Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
21/10/2016 16h29
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA--82ª POSTAGEM

MILENE SARQUISSIANO(19  ) poeta gaúcha, é jornalista formada pela Universidade Católica de Pelotas.Funcionária pública concursada trabalha há mais de 19 anos na Prefeitura local. Atua também como free-lance em rádio e tv a cabo. Começou a escrever em 2009 e publica seus poemas em blogs e sites da internet.

EMBOSCADA

não é na força bruta

que se ganha a luta

nessa guerra de arranha

é preciso alguma manha

um olhar de emboscada

uma língua revirada

destemida e servil

que mire o inimigo

e finja que não o viu

pernas firmes e ligeiras

deslizando sorrateiras

frente à zona de perigo

chamando pro combate

sem direito de resgate

lábios seios e umbigo

e tudo mais

que morra e mate

VERSO ARRIADO

Me arranha no rosto

Me enreda na réstia

Me enrola na marra

Me amarra na manha

Me arrasta no raso

Me arrasa no resto

Me arranca no tranco

Me enrosca no tronco

Me enrasca na garra

Me arrisca na guerra

Me arruma na linha

Me arrola na rima

Me arria no verso

ALUADA
fatio o dia
em pedaços
de mil delícias
saboreio
lentamente
mas se à noite
a lua cheia
de açucar
escorrer
pela janela
pra dormir
no meu umbigo
me melar
e virar calda
perco o foco
e as metas
dou adeus
às dietas
devoro
de colherada

NÓS

Tu Baco

Eu boca

 

Tu riso

Eu rosa

 

Tu farto

Eu forte

 

Tu leme

Eu lume

 

Tu trova

Eu trevo

 

Tu bronca

Eu brinco

 

Tu atroz

Eu atriz

 

Tu brisa

Eu brasa

 

Tu gema

Eu gomo

 

Tu figa

Eu fogo

 

Tu tronco

Eu trinca

 

Tu reta

Eu rota

 

Tu tanto

Eu tonta

 

Tu ramo

Eu rima

 

Tu traço

Eu troço

 

Tu nau

Eu nua

PAT LAU (   ) poeta paulistana, já foi Patrícia Laura Figueiredo e Patrícia Laura. Desde cedo dedicou-se à poesia e ao teatro. Publicou o livro Poemas Sem Nome (2011) em edição bilíngue português/francês, No Ritmo das Agulhas(2015) e Poemas Bebês(2016). Participou de várias antologias, no Brasil e na Alemanha, e também em diversas revistas digitais de literatura e poesia.

nem os segredos do meu pai nem os teus

nem os nossos

 

cultivo

jardins secretos

isolo

acolho

escondo e guardo

 

no buraco das folhas

nos vermes que passam

nas dores das cores

me calo

 

alimento

afago

 

a fuga do vermelho

o silêncio do preto

cada parte de sombra

molhada

 

nem os segredos do meu pai

nem os teus

nem os nossos

 

no silêncio das flores

maduras

um rasgo

DA VONTADE DE PAZ

comecei tudo de novo

porque é preciso recomeçar

tudo de novo todos os dias

não o -aqui e agora-

mas o possível

a cada segundo o imprevisto

o que nunca será dito

mas vivido intensamente

no presente que recomeça

reconstrói apaga e dói

apaguei o que era

certo e relido e selado

na memória para sempre

para me lembrar do instante

celebrar o improviso

a alegria do presente

a possibilidade da paz

a cada momento

pois tudo recomeça

de novo

todos os dias

o novo

feito do que não pode ser esquecido

a paz que inevitavelmente volta e nos acorda

invadindo com a manhã nascendo com o dia

a possibilidade do novo a cada manhã

a cada novo dia que nasce

cada vez que um olho abre

a paz

a vontade da paz

ouvindo o barulho

das guerras lá fora

feito de outras historias

chorando a dor das derrotas

recomecei

PANO

escorre noite a dentro

na borda da janela

de madeira envelhecida

 

amanheço

pano duro e seco

dentro da própria vida

 

um poeta não é feito

pra ser conhecido

 

é feito

pra viver escondido

 

debaixo dum pé de mesa

duma asa de xicara

da parte da vela mais derretida

 

um poeta

não é feito

pra ser visto

 

é pra ser lido

enfrentado dobrado

marcado apagado

e depois um grito

 

largado lá onde ele respira

naquela sombra interna

ausência inteira

onde ele habita*

MINHA CASA

no nada ela se equilibrava

minha casa

as salas cada vez mais largas

o quarto cada dia de um lado

por cima e por baixo o jardim

vagabunda na poesia

era assim que eu vivia

minha vida sem horizonte

nenhum

desde menina

(me foi dado) como

enterrado um tesouro

a solidão toda em mim

com ela refiz as salas

quebrei as escadas por ela

destampei bueiros inventei sementes

perfumei venenos e enraizada cresci

hoje em seu nome

vivo ausente

sem medo do presente

nesse mesmo lugar

confortavel

onde jamais existi

LUBI PRATES (1986) poeta paulistana, é graduada em psicologia com especialização em Reich.. Tem publicado o livro Coração na Boca (2012) e algumas participações em revistas e antologias literárias nacionais e internacionais. Escreve no blog coração na boca. Edita a Parênteses, revista literária virtual, e traduz. Vive em Curitiba.

