Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
15/08/2013 13h25
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (37ª POSTAGEM)

ADÉLIA MARIA (1940) poeta paranaense, advogada e professora universitária. Participou de diversas antologias. Estreou em livro em 1963 com a Balada do Amor Que Se Foi. Seguiram-se Nhanduti(1964), Poesia Trilógica(1972), Encontro Maior e Avesso Meu(1990), Infinito em Mim (2000) e Sons do Silêncio(2004). Algumas coletâneas de seus poemas, em edição de bolso, tiveram tiragens raras (tratando-se de poesia): 20, 40 e 120 mil exemplares.

POESIA

Pássaro arisco,
a poesia resiste à prisão
na gaiola-poema.

INDAGAÇÃO

Vida:

jogo de xadrez.

Deverei aceitar,

resignada,

o limitado espaço

que me foi r eservado

nesse tabuleiro?

 

CONQUISTA

Joguei o laço,

ajustei o nó;

apertei o espaço

e segurei o tempo.

 

Onde e quando

agora não existem.

 

Basto-me eu só,

na insistência

em viver...

 

MEMÓRIA ATÁVICA

Em algum lugar

deste infinito mistério

- que é meu ser -,

a emoção primitiva

brilha

e reflete

a memória de todas as eras.

 

ALINE DE MELLO BRANDÃO(1947) poeta paraense, é médica-neurologista e professora universitária. Já teve alguns de seus poemas musicados e tem colaborado com jornais e revistas do Pará e de outros Estados. Publicou os livros de poemas: Cantiga Geral de Amor (1984 - com o nome de Aline Carreira); Viola d’Água (1986); As Mãos do Tempo (1989)

ABSTINÊNCIA

Abstenho-me do pão
e sem luxo, sobrevivo.
Não trago o peito cativo
em luxúria sem paixão.
Porém preservo o tesão
de exercer com poesia
a fina flor do meu dia
sem pudor ou perfeição.
Eu penso que meu pecado
é não ter mais encontrado
a quem dei meu coração
tão antigo em novidades
tão moço nas descobertas.
O resto são veleidades,
letra tonta em linhas certas!

FÊNIX

Renascida das cinzas dos vestígios das horas,
no ensejo tão exato das palavras
da poesia andarilha e descalça,
perfumei os caminhos
onde bebi lágrimas em taças de ausências.
Na barra da saia amarrei a reza dos poetas sem medo
recolhi lampejos dos versos que salvam
e escolhendo as cores cuidadosamente,
preparei a transparência inteira desse manto
que me recobre a alma.

CAMINHO, SEMPRE CAMINHO

Caminho, sempre caminho

por velhas novas palavras

por grandes pequenos feitos,

retalhos do dia-a-dia

Atalhos, sempre evitados

como recuso calçados.

Os pés – desnudos – no chão.

Letras brotando na mão.

CENA

o povo empresta o nome e o pretexto
para o discurso e gozo do político

o povo exibe o prato e a fome nua
para o comício/vício do poder

o povo enreda o tema para um samba,
passeia suas dores nos refrões

o povo aprisionado nos decretos
consome ofícios petições detritos

do complicado jogo de esticar
o ordenado pra abranger as contas

mas sendo gente, sangue insubmisso,
um dia inverte a sina e se descobre.

MIRIAM PORTELA (1954) poeta catarinense, ficcionista e jornalista. Vive em São Paulo desde 1973, é formada pela ECA e durante muito tempo trabalhou em televisão, nas mais diversas funções. Atualmente produz vídeos e documentaries para empresas e tevês. Publicou mais de vinte  livros. Eis alguns títulos: O Continente Possuído(1987), No Fundo dos Olhos(1993), Nos Mares de Vênus(2002).

LOUCURA

Ela olhou-me no fundo dos olhos
lambeu minha alma
como os animais à cria
e me disse:
- se a vida se tornar
insuportável
eu te dou abrigo.

