Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
12/02/2012 21h22
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (16)

LUCILA NOGUEIRA (1950) poeta carioca, ensaísta, contista,crítica e tradutora. Tem vinte e dois livros de poesia publicados. Estreou com Almenara(1979)e já obteve o prêmio Manuel Bandeira do Governo de Pernambuco. Essa mesma premiação foi conquistada, em 1986, com o livro Quasar. Eis alguns títulos de livros de Lucila: A Quarta Forma do Delírio(2002), Poesia em Medellin(2006), Poesia em Cuba (2007) e Casta Maladiva(2009). Foi a primeira brasileira a participar do festival internacional de Poesia de Medellin, em sua XVI versão. Vive no Recife.

 

Falarão meus poemas pelas ruas

de cor como receita de viver

e aqueles que sorriam pelas costas

recitarão meus versos sem os ler

 

Falarão meus poemas pelas ruas

de cor como receita de viver

dirão que fui um mar misterioso

onde quem navegou não esqueceu

 

Falarão meus poemas pelas ruas

de cor como receita de viver

dirão que era poesia e não loucura

meu jeito de sonhar todos vocês

 

Falarão meus poemas pelas ruas

de cor como receita de viver

perguntarão por que vivi tão pouco

sem dar-lhes tempo de me perceber

 

        — e aqueles que sorriam pelas costas

        recitarão meus versos sem os ler

 

POEMA DAS MÃES

Para Lygia, Natália, Marina e Almenara

 

AS MÃES SÃO BONECAS QUEBRADAS QUE NÓS ESQUECEMOS NO SÓTÃO

UM DIA FORAM ROMÂNTICAS E AMARAM DESESPERADAS

RESPEITEM O SEU SEGREDO QUE EXPLODE EM SÚBITAS LÁGRIMAS

EMBORA PAREÇAM ESCRAVAS TODAS POSSUEM UMA ALMA

 

NA VERDADE SÃO MULHERES QUE SONHARAM APAIXONADAS

E UM DIA SEM TER REMORSOS DESPEDIRAM-SE DE CASA

NA VIDA E NO ROMANCE SÃO ESTRANHAS PERSONAGENS

PERDIDAS DE SEUS VOLUMES NA POEIRA DAS ESTANTES

 

EU SOU A QUE ENSAIOU O VÔO MAS PERMANECEU NA PRAIA

AQUELA QUE CRUZOU O PORTO MAS VOLTOU NA HORA MARCADA

SALVOU-ME A MARESIA DO CONVÉS DOS TRANSATLÂNTICOS

E O HÁBITO DE REGER OS PÁSSAROS AO CHEGAR A MADRUGADA

 

OS PARTOS COBRIRAM MINHAS ASAS DE RAÍZES E FOLHAS DE ÁRVORES

E TRÊS ROSTOS DIFERENTES COMPLEMENTAM MINHA FACE

O JEJUM ME DEVOLVEU A PRIMEIRA VIRGINDADE

E EU ME TORNEI A MÁRTIR DE UMA ESTÓRIA EXTRAORDINÁRIA

 

AS MÃES SÃO APENAS MULHERES ASPIRANDO À DIVINDADE

O ESPÍRITO DE AVENTURA SUBLIMADO NA PAISAGEM

CRITICADAS POR SUAS FILHAS SOBREVIVEM COMO FADAS

SÃO AS PRIMEIRAS MURALHAS QUE DESEJAMOS QUEBRADAS

 

ASSIM COMO ESSAS BONECAS QUE NÓS ESQUECEMOS NO SÓTÃO

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Estou mais para Elis e Janis Joplin

Florbela Espanca, eu sou Virginia Woolf

amante de Essenine e Sá-Carneiro

sobre os campos; de trigo de Van Gogh

 

Compreendo mais Holderlin e Nietzsche

que a loucura de Kant ou de Descartes:

tudo que em mim pareça comedido

não passa de uma máscara de vidro

MARIA RITA KEHL(1951) poeta paulista,psicanalista, ensaísta e jornalista, tornou-se figura pública muito conhecida e atuante. No ano passado, ganhou o Jabuti com seu livro O Tempo e o Cão, a atualidade das depressões. Já publicou três livros de poemas: Imprevisão do Tempo(1979),O amor é uma droga pesada(1983), O Tempo do Desejo(1983) e Processos Primários(1996) Participou de várias antologias e desenvolve seu pensamento crítico em livros, crônicas,conferencias, entrevistas e em seu blog (www.mariaritakehl.psc.br/)

Mato Grosso

Meu irmão é um cowboy guiando a kombi
calado,
premonitório.
Ele atravessa os véus dourados de poeira
estendidos na estrada a dois palmos do chão.

