Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
29/07/2011 01h12
A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA (5)

RENATA PALLOTINI ( 1931) Poeta, advogada, filósofa e dramaturga. Nasceu em São Paulo, escreveu e produziu trabalhos para teatro e televisão, entre os quais Vila Sésamo e Malu Mulher. Publicou mais de 20 livros de poesia, sem contar os de prosa, teatro e ensaios. Recebeu diversos prêmios por seus trabalhos, inclusive o Jabuti. Desde 1988 faz parte do corpo docente da Escuela Internacional de Cine y Television de San Antonio de los Baños, em Cuba.

BURITI CRISTALINO

         Para Lamarca e os outros

Ele andou por três dia
na caatinga.
No quarto dia ajoelhou
de fome.
No quinto adormeceu ao pé da baraúna.
No sexto foi encontrado
e metralhado pelos guardas.

E no sétimo
descansou.

POÉTICA (II)

Descer até o fundo
e quando o sentimento
esteja o mais maduro

provocá-lo e feri-lo
para que a voz aflore

mas sem meias-medidas
sem cautela e sem pena:
assim o Poema.

 

O GRITO

Se ao menos esta dor servisse

se ela batesse nas paredes

abrisse portas

falasse

se ela cantasse e despenteasse os cabelos

 

se ao menos esta dor se visse

se ela saltasse fora da garganta como um grito

caísse da janela fizesse barulho

morresse

 

se a dor fosse um pedaço de pão duro

que a gente pudesse engolir com força

depois cuspir a saliva fora

sujar a rua os carros o espaço o outro

esse outro escuro que passa indiferente

e que não sofre tem o direito de não sofrer

 

se a dor fosse só a carne do dedo

que se esfrega na parede de pedra

para doer  doer  doer visível

doer penalizante

doer com lágrimas

 

se ao menos esta dor sangrasse

 

               Bagdad (20 de março, 2003)

               Onde nasceu o mundo
               morre o mundo.

               O oriente amanhece
               no meu quarto.

               Soldados nunca falam.
               Matam e escrevem cartas.

               Correspondentes de guerra
               se arriscam por uma imagem.

               As mulheres e as crianças
               essas
               morrem caladas.

               (sem título)
               A vida vindo a ser o que devia:
               absolutamente agora
               sem nenhum

               outro dia.

 

ASTRID CABRAL (1936 ) Amazonense radicada no Rio de Janeiro. Professora e tradutora. Foi dos primeiros docentes da Universidade de Brasília, de onde saiu em 66 em consequência do golpe militar. Oficial de Chancelaria do Itamaraty serviu por 20 anos em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Detentora  de inúmeros prêmios, dois da Academia Brasileira de Letras. Publicou 16 livros, dos quais 2 no exterior. Já representou o Brasil em 4 encontros internacionais de poesia nos EEUU e Europa. Viúva do poeta Afonso Félix de Sousa, é mãe de 5 filhos.

 

Coração couraçado

Tempestades em oceanos

ou em copos d'água

e não peço a Deus balsas

barcaças nem praias.

Só um coração couraçado.

Desses que no lombo

das ondas vão sem tombos

o convés em festa.

                            Iluminado.

Desastres de Amor

Mulher bule de louça
deixa-se pegar pela alça
e verte suor e sangue
em quantia exata.
Dei com o nariz
na porta do teu coração.
Foi sangria desatada
e a porta do pronto-socorro
também encontrei fechada.

Eu disse a meu coração:
Sossega pois tudo passa.
O nada não é perdição
mas estado de graça.

Desde que o mundo é mundo
a sina:
o amor, centelha
que faz o incêndio
e a cinza.

A casa no breu

Faz tanto tempo
que deixei aquela casa.
Confesso: não sei mais
da estrada nem da chave.
É como se ficasse em cidade
sem nome, em outro planeta
ou nem existisse mais.

No entanto não sei como
de vez em quando algo
me arrebata e me arrasta
ao seu regaço de breu.
Tudo o que eu ouço é o vôo cego
dos morcegos no vão das telhas
e uma torneira pingando
sem parar.

Será o choro de minha mãe na sala
ou serei eu mesma em pranto?

Demolição

Desmorono o império doméstico

Trono onde se acasalam as coisas

Sacralizadas em hieráticos nichos.

NEIDE ARCHANJO( 1940 ) Paulista, advogada  e psicóloga. Estreou com o livro Primeiros Ofícios da Memória, em 1964. Em seguida,  participou de alguns recitais junto com o grupo Catequese Poética.  Criou,  em 1969 o movimento poesia na praça, exposição de poemas na Praça  da República. Em 1980 recebeu o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Poesia. Em 1995 foi indicada para o Jabuti, e em 2005 ganhou o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Sua obra reunida está no volume Todas as Horas e Antes, de 2004.

Da Poesia

Esculpo a página a lápis 

e um cheiro de bosque 

então me aparece. 

Que a poesia é feita de romãs 

daquilo que é eterno 

e de tudo que apodrece.

Profundamente

Estão todos sentados esta noite.

Estão todos sentados.

 

A velha mesa respira

mas nadas se aquieta.

 

Estão todos sentados

mortos e sentados.

 

E este amor não basta

para carpir os beijos os nomes

os retratos.

Amor de perdição

Era um fluir de formas

essência grave e leve

era a ordenação do caos

a harmonia breve.

 

Era o poema

encostado no muro

qual flor vadia

que entre ramas se esquecia.

 

Era o poeta

lambendo a página

em que o poema

encantado se escrevia.

Não pude ser

Não pude ser
o teu amor perfeito
antes esta ferida.
Por isso para ti
não serei a pele
– poro a poro teu alumbramento –
serei apenas a cicatriz.

Perfeita

(sem título)

Solidão de árvore
esperando o fruto.


Solidão de Lázaro
esperando o Cristo.


Solidão de alvo
esperando a seta.


Ave, poeta.

EUNICE ARRUDA(1939 ) Poeta, pós-graduada em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, começou a publicar em 1960. É Tempo de Noite foi seu livro de estréia. Seguiram-se mais 11 livros de poemas, além de antologias publicadas nos EUA, Canadá, França,Uruguai. Já foi diretora da UBE e do Clube de Poesia de São Paulo. Ganhou em 1974 o prêmio Pablo Neruda (Argentina) e, em 1997, o de Mérito Cultural da UBE, Rio de Janeiro.

Erro

Edifiquei minha

casa sobre a

areia

 

Todo dia recomeço

Observando

sim



as horas de trégua


Quando se afiam
as facas

Composição I

Criar impactos

com

palavras

 

Pérolas

deslizando

na correnteza

 

Como barcos

me transportam

aonde nenhuma viagem chega

e eu colho frutos raros

Nesta ilha – entre

pedras – ressuscito

 

Com o fôlego

das

palavras

Transformação

Anjo
dá guarda

Eu estou atravessando

Também me empresta
de tuas asas
o vôo

Que eu chegue a nenhum lugar

Paisagem


O sol se
põe

Girassóis olham o chão

Gavetas

o poema
caído
da ventania

- as gavetas escrevem

o poema sem voz
nascido
da dor em demasia

Um Visitante

Quem escreve
é
um visitante

Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome

Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome


Publicado por Rubens Jardim em 29/07/2011 às 01h12
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