Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
03/11/2015 19h35
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (67ª POSTAGEM)

THAIS GUIMARÃES(1962) poeta mineira, nasceu no Ceará. Autora dos livros Jogo de cintura (1983), Dez pretextos para uma noite de solidão (1983) e Bom dia, Ana Maria (1987, Prêmio Jabuti de Melhor Produção Editorial Infantil e/ou Juvenil). Tem poemas publicados em diversos jornais, revistas e antologias.

O anjo combalido nada sente, nada vê
Adormece o sono dos heróis
Sob a bandeira da inutilidade:
Nada fiz, nada sou.
O verso foi escrito, reescrito,
E a natureza é morta.

DA SÉRIE PAISAGENS

                                   santiago, 1984

noite de calmaria

a praça vigia

nosso amor

de artilharia

NOTURNA

A flor dos meus seios

Aguarda

A tua língua

O gosto da fala

Intraduzível

Em minha carne

SOBREVIVENTES

Não há mais país, pátria, amigos, tudo

é virtual silêncio correndo no dia

ao encontro do precário, essencial sentido de seguir.

Por que não parar num declive qualquer da memória?

 

Perdi bondes, trens, caronas, agora

olhando o céu tão perto das nuvens busco referências

na ausência das distâncias, dos limites, das cidades,

e em velocidade supersônica meu coração pode parar

em um segundo, desconectar geral , em busca

de uma sala de amigos, casa sem móveis, violão, cachaça,

agito, joão, barreto, sônia, tião, carlinhos, tempo

sem pressa. Imprescindível.

 

Não há tristeza, desamparo, amargura. Estamos

todos seguros nessa aldeia protegida, da morte

vivemos, particulares, produzindo, acessando

a palavra inexorável, agora

plena de sentido, vigora.

 

Nomeamos os que morreram, enlouqueceram ou

apenas partiram, sem dizer adeus

seguimos.

Alguns lançam garrafas ao mar.

 

Outro dia, encontrei uma mensagem criptografada.

Poesia!

ANA MOTTIN (19   )poeta gaúcha, formou-se em direito pela UFRGS. Publicou em 2006 o livro de poemas Olhos de cadela, finalista do Prêmio Açorianos. Em 2011 foi finalista do premio Fato Literário realização do Grupo RBS. Seu primeiro romance  Atado de ervas foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura – Melhor livro do ano Autor Estreante.

CANÇÃO PARA ARRUMAR A MESA

De minha mãe, eu sei, herdei a calma,

os pés no chão, a luz dos candelabros

Mas quem plantou em mim essa semente

a cada outono florescendo em dálias?

Era tão certa a casa em que vivíamos.

Seu lúcido equador, as costas largas,

Sobre a toalha o rol de cicatrizes:

à esquerda os garfos, à direita as facas,

no centro o prato e dentro o guardanapo .

Bonança horizontal, pompa e decoro.

 

Onde coloco, mãe, o desconforto,

essa vontade de afiar as garras?

ANDARILHA

Feridas marcando meu rosto?

Isso é coisa nenhuma

a vida me dói é lá dentro, onde

estou corrompida em vinte

mil fragmentos.

 

Procuro a reza perdida, um cheiro, um sei lá o que.

À noite, reluzem besouros e sinos soam tristonhos.

Batem por mim alguém disse.

Difícil acreditar, a corte já tem o seu bobo.

Sou tudo

menos que nada.

 

Sob essa luz que esmerilha a dureza do concreto

fazendo nascer no asfalto olhos de boitatá

me defendo como posso.

Olhos voltados pra trás quero rever a árvore,

caverna, beira de poço

onde pousavam pardais.

 

Minto ao oficial da alfândega dizendo que tudo é meu.

Não sei o que levo nas malas

de outros as recebi .

 

Chego mais perto

e o que grita

o que no interno sussurra

gravado na minha pele, vira matéria

de sonho, nuvem gerando pedra,

e esta fome abstrata que não cabe no meu lenço.

 

Quem me dera ter agora a velha taça lascada onde bebia meu pai.

Seu chapéu de gabardine tinha uma sombra macia capaz de coar o mundo.

 

Chega de assombrações, o meu destino é partir.

É tarde, o mundo se acalma, feito paisagem da Holanda

onde há sempre uma ameaça, um afogar-se de vez.

 

Andar é coisa sagrada.

Não ser feliz justifica.