Outra vez é essa hora do dia
quando o olhar procura os últimos sinais de luz
entre a faixa violeta dos morros e a unha da lua

outra vez essa hora que unifica os mundos.

e em Minas Gerais, no Mato Grosso, litoral paulista,
em Manhattan que eu não vi, campos tristes,
outra vez, é essa hora,

quando as coisas se lamentam.
choro de bois, sinos graves,
mulher louca de sexo e tédio
desolada
porque tudo é tão lindo e nenhum deus existe.

Corte de cabelos para ficar triste

Tipo faça-você-mesma. Trabalho incansável.
Pode durar uma noite -- ou mais -- fio por fio --
a memória na ponta da tesoura,
obcecada,
Medo crescente. Medo até a paixão.
Ou até conferir pelo espelho:
aquela lá morreu mesmo.

Caminhar no escuro

À frente, nem o vulto de uma luz.

Breu sem meias medidas.

Atrás, nada que faça lembrar

o percorrido.

Só o coração, na caixa preta,

vibra a agulha da bússola.

Caminha-se assim,

nem tanto a esmo:

pode-se dar um nome a cada passo

assim como a cada dia

com seu colar de minutos

sua falta de começo

sua falta de fim.

 

BERENICE SICA LAMAS(1949) poeta pelotense (RS), psicóloga, professora universitária e orientadora  de oficinas no Scrivere –espaço de criação literária. Ocupa cadeira na Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Já participou de várias antologias e estreou em livro em 1999, com Morder a Polpa. Outros títulos:  Ãngulos e Dobras(2000).Inventário de Ausencias(2004) e Ampulheta (2007).

 

na solidão das palavras
                me confundo descalça
                                     sem pés
                   o espírito assopra
                 me dilacera
sombra que ajuda a perder-se
curso d'água errante

extravio-me
         de mim
soçobro baralhada feito carta

ondas de fogo
           me caruncham
           e o gelo pertinaz
                     de sempre

gestos estranhos a mim
                se perdem no bosque
                             das palavras

                um pavor de não ser eu mesma

Quinta

crianças se revoltam
no parquinho
lutam para se livrar das mães
opressoras

passantes cumprem seu papel e
passam
pássaros não voam às estrelas
na tosca aldeia

e o pinheiro
adentra galhos
ao shopping
dio mio, árvores
aderindo ao consumo?

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o perigo do
caos interno
estilhaços
vazios
são navios
atracados
porto inseguro
viagem à vista
no veludo das mãos
na pata do tigre

na unha afiada e
filósofa

 

ZULEIKA DOS REIS (1949) poeta paulistana, formada em letras pela USP, é professora do ensino fundamental. Estreou em livro com Poemas de Azul e Pedra (1984), muito bem recebido pela crítica. Seu segundo livro, Espelho em Fuga (1989) foi prefaciado por Álvaro Alves de Faria e mereceu apresentação de Carlos Felipe Moisés e Caio Porfírio Carneiro. Participou de várias antologias de haicai.

 

PRIMAVERA

Da página aberta
salta uma pétala seca:
Primavera antiga.

 

VERÃO
Cartão de Natal.
Jesus ainda está dormindo
no colo de Maria.

 

OUTONO
O velho espantalho
e o menino da cidade.
Ambos espantados.

 

INVERNO
Sem força nas asas
O marimbondo de inverno.
Sonhos do passado.

 

PARA ELIS REGINA

(Escrito no dia, mês e ano de sua morte, em 19 de janeiro de 1982)


Estavas aqui
há tão pouco...
Já não estás.
Será que já não és?
Tua voz me percorre
tua coragem
tua presença e tuas fugas
teus ritos
teu concreto e miragem.

O pouco do tempo que ficaste
vira caleidoscópio
do tanto que foste.

Aos poucos, muito aos poucos
vou aceitando
a certeza dessa ausência imprevista
vertigem, soco na alma.

Aos poucos, muito aos poucos
te sentirei
flor desabrochada
noutro espaço
que não sabemos.

Pássaro
voa sem medo
sem medo amplia
para além da garganta
os limites humanos
do teu canto.

Saudade
aceita em paz
os ritos desta passagem.

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O pássaro-pássaro

não sabe das estações

nas aprendi nomes

e o que sei deste momento:

Quero florescer no outono.


Publicado por Rubens Jardim em 12/02/2012 às 21h22
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