30/06/2016 22h26
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (77ª POSTAGEM)
VÂNIA AZAMOR , poeta carioca, vive em Teresópolis e trabalha como economista do governo do Estado do Rio de Janeiro. É autora dos livros de poesia Olhar mineral (2003) e Facas da manhã (1997), e Cristal Rutilado(2011) Participou na coletânea Caixa de prismas (1992). Teve poemas publicados na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, nos jornais Poesia Viva, Panorama da Palavra e Rio Letras. CORDÃO UMBILICAL Em tudo há mãe o cerne o começo. Da minha tenho quase tudo o sorriso, a face, a vulva o que insiste e persiste no dia seguinte e em mais outro dia o que a esse se soma a vontade de mais outro dia. E como um novelo desenrolo os dias até nela chegar. FOME E NOVELO Como criar poemas se o que emerge são os guizos, disfarçados de canto, de uma serpente invisível bem junto de mim? Como precisar seu bote se me escapam meandros e sítios de seu perfume? Nesta tarde estreita que alastra prenúncios e desfaz pistas incendeio de alegria e êxtase adianto o tempo e reconstruo um namoro sem carne e curvas febril perigoso e escorregadio como um penhasco.
O que assusta também me embala e envenena. O ATRIBUTO DO AMOR 1 Põe, sem cessar, seu amor em todas as coisas em silêncio, busca alimento nos ditos do profeta sem sapatos, vai até a fonte das águas puras e apura os ouvidos naquele som extasiante aguça os olhos como diamantes do amor toca com sutileza sua luz flamejante Diante da perplexidade, não abrevia a respiração ao contrário, aprofunda esse aroma de frescor matutino A esse espetáculo de beleza regressa cem vezes se for preciso Não diga nada, para que a quietude do seu voo seja tão alto e arrebatador como o da Fênix. ARMAZEM Em minha rua o armazém anuncia o amanhecer - pessoas a caminho do dia - Nas casas o café com leite a promessa em jornal e o cesto de pães O dia cresce em luz ruído e presença Vem o bonde à esquina a criança para a escola o amor de uma mãe Chegam criadas ao fogões o faxineiro que leva o ontem e o alimento dos loucos Despertam cedo os que cuidam do mundo.. GISELLE RIBEIRO(1967) poeta paraense, é professora de teoria literária na UFPA. É autora também dos livros de poemas: Objeto Perdido (2004), Pequeno livro de poemas para vestir bem (2011) e Isso não é um livro. Isso é um caracol (2013), lançado na XV Feira Pan-Amazônica do Livro. Seu último livro, 69 (2014) reúne 69 poemas de amor erótico. PRÊT-À-PORTER Primeiro leia este livro sem compromisso maior. E se algum poema nele contido lhe vestir bem, sem precisar de ajustes, ele será todo seu.
Para ir à igreja, um encontro marcado, um passeio no bosque, uma reunião de negócios, piscina, praia ou cinema. Para fazer cooper, yoga ou jogar sinuca.
Afinal, para que mais serve o poema? TAREFAS DA VIDA COTIDIANA Lavamos todos os dias a palavra amor até desbotar. Passamos a ferro todos os dias a palavra desejo até evaporar. Depois, lavamos as mãos.
E quando a iluminura do amor se apaga, gradativamente, dizemos aos sonhos: a convivência mata. VISITA À CAVERNA O gigante acordando abre os olhos ele que jamais cria na aurora boreal Acorda agora Diante da porta de entrada da tua caverna
Labia majora Labia minora
E ele toca com suavidade Nas pregas finas Da cortina do teu prazer O corpo dele estremece O teu é todo frisson
O gigante chega ao corpo esponjoso Ele planta flores naquele amontoado De vasos capilares E quando o teu clitóris se entumesce Bem diante dos olhos dele A aurora boreal aparece ROLEPLAY Interessa-me aqui, as pernas grossas do poema Para abrir e fechar Quando eu quiser entrar.
Interessa-me também O beijo de língua molhado ou seco Do poema Pedindo para me tocar.
Interessa-me muito também A vontade, a voluptuosa vontade do poema Em me ter completamente nua Para ser só sua.
