30/06/2013 22h00
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (35º Post)
ANGELA MELIM (1952) poeta gaucha, vive no Rio onde é escritora e trabalha como redatora, tradutora e intérprete de conferências. Publicou diversos livros, tendo sido premiada pela Fundação Vitae e UBE – União Brasileira de Escritores. Alguns títulos de sua obra poética: O vidro o nome (1974) Das tripas coração (1978) Vale o escrito (1981) Mais dia menos dia (1996, obra reunida) e Possibilidades (2006). Meu pai nos abandonou. Minha mãe casou e mudou. Vovó morreu. Os irmãos sumiram no mundo ou submundo. Sem explicação Yvonne nunca mais falou comigo e, para Ronaldo, sou fantasma do passado. Vejo meus filhos já voando. Nem um pássaro na mão.
FLORES Colho olhos fixos de novo boca seca aberta - o não completo me suspende entre parênteses invisíveis e impotentes no ar parado - de passeio neste campo imperceptível minado que a pasma semântica do absurdo colore de avesso e espanto, flores que explodem ao contrário.
MANIA DE LIMPEZA Raspa de limão cheira seco: assim a lua limpa alto relevo que a letra afixa no papel novo.
NÃO SINTO Não sinto (muito mais) falta nem saudade.
Estou tomando gosto das coisas. Figuras e linguagem. Uma laranja diminutivo sopinha quente um sorriso uma boa chuveirada.
O verão! Como é colorido. Super.
O Rio de Janeiro. Uma viagem. Contradições. Sinônimos.
Que boa a mão da idade.
IZABELA LEAL (1969) poeta carioca, é graduada em psicologia, doutoranda em literatura portuguesa pela UFRJ e professora. Tem ensaios publicados em revistas de literatura e alguns poemas publicados na internet, em blogues de poesia, na Zunái, na Inimigo Rumor e nas Escritoras Suicidas. MARÇO NO CENTRO era o começo de março no centro seu corpo junto ao meu corpo, uma proximidade assustadora. primeiro um sorvete de creme derretia com o calor e as frases que dizíamos escorriam sobre os livros do andar de baixo. confissões de chocolate. depois pedimos um café e eu olhava espantada uma palavra que se debatia no líquido escuro. pensei em socorrê-la com a colher, mas logo vieram outras palavras e mergulharam no copo d´água. (na mesa a margarida inclinava-se) era tudo tão claro, apenas aquela palavra turvava a nitidez do dia. olhei novamente e ela jazia no fundo da xícara, imóvel.
PAPO NO CAFÉ e foi assim mais uma vez enquanto tomávamos café uma abelha ameaçava nossa fatia de bolo e você falava das teorias da física quântica da força atrativa dos buracos negros da massa comprimida das anães brancas e agora já eram duas abelhas — a primeira afogada num resto de mate — e você falava que a idéia de deus é congênita e falava também da teologia negativa da teologia positiva e da teologia neutra — abanei o bolo e a abelha entrou na cesta de lixo — falava dos discos voadores dos seres interplanetários dos enigmas egípcios incas maias e astecas queria saber a minha opinião eu ruminava um pedaço de bolo e tudo aquilo me deixava tão cansada
IPANEMA EM RESSACA há um clamor marinho no movimento das ondas despedaçadas contra as pedras do arpoador resíduos de uma cólera branca furiosamente em direção ao céu
tuas palavras acima das nossas cabeças negras junto às gaivotas escoavam pelo vão das pupilas e eu desejava um tratado de retórica um livro de oratória um manual de eloqüência ou qualquer fórmula mágica
ouvia-se ainda a veemência do mar e no entanto era preciso riscar um fósforo no silêncio anterior no silêncio ancestral além do batimento de lábios e pálpebras
já era a hora quando o ambulante se aproximava com pequenas flores de plástico balbuciando alguma coisa num idioma incompreensível já era a hora em que as palavras - emaranhado de sons - em que as palavras à deriva se despedaçavam contra as pedras do arpoador
NO FUNDO DA PUPILA o atrito dos olhos aprisiona imagens no fundo da pupila. cativas figuras de sombras e sangue arranham a córnea, seres minúsculos forçam passagem pelos trilhos lacrimais.
um cisco irremovível.
e são comboios de corda por dentro da noite veloz. nervos impulsionam barcos na extensão da pele.
ao redor do quarto a gravidade cega e pulsante. lâmina de guilhotina. não há perigo - somente o terror dos encarcerados - até que a tempestade desabe sobre o corpo. bastam bocas e mãos para cerrar as pálpebras.
