14/01/2016 13h52
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (70ª POSTAGEM)
SOCORRO LIRA (1974) poeta paraibana, é psicóloga, foi professora e organizou grupos de mulheres, com vistas à ocupação de terras na região do Brejo Paraibano. É pesquisadora, compositora, instrumentista e cantora com vários discos gravados e inúmeras apresentações em shows. Seu primeiro livro de poemas Aquarelar, foi publicado em 2007 e A pena secreta da Asa, segundo livro, veio à luz em 2015. A cor que me deste em rosa me despertou assim despetalada já meio parto dessa madrugada nasci doente de amor, passada da minha hora de nascer e à luz de uma velinha que cobriu o mundo e deu-me a sombra dada ao vagabundo que tem o céu por casa sem o ter e o azul por manto protetor para vestir a pele quando a dor o visitar na hora de viver
O QUE É NOSSO Tornar universal um amor que é meu tomar do universo uma dor que é sua tirar da vida o pão de cada dia palavra por palavra – a poesia
A LÍNGUA Revirando gavetas do tempo retirando poeira dos cantos reencontro você, bem no ponto, que paramos de andar adiante e escrevemos um pequeno conto... Com a vida, a nossa, escrevemos poucas linhas pra contar o quanto foi de prima, de cara, o encanto registrado no canto da alma onde fala, o amor, esperanto
EU Sou das rodas e da feira da tapioca e beiju da lata d’água, peneira nada mais, além de tu e nem aquém Sou loiceira no barro, moldando a vida farinha de mandioca, na oca, é minha comida Entendo de linha torta e de fazer despedida portanto, entendo de asa assim como de voar – voar é voltar pra casa que não se sabe onde estar mas ir, faz parte da ida assim como o faz, ficar
PRISCA AGUSTONI (1975) poeta nascida na Suiça, vive no Brasil desde 2003. É professora de literatura italiana na Universidade Federal de Juiz de Fora, tradutora e autora de literatura infantojuvenil. Já fez parte de grupo teatral e já foi publicada em Portugal, Suiça e Espanha. No Brasil publicou 3 livros de poemas: Inventário de Vozes (2001), Irmãs de Feno( 2002) e Dias emigrantes y otros poemas (2004). FESTA Cada palavra tem seu espaço.
Mesmo o silêncio tem espessura de homem.
Os tambores escutam em surdina a entrega do corpo.
Eis o cenário onde a palavra se renova
pesando eternidade.
1. após dar três voltas na chave, hermética, a porta de entrada fica ali, branca e pura pomba da asa cortada a insinuar o voo — un vol que havia, a vida que havia antes que o chão não fosse tição ardente sob os pés ou tapete de ladrilhos numa igreja sem fiéis
3. não há lugar digo e repito estou cheia de se onde quando e talvez amanhã tente outra vez toca e vê se tem um canto digo um apenas para a palavra
trégua
4. roçar de palavras é acender a estrela-guia do corpo: dedos e unhas na ponta de cada sílaba são facas sutis ao adentrar a língua para expelir os ungüentos oleosos do texto
VIVIANE BARROSO (1979) poeta carioca, escreve desde os 12 anos e não publicou nenhum livro. Ao pedir sua minibio, ela escreveu-me: “não possuo cursos, nem formação acadêmica e nem trabalho em área ligada à literatura ou magistério. Sou uma pessoa sem nenhuma ligação com o sistema. Sou poeta na crueza do termo e porque esse dom me foi dado”. BIOGRAFIA MUDA Minha linguagem é feita de silêncio. Da densidade sólida Que corrói as paredes De todos os templos. Prece muda, quase um fluído Se esvaindo do pensamento. O verbo que fala de mim, sussurra. Está noutro tempo, Noutra rima, Noutro verso. Verbo imperfeito Que não quer virar palavra: Verbo que cala, Verbo que morre, Verbo que mata. Assim, sou um rascunho Entre junho e julho, Quando o frio é um poema fatigado De esperar o inverno puro de agosto.
EU, PALHAÇO Como um louco eu me enfeito: Espelho de palhaço eu sou! Caí de um circo que por aqui passou E fiquei em mim. Deixei de querer ser outro E virei esse mesmo reflexo De quando nasci - O avesso de um bordado Que ninguém vê. Encanto de cores alcalinas Decapitando a normalidade Adquirida. Sou um verão Que nunca quis ser estação, Mas brinca feliz No calendário ensolarado De janeiros. O POETA É UM MÁRTIR Sempre que há uma ponte DESCRENÇA
LÍVIA NATÁLIA (1979) poeta baiana, é doutora em estudos literários e professora de teoria de literatura na Universidade Federal da Bahia. Realiza oficinas de criação literária e publicou 2 livros: Água Negra(2011) premiado pelo Concurso Literário do Banco Capital e Correntezas(2015). O poema Quadrilha foi colocado em outdoor –programa Poesia nas Ruas --e causou polêmica em Salvador. QUADRILHAS Maria não amava João. Maria guardou todos os seus sapatos.
ÁGUA NEGRA Chove muito na cidade. No asfalto betumoso um sangue transparente, ora de um rubro desencarnado, ora encardido de um cinza nebuloso, é vomitado em cólicas por toda a parte. Das paredes duras vaza um mais escuro que, imagino, seja a água mordendo as estruturas. A água é assim: atiçada do céu, infinita no mar, nômade no chão pedregoso, presa no fundo de um poço imenso: a água devora tudo com seus dentes intangíveis.
OSUN JANAÍNA Descobri que, para mim, ser mulher basta. Para puxar véus, levantar saias pintar as unhas de vermelho feroz – mesmo que seja só para dizer: para. Ou para ver a dança des-contínua do seu corpo sobre o meu (o meu oposto) pelo espelho que se emancipa das paredes deste quarto e desta tarde delicada. Mas sempre ser mulher basta: posto que é inteiro e vão, onda que bate na pedra e despedaça apenas para voltar inteira – afogada – num mar de (in)diferenças onde cada gota solitária e única forma um discurso descomposto, cambiante, plural: mesmo quando me atiro sobre esta pedra, que me rechaça.
ODISSEU Seu corpo cresce em puro júbilo de ser. E só. Sobre a cabeça, dança uma juba arisca alimentada pelo vento e pelos sonhos com que embala o mundo. Seus gestos firmes cortam o tempo, inscrevendo, na pele crua da memória, seu rastro. Sua voz, saltando frenética sobre os átimos, devassa as franjas silenciosas que embainham o mundo. Mas quando seu corpo ressona nos lençóis, onde o espero, é meu o seu silêncio e a calma do depois. É no meu corpo que escreves sua narrativa mais primeira e definitiva. Publicado por Rubens Jardim em 14/01/2016 às 13h52
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