ATÉ SÓ RESTAR O DEPOIS

                              sobre o dia 29 de abril de 2015, em Curitiba.

pudesse,

recordaria se havia sol

antes daquela tarde

quando tudo se resumiu a

cinza:

 

fumaça, um

quase

 

aquele estado de consciência frágil

entre estar acordado &

desmaiar.

 

pudesse,

recordaria o cheiro

antes daquela tarde

quando tudo se confundiu a

 

gás

pólvora

sangue.

 

recordaria quais eram

minhas atividades inúteis

antes de acessar a internet&

navegar entre as notícias

 

para descobrir o alvo

dos helicópteros que

sobrevoavam a cidade

 

destruindo

destruindo

destruindo

 

qualquer segundo

de silêncio

 

inibindo os gritos

 

pudesse,

eu recordaria o antes:

 

quando não havia escombros.

SALAR DE UYUNI PARTICULAR

nada que desfaça

 

nada que lave da minha boca o sal do seu corpo,

                esse gosto ruim

 

o sal do seu corpo ferindo meus lábios

deixando-os sangrar

 

resultado de qualquer ousadia, pergunto

ou lembrança

 

nada que desfaça

 

você sabe

 

nada que suavize a escuridão

                desse abismo: amor ou

 

seu contrário, mas

                que também penetra, invade

 

a estrutura do ser.

 

nada que te desfaça em mim.

BOA VISTA

descobri pelo google maps:

                da minha casa até seu ouvido são

                                4.654 quilômetros

 

                                           implacáveis

 

distância que torna-se perto quando

                eu, encantada

                                recordo seu rosto antes de despertar:

 

minha eterna boa vista.

SOBRE MAR DE CARNE E OSSO

ele contorna meu corpo com o seu

por instantes é mar:

água e sal

- não só os olhos desse azul

            que acinzenta-se quando tempestades

atrás de lentes escuras.

vertigem e me entrego

- sei a impossibilidade

de avessar naturezas conturbadas:

não há margem ou poro desafetado

                        pela penetração

perturbação de língua respiração e pelos

ávidos por afogar sentimentos

                        barriga dentro e fora

então acredito em qualquer gota antes

como prenúncio de essa inundação

porque toda água nasce e vibra

                        invasão apenas

para após refluxo, a distância.

RITA BARROS (19  ) poeta paulista, é revisora, tradutora e articuladora cultural. Tem poemas publicados em periódicos literários independentes, Zunái, Mallarmargens, Euonça jornal Ocicero. Autora do blog de poemas Sede de Pedra, também organiza o Sarau Dá Corda, voltado à cultura da diversidade. Publicou seu livro de estréia em 2015, na coleção Kraft

AMOR FATI

quebro

portas e janelas

todos os vidros da sua casa

porque sou a dinamite e um destino

vejo as vísceras espraiadas

beijo a pólvora

e o remorso: você

está por toda parte

colando os cacos

cortando os dedos

ferindo a boca com pregos

interditando o caminho: você

não me deixa entrar

não me deixa entrar

mas eu já entrei

e agora não há lugar

mais estreito que o Atlântico

escute atentamente

a sintaxe do martelo

o uivo ao fundo o choro das crianças

é a última ceia e o banquete

é uma promessa: eu juro

derreter as chaves

atear fogo ao corpo

e soprar

minhas cinzas em seus cabelos

apenas para lembrá-lo

que o tempo é justo 

quando é seu servo

e quando sou

a dinamite e um destino

ORQUESTRA PARA DANÇAS VIOLENTAS

havia

muito tempo numa noite

[essa bandida essa bandida]

e um drama estilhaçado no meio-fio

between my dreams and the real things

enquanto olhávamos nossos sapatos

à cabeceira da pista

 

havia

nesse drama

uma cenografia íntima

um país estrangeiro

um sussurro rompendo a névoa

rasgando o quadro rasgando

nosso contorno liquefeito

 

pequenas dádivas

 

havia

um deus sitiado nesse som

1. ANDE

movo-me.

meus olhos

temporais

destroem tudo

ao redor

do umbigo

do mundo

[nas bocas rasgadas

um retumbar de gemidos]

cega

a cordilheira me lambe

morde

mastiga

engole

o tempo

a cólera

e os cartões-postais

ASSULA STUDIUM 

quebra-se a primeira taça da casa

ela ainda está ali
seu momento 
cindido
repousa no chão da sala
[silêncio de funeral]


eis a dança 
bruta dos vulcões

eis a dança
ignorante dos espaços


ei-la: coxa, ávida, um desastre
rompendo o que não se restaura 
se fazendo só de som e sendo
mais lâmina que a própria lâmina 
do objeto perdido
[agora brilham menos 
os olhos que os cacos]

pisar nos cacos; sentir 
o chão nos cacos; sentir 
o peso do próprio corpo aberto 
para autópsia:

- meu deus!

[está aberta
a temporada dos espantos
                        meu amor]

costurados na pele, os cacos

esquecem que já foram taça 


Publicado por Rubens Jardim em 21/10/2016 às 16h29

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