Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
07/12/2006 00h20
CARTA A UM JOVEM POETA
Foi hoje, dia 7, bem na horinha do almoço, que eu resolvi dar uma espiada no meu correio eletrônico. Não é preciso dizer que ao encontrar o teu generoso e afetivo e-mail, mandei a fome às favas e fui pescar nas águas limpas da tua intensa fraternidade. Estou literalmente comovido com o teu jeito de ser, com a tua espontaneidade, com a tua expressividade humana, com a tua sensibilidade e, sobretudo, com a tua fecundidade poética.
É bastante sério: como é que você conseguiu, em tão pouco tempo, prodigalizar tantas palavras nessa que é, sem dúvida, a mais impressionante resposta que os meus poemas puderam receber em toda a sua já longa trajetória de mais de 30 anos de existência? Mais ainda: pelo que pude depreender, devemos estar separados por um fosso profundo de gerações, e ainda assim nunca estive tão próximo de alguém.
É, meu caro Lorival, a vida sempre nos reserva surpresas. E embora eu venha entendendo desde há muito que sentir é mais real do que pensar, sentir é mais natural do que pensar -nunca havia pensado nisso. Quer dizer: já havia sentido isso na grande linguagem dos grandes poetas. De Rilke, por exemplo, poeta tcheco de minha absoluta predileção. Só para você ter uma idéia da dimensão poética desse camarada, pesquei alguns versos dele que vão entre aspas e em itálico "Depois da primeira pátria, como parece a segunda incerta e sem abrigo!" "Quem nos desviou assim, para que tivéssemos um ar de despedida em tudo o que fazemos? "Oh não porque a felicidade exista, essa prematura dádiva de uma perda iminente." "Não acredites que o destino seja mais do que a infância e do que ela contêm.""Estamos aqui para dizer as coisas como elas mesmas jamais pensaram em ser intimamente." "Não é tempo daqueles que amam libertar-se do objeto amado e superá-lo, frementes? Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detém." "Sim, as primaveras precisavam de ti. Muitas estrelas queriam ser percebidas. Do passado profundo afluia uma vaga, ou quando passavas sob uma janela, uma viola d'amore se abandonava. Tudo isto era missão. Acaso a cumpriste?"

Não é mesmo arrebatador, grandioso --sem ser em nada grandiloquente? Pois é, meu caro Lorival, eis aí o lugar onde você me lançou. Um lugar de celebração, onde eu te lanço agora com a tua fertilidade poética-sensorial dos antenados. Gostaria muito de saber algumas coisas simples de você, tais como: tua idade, teus estudos, teu trabalhar, em que cidade você habita, quais teus ícones sagrados na poesia, na literatura e na filosofia.
Por falar nisso, que belíssima referência você urdiu antagonizando Platão e propondo a volta do poeta a Ágora, a praça do mercado, a praça pública. -seu único reino, sua única casa. É comovente descobrir assim, ao acaso absoluto, um ser humano capaz de perceber -- e expressar -- com tamanha intensidade poética, a solenidade singela e sagrada da missão do poeta.
Eu acho que é isso mesmo: A POESIA É UMA NECESSIDADE ATÁVICA E CONCRETA DE TODO SER HUMANO. NINGUÉM CONSEGUE VIVER SEM POESIA. ELA É A MAIS ANTIGA E PRIMITIVA FORMULAÇÃO DE QUALQUER EXPERIÊNCIA VIVIDA. MAIS AINDA: ACHO QUE A POESIA SERVE PRA EXPRESSAR O ESPANTO DIANTE DO FATO NOVO OU DA EXPERIÊNCIA NOVA--AINDA NÃO NOMEADA-- QUE ROMPE E IRROMPE, SUBITAMENTE, O TECIDO DA REALIDADE. ELA SERVE TAMBÉM PARA QUEBRAR O POTE, PARA REVIRAR A PONTE. ELA VAI DIRETO AO PONTO, AO CENTRO, AO ALVO. É A UNIÃO MÁXIMA COM A VIDA. E ACHO AINDA QUE SÓ MESMO OS POETAS SÃO CAPAZES DE QUEBRAR O SIGILO E EXPOR O SAGRADO E O PROFANO, O DIVINO E O MUNDANO -SEM DECRETAR A DIMINUIÇÃO DO SER HUMANO.

DEIXO DE FALAR AQUI, LORIVAL, DA APOSTA QUE VOCÊ ACHAVA DIFÍCIL. E DA TAREFA QUE VOCÊ ACHAVA ÁRDUA. DEIXO TAMBÉM DE CONSIDERAR TEUS VERSOS COMO TÍMIDOS, JOVENS, RÚSTICOS OU INGÊNUOS.
O DIALOGO POÉTICO ESTÁ ESTABELECIDO.

EIS-ME À ESPERA

Publicado por Rubens Jardim em 07/12/2006 às 00h20

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