HELENA

A vida que atravessava

o seu peito tão escasso

de segunda a sexta-feira

(sopa rala, prato raso)

passava sem perceber.

Mas era ainda domingo

e o seu homem aos domingos

montava nela apressado

esparramando o cinzeiro

e a raiva surda, salário.

Helena não reclamava.

Amor talvez fosse isso

a casa limpa, arrumada,

os restos de uma esperança

e os filhos dormindo ao lado.

Um dia, talvez, quem sabe,

se o calor não fosse tanto

cinza cimento pesado

o mesmo  homem de sempre

com boca nua beijasse

e Helena

(corpo pequeno)

e Helena

(peito apertado)

no lençol de todo dia

estampadinho passado

seria uma outra Helena,

por uma vez demasiada

POEMA DE AMOR SEM NINGUÉM

Este poema de amor

é  bilhete sem destino

Não sei a quem entregá-lo

Não há nome no envelope

nem rua, nem direção

Ternura jogada fora

saudade apenas, sem fatos

que se possam recordar

este poema de amor

reincidente e insano

joga sal no oceano

transpira lençóis de insônia

esboça os traços de um rosto

traceja a forma de um corpo

apaga, torna a fazer.

Vento vago que levanta

e  logo depois deposita

palavras soltas, papel

este poema

(eu mesma)

este poema é ninguém.

MARIANA TEIXEIRA (1984)  poeta goiana, morou em mais de uma dezena de cidades. Em 2014, participou do Festipoa declamando poemas. Publicou os livros Inversos Paralelos (2013) e  O que tirei da mala (2015). Também é criadora do projeto ‘Gota a gota’,  com a artista plástica Shirley Soares

CRIME

tenho

tendências

assassinas

 

mato saudades

com golpes

de falta de ar

ENCOMENDA

Hoje

um trecho do mar

chegou em casa.

 

Tem dias que não chega nada.

Tem dias que chega o óbvio.

Tem dias, como hoje,

que chegam coisas grandes.

Mar, montanha, onça.

Às vezes, cidades inteiras

vistas de cima.

 

O vão

entre a porta e o chão

é uma espécie

de portal

 

DOAÇÃO

tirou do armário

o que não servia

não queria

e nem sabia

que tinha

 

tirou tudo

e colocou de volta

só o que usaria

 

o par de asas

ficaria ótimo

com os pés descalços

DESORDEM

Passava uma mão nos cabelos

domando os fios

que brigavam

com o vento

 

Com a outra mão

domava a saia

que subia e descia

causando vergonha

nas coxas brancas

 

Com menos mãos

do que queria

domava o que dava

e seguia

ELLEN MARIA DE VASCONCELLOS(1987) poeta santista, é formada em letras e vive em São Paulo. Atua como revisora, preparadora e tradutora de textos. Já teve pomeas publicados em varias antologias e marcou presença nas revistas Zunái e Mallarmargens. Seu livro bilíngue Chacharitas & Gambuzinos foi publicado este ano, em agosto.

BENEFÍCIOS DA ATIVIDADE FÍSICA
Mostrei o meu pé
E o cara tremeu
9 anos de balé
- eu disse
E o cara gemeu
4 de ginástica olímpica
E o cara lambeu
3 de futebol
Põe na minha cara
- ele disse
Mais 2 de judô
E o cara gozou. 

 

SINTOMAS

Lavávamos tudo junto

Pendurávamos entre os dois

eu passava minha mão no seu cabelo

você me passava o vestido

Saíamos cheirando gostoso de casa

Sempre com vontade de ficarmos

você encharcando lençóis

eu mordendo almofadas

Depois discutimos por um xampu

Ou era condicionador? Anti caspa

você se foi com a cama

achei melhor tirar a corda

Já viu quanto cabe num varal de teto?

Da nossa casa fechei as janelas

pra não molhar os retratos

e um ano depois me mudei

Acabou que nunca mais pedi a ninguém

que tirasse a roupa

porque ia começar a chover.

DO CLAUSTRO A PIA

Não dá pra por o filho de novo no ventre

Não dá pra por o vômito de novo pra dentro

Não dá pra expor o íntimo e sair isento

Tinha que sair, saiu a tempo:

o filho morto, o gosto fétido, o sentimento.

LUGAR DE ESPERA

Ser mãe

e contar nos dedos

quantos anos faltam

para colocá-los pra fora.

Mas não tenho pressa

tenho tempo

e dentro de mim

todos os filhos do mundo.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 03/11/2015 às 19h35

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