 

GOLES LÚCIDOS ANUNCIANDO ETERNIDADES…

Bebo da vida

goles

basta de alucinações

não tenho tempo

para embriaguez.

Quero restar

Sóbria

Para não ofender

Os instantes.

Os anos passam

Passaram

Eu não os vi

Outros gastei-os

Com dores fúteis.

Assim
me vejo

Transportando

Idades

Que não vivi.

Da vida

Apenas goles

Lúcidos

Anunciando

Eternidades.

 

JURAMENTO

Juro nunca mais

Resistir à poesia

Mesmo que ela

Crave suas unhas

Em minha pele branca

E me abandone

Em noite alta

Insana e nua.

Juro nunca mais

Desistir da poesia

Mesmo que ela

Cubra meu colo

De palavras

E me obrigue

A bordar com elas:

Anêmonas

Plânctons

Cósmicas

Redondilhas.

Juro nunca mais

Me negar à poesia

Mesmo que ela

dispa da minha alma

a lucidez

e me deixe infante e tola

a rodar. a rodar, a rodar

alegremente.

 

O HÓSPEDE

Mora em minha casa
um poeta louco
cansado de seus excessos.
Nos seus desvarios
ele me fala de aventuras e de sonhos.
Nos momentos de lucidez
descreve territórios e pátrias
em que já viveu.
Mora em minha casa
um poeta velho
exausto de eternidade.
Na sua loucura mansa
cultiva canteiros
de girassóis e miosótis
que esmaga com fúria nos momentos de dor.
e toda luz o cega
fazendo-o chorar lágrimas excessivamente salgadas. 
De vez em quando
ele me toma nos braços
e dançamos noites seguidas:
ele embriagado pelos escuros
e eu fascinada por sua embriaguez.
Mora em minha casa
um poeta rude
que grita impropérios e
rasga com suas unhas sujas de terra
os versos recém nascidos.
De vez em quando
em suas mãos crestadas pelo sol
ele me oferta o gosto do sal
trazido do mar do norte
e em sua pele áspera
cortada pelos ventos gélidos do ártico
desenha rios e fiordes.
Mora em minha casa
um poeta triste
como um menino órfão
a exigir carícias
a cobrar afetos
tantos
Vive em mim
um poeta
e eu o protejo.

MÁRCIA PELTIER (1958) poeta carioca, jornalista, tornou-se conhecida como apresentadora de TV (Manchete, Globo, SBT). Já publicou livros infanto-juvenis, crônicas e poesia. Estreou em 1986 com Poética(mente)-Vida e sobrevida de um poeta. Seguiram-se As Garras do Mel(1989) e As Ilhas de Betacam(1991).

TV-VIDA

Queria se editar na vida.

Tirar os maus pedaços.

Enxugar as passagens mal resolvidas.

E

Fazer a vida em contraplanos  perfeitos.

 

Não deu.

 

A vida é

Ao vivo.

 

CORDILHEIRA

Essa cordilheira que se estende pelo meu corpo

Já virou mar.

 

Como o sertão,

Vivo afogada em meus ossos.

 

INSOLÚVEL

Não quero ser ímpar

Nem par.

Par tem sempre o outro

Ímpar não tem ninguém.

 

Não quero ser direita

Nem avesso.

Direita exige costuras certas

Avesso, costuras corretas.

 

Não quero brilho

Nem opacidade.

Brilho fere.

Opacidade emburrece.

 

Não quero nada que me transtorne

Nem me torne.

Nem cá, nem lá.

 

Sou assim.

Algo meio sem jeito,

IN-BETWEEN,

No meio do eu e do mim.

 

NATUREZA

O mais espantoso em Betacam

É a solidão da natureza.

Ilhas com apenas uma palmeira eletrônica

Tão longe umas das outras

Que não se consegue colocar uma rede!


Publicado por Rubens Jardim em 15/08/2013 às 13h25

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