03/10/2016 00h47
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (81ª POSTAGEM)
FIDÉLIA CASSANDRA(1962) poeta paraibana, é escritora, cantora, compositora, jornalista e professora. Trabalhou na TV Borborema, na Rádio Campina FM e no Paraíba online. Publicou os livros Amora(2002). Plumagem (2008). Cartas de Penélope, (2010.) e Melikraton (2013). Tem alguns CDs gravados, com show em diversas cidades do Nordeste. POÉTICA X Poesia É chuva Que se desmancha na terra, Um suspiro na boca. Poesia É tempestade Que desmancha a terra. Procela, procela. Poesia É água Cristalina, de beber. Pingo no vidro da janela. LADO DE DENTRO O amor não cabe no cotidiano E sim na lágrima, na gotícula, No abismo. O amor não cabe no poema. Ele é a metáfora, o véu, a ostra. Tudo o que se acha e se perde Num mesmo instante!
E sim na asa, no fogo, no vento... Nas folhas exangues perdidas no ar. O amor não cabe no vermelho do tijolo. Cabe na desconstrução do verso, Nas ruínas, nas ranhuras, nos sulcos do tempo. O amor não cabe em si. Ele é o outro, o próximo. Aquele que mora do lado de dentro. CARTA I Tear tear tear tear – Arremates... Nós... Noites a fio, eu, mulher de Odisseu, Teço sobre as ondas minha Mortalha de murmúrios – Ânsia, agonia, mãos, agulha, linha... Doem-me os dedos – suas feridas sangram... Lenta é a espera. Odisseu, o que nunca volta! BOCEJO Macunaimamente preguiçoso, Entediado. Ler Chaucer, Shakespeare, Dá-me cansaço! Ahhh! Que delícia essa redinha! Abre o seu corpo para mim. Aí, fico enfadado...bocejando... Aliviadoooo...uma lerdezaaaa... Sonhando que estou cochilando no capim. Que delícia essa espreguiçadeira! Huuummmmmmmmmm! Uma leseiraaaaa...! Controle remoto, escada-rolante, fraldas descartáveis, Botões coloridos, lava-louças – Claro que da Brastemp. Tudo pronto num abrir e fechar de embalagens. Não é preciso nem mastigar! Aahhhh! Que canseira! Como é pesada essa vidinha maneira, Não levanto nem pra mijar! MARINA MARA(1979) poeta brasiliense, é publicitária, jornalista, ativista cultural, atriz, roteirista, designer gráfico, consultora de projetos poéticos e literários. Atua pelo Brasil desde 2006 com projetos multimídia. Seu primeiro livro, Sarau Sanitário.com, (2010)é parte de um projeto homônimo que distribuiu poesia por banheiros públicos e pelo mundo virtual. CAFUNÉ trocaria litros de café pelo seu cafuné e noites de boemia pelo seu bom dia O MCDONALD´S ME COMEU hoje comi mcdonald´s. pedi meu castigo pelo número e mesmo sabendo ser efêmero, fui fast e me food. por favor, uma promoção: um combinada de raiva com molho de autoflagelação. senhora: esse item está em falta mas se quiser, temos molho alienante que acompanha suas idéias... fritas. eram mordidas crocantes como isopor croq! dando à consciência um sumiço visual colorido, como você pode supor ah... como não-amo-muito-tudo-isso. foi como se pichasse meu próprio muro que há décadas mantinha-se casto mas foi um castigo aplicado com juro e hoje, senti-me mais uma no pasto. era como se cupuaçu, guaraná e guarani fossem algo ilusório, não poderia estar ali e viva o país contaraditório! o mais belo, o mais livre o que mais insiste em se diminuir. e hoje, antes de dormir, pedirei perdão à amazônia, a mim mesma e à nação por, triste, achar que o bem morreu mas, “amanhã vai ser outro dia” melhor que esse, no qual o mcdonald´s me comeu. SÃO SETE Ele mora nas sete cores E ao som das sete notas Engana os pecados capitais Um a cada dia da semana Acertando os sete erros E vivendo suas sete vidas Todas de uma só vez POMBAGIRA Não depile meus pelos Com seus apelos estéticos Depile seu preconceito Com argumentos éticos Não julgue minhas Intenções pelo tamanho De minha saia E na próxima estação Troque seu machismo Por um belo Tomara-que-caia E que o seu desamor Não desperte minha ira Pois fada madrinha É para os fracos Eu tenho é pombagira AMANDA BRUNO(19 ) poeta mineira, é graduada em Letras pela UFMG, com um semestre de intercâmbio na Université Charles-de-Gaulle - Lille 3. Publicou no jornal Letras, Desfaces e zines como o Amendoim e o Barkaça. É autora do livro Por Aqui (2013) e foi incluída na coleção Leve um Livro com a seleção de poemas Pó de Asfalto(2016). a menina ve TV e repete a palavra até perder sentido