ADRIANA LISBOA (1970) poeta carioca, romancista, contista e autora de livros infantis. Morou na França, passou algum tempo no Japão e vive nos Estados Unidos. Entre seus principais livros estão os romances Azul-corvo e Sinfonia em branco. Publicou poemas em algumas antologias. Seus livros foram publicados em doze países. POR UM INSTANTE DE PENUMBRA Há sol demais por aqui. As sombras expatriam-se dentro das coisas, sem uma chance. A luz é cáustica, esta luz de inquérito sob a qual o preso não tem outra alternativa. Você optaria por um mundo em claro-escuro, mas tudo se revela (pior: se demonstra, como num laboratório, como no corpo aberto de uma cobaia) com enorme zelo e não admite perfis, murmúrios, vislumbres. Essa luz medonha que se esfrega na sua cara – o quanto você não daria por um instante de penumbra. Por um segundo de indecisão.
POESIA Pense nela como o dedo cavando a fresta onde há ainda uma pequena chance, algo semelhante à colher numa cela de presídio investindo contra o chão de barro: um túnel, a vaga ideia de liberdade.
BLUE SUNDAY Não me lembro se foi on a blue Sunday, como cantava Jim Morrison em nossos ouvidos. Nem sei quantos atalhos tomamos, depois – o herói de Truffaut é hoje um cara sério, e nós, que o conhecemos da época dos nossos quatre cents coups, das nossas tardes sem nenhuma urgência debruçados sobre o Rio, em meio aos turistas, envelhecemos também. Sei que não disparam os alarmes por nós: não somos nem mesmo vaga ameaça. Mas nesse oco mal vedado que ficou, sigo mendicante, e carrego meias-luas sob os olhos enquanto aguardo os tempos mais brandos anunciados na canção.
ANDRÉIA CARVALHO GAVITA(1973) poeta curitibana, estudou ciências biológicas e produção multimídia. Atualmente trabalha com farmácia hospitalar e web design. Tem poemas publicados na revista eletrônicas Zunái, Germina e Eutomia..Publicou os livros de poemas A Cortesã do Infinito Transparente(2001) e Camafeu Escarlate (2012). Edita o blog o hábito escarlate, http://habitoescarlate.blogspot.com/ CASA DE ORAÇÃO nosso cálice nossa hóstia nosso altar não cabe na gota vermelha furtada da última ceia de salivas derramadas no vazio cravejado dos passos que não ousamos pronunciar andrógino rebelde de nossas portas perdidas, afasta de nós esta lástima de entornar o graal de jejuar o pão de ser o rio sedento de esquecimento na fome secreta das chaves e deixa-nos no templo na transfusão de nós solve et coagula
INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM Conhecer-te Foi feito abrir um livro antigo Sabe-se das literaturas seculares Que nos serão reveladas No dia de um trígono celeste pardo E era noite, Quando os olhos são tochas de candelárias
AMADEO reina a mão em minha pele amadeo e leve com ígnea prece a lamúria da injúria-veste em breu ao cremado manto enfloresce lírio negro amadeo a palma do sudário santo em domínio ateu doutrinado orvalho já devolve à mortalha cortejada o toque amado de um deus
ABRE-TE CÉSIO o céu é sempre azul na dormência aquecida da sessão das dez os diamantes estão soterrados muito longe da placenta dos vulcões da parteira terra nos cofres da sapiência eclesiástica ah partitura de repetidas eugenias somos espécimes preciosos em teus museus bem acondicionados na tenda dos milagres do circo de nero respirando o bolor dos livros sagrados a pele esverdeada das condecorações ah suástica ah ansata ah rosa obscenamente atarracada na cruz nos deixem de vez na insígnia vazia do ícone maior de uma bíblia de safira ainda não escrita abre-te césio teus olhos nirvana sobre nós não nos deixe estáticos em frente à TV como se não pudesse nos ver Publicado por Rubens Jardim em 30/06/2013 às 22h00
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