O resto desta história, Eu deixo aberto, Como as pernas grossas do poema Para quando você também quiser entrar. IOLANDA COSTA (1967) poeta baiana, é filósofa, arte-educadora e especialista em História Regional. Estreou como poeta na antologia Poetas Novos da Região Cacaueira, em 1987. Em 2004, lançou seu primeiro livro individual, Poemas Sem Nenhum Cuidado e, em 2009, Amarelo Por Dentro. Editou, artesanalmente, folhetos de poesia. Tem poemas publicados em jornais, antologias e blogs. Participou da agenda Livro da Tribo (2013). VIOLINOS QUE MIAM últimas horas dessa cronologia obsoleta travessia de tempo retirado. nenhuma praia do sul arderá em mim mais que a poesia torta encurvada em pélvis e em pêlos - nossos sais. a poeta, o colchão o violino e seus miados. FESTIM louca, sim variada no tempo saltada de dentro do jarro como nenúfar, lava palhaço de molas.
ossos sobre restos.
a fome diária e contumaz dos ossos como festos sentenciando a carnadura fremindo o sal, o veio o passar do poema pelo sangue.
atirou-se sobre ela, um dia o amor puxando-lhe o braço, a albumina o cálcio, o nutriente a bacante e a sua boca de tremores. COLAR DE ABSINTO do colo ao quadril adorna e flamba a carne adereço que a restaura, abjurada em chamas. formoso é o pescoço e as sete vértebras que o estende aos ares: lava. pira. serpe. o pescoço de labirinto e de fogo por onde ardeja, verde o absinto que me trazes. a losna-maior farfalhando como folha (em nervuras e exílio), teus delírios. ANÍMICO anuncia o princípio anímico e todas as coisas se enchem de alma. vela o Verbo espia a pena ratifica as Escrituras, o Talmude, o Tao. Deus imana e eu amo as hortaliças de verde enluarado. e o centeio e o peixe e o orvalho e a pedra e a trovoada e a magnólia. tudo exala. nada transcende. o vácuo é composto de falenas.
GERUZA ZELNYS, poeta paulista é doutora em Literatura pela USP e dá aula na PUC-SP. Também trabalha com formação de escritor na Casa das Rosas e faz mediação em Clubes de Leitura pelo Grupo Movimenta. Criou o curso de Escrita Curativa realizado em ambiente terapêutico (Instituto Naturare). Publicou o livro de poemas Esse livro não é pra você (Patuá, 2015) o dia amanheceu como amanhecem os pães
sobras do ontem esse hoje murcho e marrento CORRESPONDÊNCIA tatuei sobre toda extensão da pele com tinta vermelha e sangue azul com rimas e versos portugueses atados à ponta afiada da agulha
uma carta de amor
dobrei-me sobre mim mesma selei-me de saliva calei a esperança de resposta e mergulhei numa garrafa de vinho
endereçada ao mar NOITES BRANCAS naquelas noites brancas minha avó tricotava na poltrona e na caneca grossa palavras fumegantes de uma história que eu não bebia porque esses versos não tem matéria nem memória apenas significantes imagens bonitas que se aconchegam bem ao poema principalmente em dias de frio porque a página é sempre pista de gelo mas hoje está calor e tudo queima minha vó nunca tricotou e eu não lembro das histórias que contou se lembrasse também não sei se caberiam num poema vidas não cabem no poema estendem-se infinitamente e ele tem pressa palavras fumegantes, casacos, meias e cachecóis demandam tempo adio a velhice boicotando o tempo da vida escrevendo poesia coleciono suicídios e juventude porque jovem é o verso corda elástica de bungee jumping que só estica até o limite do chão é esse o tempo que me cabe não serei avó nem terei história mas aprendi o tempo da poesia e bebo num só trago o que me desce queimando depois enfio duas grossas agulhas no pescoço e tricoto apertando bem a grossa lã até fechar totalmente o vão oco da garganta prendo as pontas com um nó e pulo AÇUCENA aqui jaz um ponto coberto de açucenas, mas
não, não há ponto nenhum muito menos açucenas pra cobrir o que não existe
não há nada aqui: você foi embora e só o poema da falta implorou uma flor: açucena bulbosa é a planta que pranta sua partida, chuva seca que desaba dos meus olhos
você cavou um poço e me deixou sem água açucenas precisam desaguar em algum lugar: esse oco ecoando flor na cozinha vazia de fome, só os garfos miam surdamente pousada na boca do fogão a chaleira não pia porque tudo é luz agora que você foi embora e levou os escuros do meu café, antes forte e hoje nem amargo ele era Publicado por Rubens Jardim em 30/06/2016 às 22h26
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