em breve irá repetir o mundo e esperar que faça sentido TOMEI CORAGEM tomei coragem me chamei para sair
comi pizza à luz de velas
bebi vinho e relaxei
comprei um doce no café ao lado
dei uma volta na lagoa
me fudi a noite toda pro Leopardi parece:
melhor que viajar é arrumar a mala
melhor que o fato é a imaginação melhor que a data é a véspera
melhor que o orgasmo é o tesão
seja como for,
a poesia é melhor que o amor pro Teus não tenho ponto de vista que ponto não tem tamanho
nem linha de raciocínio que linha é só num plano
tenho é plano pro mundo e nem é cartesiano
levo tudo na flauta que toco no último volume LAURA LIUZZI(1985) poeta carioca, participou da abertura da última Flip, ocasião em que leu e ironizou um poema bem ruim de Michel Temer. Trabalhou com o documentarista Eduardo Coutinho, como assistente de direção, nos filmes Um Dia na Vida, As Canções e Últimas Conversas. Publicou os livros de poemas: Calcanhar(2010) e Desalinho(2015). INSTANTE Existe um curto espaço de tempo um pequeno buraco negro que engole todas as grandes certezas. Entre o dedo no gatilho e uma bala disparada abre-se uma imensa fenda onde a entrada da razão é terminantemente proibida. Entre o último pulso do coração e o seu repouso, o tempo se dilata milimetricamente e mergulha as memórias no fundo do mar lá longe da terra lá onde nunca dá pé. Nesses curtos espaços nós não pisamos porque não cabemos. São tão curtos que talvez nem existam. AUTORRETRATO Como pode água nascer de pedra como pode, posso eu também ter matéria grave e intransponível conjugada a esta outra transparente, irrepresável.
Basta um olhar à fotografia – o bebê no colo o papel envelhecido. Ao mesmo tempo que um avança somando anos o outro recua, mais antigo.
Quando as tardes pareciam maiores quando o fim do dia era o fim do dia quando tatuagens não eram para sempre.
O tapete da sala era branco e peludo, parecia um bicho depois da ração diária. O sol entrava geométrico e, espremendo-se entre as grades desenhava escarpas onde eu me deitava junto ao bicho. Eu fechava os olhos para ver as cores no escuro.
Só o que morria era inseto.
Sorrir nunca foi fácil. Cresço com a boca miúda e ainda não gosto de piadas.
Conservo a interrogação quando de frente ao espelho: como pode ser tão diferente o frontal do perfil? E me pergunto, desde lá se todos enxergamos as mesmas coisas se a língua não é tão só um mesmo código para coisas distintas se entre mim e você não há um abismo sem solução.
O que sei é o que não sei sobre projetos de futuro.
E mesmo assim escrevo cartas (funcionam melhor que espelhos) para meu próprio endereço. Me respondo como se já tivesse arquivado toda a memória e pudesse confortar confrontar o porvir.
Quando escrevo me passo a limpo sem riscar as imperfeições.
A infância ainda gravita em mim. Não só a minha, mas outras que vêm com músicas sub-reptícias, por um atalho por onde atravessam com a velocidade incalculável do tempo.
Dar nome às coisas: primeiro passo torto até que se deseje as coisas puras sem auxílio de som -- a rosa única a pedra que se sabe pedra. Segundo passo, falho: inominar.
Nos retratos guardamos nos olhos o vidro dos olhos do gato a cama ainda desfeita a última tempestade e o escuro do que virá.
[Colher nas mãos o que das mesmas mãos se extinguiu: pedra papel tesoura.] ORQUESTRA Não há cortina para esconder os músicos nem mesmo a música se esconde nos instrumentos.
Está tudo aos olhos da platéia porque a sinfonia não se pode ver senão nos gestos do maestro.
À minha frente, antes do primeiro comando, pode estar o violoncelista em terno preto, como muitos ouvintes.
Quando se sentam os músicos cada um em seu tempo afina seu instrumento e acerta a folha da primeira sinfonia: confusa algaravia.
Então vem o regente sob uma saraivada de palmas com sua vara de condão.
Os músicos ajeitam a coluna alisam os traços do rosto e encaram o maestro
que, com dois olhos apenas cruza com todos que têm nele a mira buscando a confirmação de que pode começar.
Tão logo soerga a batuta e soe o primeiro acorde ouve-se, milagrosamente, o silêncio. ARQUITETURA com o pensamento em Franz Kafka Encapsular o inferno Auscultar o pântano Inventar entradas falsas Alcançar o fio cego do horizonte
Publicado por Rubens Jardim em 03/10/2016 às 00h47
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