, queixas ou decisões das mulheres através da linguagem formal dos documentos ou petições, manejada pelos homens.” Talvez a marca mais evidente dessa condição de subordinação seja a do silêncio e a de uma ausência, notada tanto no cenário público da vida cultural literária, quanto no registro das histórias da nossa literatura. Na esperança de poder contribuir, modestamente, na reversão da nossa falta de conhecimento sobre a questão, resolvi abrir este espaço para divulgar alguns momentos significativos da história da literatura brasileira feita por mulheres. Já fizemos duas postagens, elencando autoras muito pouco conhecidas e divulgadas. E prosseguimos, agora,nessa mesma direção. Esclarecendo que minha atenção está voltada, exclusivamente, nas poetas mulheres. Com vocês, as vozes femininas que quebraram barreiras e se fizeram ouvir. Ângela do Amaral Rangel (1725), carioca, deve ter sido a primeira poeta brasileira a ter seus versos publicados antes de 1822. Participou como membro da Academia dos Seletos, em 30 de janeiro de 1752, das comemorações em homenagem a Gomes Freire de Andrade, governador e capitão-general das capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Nesta ocasião, declamou os dois sonetos que lhe fizeram ser lembrada como poeta. Um simples menino de 12 anos que ali os escutava era José Basílio da Gama que, anos depois, já escritor, publicou o seu livro Uruguay que imortalizou Gomes Freire de Andrade.
MÁXIMAS CRISTÃS, E POLÍTICAS
Foi por tantas virtudes merecida, Que, sendo já de todos conhecida, Muito poucos lhe fazem competência: Se tudo obrais por alta inteligência, De Deus a graça tendes adquirida, Do Monarca um afeto sem medida, E do Povo uma humilde obediência: No Católico zelo, e na lealdade Tendes vossa esperança bem fundada; Que, na presente, e na futura idade, Há de ser a virtude premiada Na terra com feliz serenidade, E nos Céus com a glória eternizada.
Na vaga Região seu doce acento, De Gomes publicando o alto alento, Por não caber no âmbito da terra: Declara, que se está na dura guerra, Tudo acaba tão rápido, e violento, Que o mais forte Esquadrão, em um momento, Seus talentos vitais ali subterra. Vosso Nome será sempre exaltado, Que se voais nas asas da ventura, Vosso valor o tem assegurado; Porque nos diz a Fama clara, e pura Que outro Herói, como Vós, não tem achado Debaixo da Celeste Arquitetura. Bárbara Heliodora (1758-1819) mineira de São João Del Rey, viveu com o poeta inconfidente Alvarenga Peixoto, teve cinco filhos,e foi considerada heroína da inconfidência mineira. Sua produção literária é bastante reduzida e controvertida. Os poemas Conselhos a meus filhos e um soneto dedicado a filha Maria Ifigênia, são atribuídos a ela, mas nem todos os estudiosos são unânimes nisso.E a pesquisadora Eliane Vasconcellos destaca um aspecto curioso: tendo produzido tão pouco, existe uma imensa bibliografia sobre ela. SONETO Amada filha, é já chegado o dia, em que a luz da razão, qual tocha acesa, vem conduzir a simples natureza: - é hoje que o teu mundo principia.
A mão, que te gerou, teus passos guia; despreza ofertas de uma vá beleza, às santas leis do Filho de Maria.
Estampa na tua alma a Caridade, que amar a Deus, amar aos semelhantes, são eternos preceitos da Verdade.
Tudo o mais são idéias delirantes; procura ser feliz na Eternidade, que o mundo são brevíssimos instantes.
Maria Josefa Barreto (1786-1837) é gaúcha de Viamão –e foi, apesar de politicamente conservadora e anti-farroupilha, uma feminista avant la lettre: professora, abriu uma escola primária mista em Porto Alegre. Foi jornalista engajada e fundou dois jornais. Poeta e repentista, escreveu muitos elogios dramáticos e vários poemas de nuance árcade. Aos 55 anos do Senhor D. João VI Lá onde o Tejo undoso ufano pisa, Dos brilhantes lauréis já despojada, De fúnebre cipreste a fronte ornada, Lísia envolvida em pranto se divisa. Na saudade cruel que a penaliza, Invejosa suspira, consternada, Quando América assaz afortunada A glória de João imortaliza. No seu erguido trono brasileiro, Fundador de uma nova monarquia, Qual de Ourique Afonso, Rei primeiro, Ditando sábias leis, já neste dia De onde lustros o giro vê inteiro O grande filho da imortal Maria. Adelaide de Castro Alves Guimarães ( 1854 - 1940) foi poeta.musicista, pintora, desenhista . e iIrmã do famoso poeta dos escravos: Castro Alves. Aliás, atribuiu-se a ela o cultivo de sua memória, a conservação do seu acervo e de seus manuscritos inéditos. Casada com o jornalista e político baiano Augusto Álvares Guimarães, teve uma filha, também poeta, Glória de Castro Alves Guimarães. Permaneceu inédita até recentemente, quando aos 79 anos teve seus poemas publicados no livro O Imortal, versos de outrora,por iniciativa de sua filha.
[Sem título] Amor é um carpinteiro Que ri com ar de matreiro, Cerrando forte e ligeiro Na tenda do coração... Com toda a proficiência Põe pregos de resistência, Ferrolhos na consciência, Tranca as portas da razão Só Acercou-se do leito em andar vagaroso: Condenada dir-se-ia a chegar ao degredo... O vazio... o abandono... o sossego penoso... Na marmórea brancura um funéreo lajedo!!... Onde a estância risonha, o país venturoso dos afagos sutis... da carícia em segredo... Dos seus dous corações o pulsar amoroso De onde a sorte cruel, a expulsara tão cedo?!... Nesta angústia, que espera esse olhar assim fito No macio colchão, na macia almofada, Testemunhos do amor que ora mata-a ora a encanta Se tão longe, tão longe! em lençóis do infinito Prisioneiro ele dorme em alcova isolada Nesse leito do qual ninguém mais se levanta?... Publicado por Rubens Jardim em 07/07/2011 às 00h23
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