02/05/2017 14h40
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (91ª POSTAGEM)
CONCEIÇÃO EVARISTO(1946) poeta mineira, fez mestrado e doutorado em literatura. Começou a publicar na década de 1980 poemas, contos, ensaios e romances. Militante do movimento negro, nasceu em uma favela em Belo Horizonte. Poemas da Recordação e Outros Movimentos (2008) é seu último livro de poemas. RECORDAR É PRECISO O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos. A memória bravia lança o leme: Recordar é preciso. O movimento de vaivém nas águas-lembranças dos meus marejados olhos transborda-me a vida, salgando-me o rosto e o gosto. Sou eternamente náufraga. Mas os fundos oceanos não me amedrontam nem me imobilizam. Uma paixão profunda é a bóia que me emerge. Sei que o mistério subsiste além das águas DO FOGO QUE EM MIM ARDE DA CALMA E DO SILÊNCIO FILHOS DA RUA MARIANA DE ALMEIDA(19 ) poeta paulista, nascida em São Bernardo do Campo, é formada em Letras, e escreve no blog Diário Balzaquiano denunciando as dores e delícias de uma mulher que vive nos tempos atuais . É redatora e editora da página Casa da Poesia. Vive em Sorocaba. AS NOITES NA CIDADE As noites no centro das cidades São sempre tristes com suas ruas sujas Poças d’água encardidas de carbono Lama, cuspe, mijo e burocracias Do dia que passou. Não me iludo, as noites daqui São tão sujas quantos as de Paris, Nova Iorque, Marrakech e Milão. Noites que fedem a perfume barato, Cigarros, bebidas, catarro e sexo.
As putas do centro da cidade São exatamente as mesmas De qualquer lugar do mundo A maioria delas é filha de alguém E a maioria delas é mãe de alguém E a maioria delas é mulher de alguém E a maioria delas paga contas ao amanhecer E a maioria delas toma café e porrada Num bar miserável da cidade. É preciso sempre encarar a volta Algum buraco do mundo deve ser sua casa Algum buraco do mundo guarda suas histórias Algum buraco do mundo esconde toda a verdade. Eu nessa hora de insônia
Penso nas putas da General Carneiro Penso nas putas da Paulista, da Tijuca De Manhattan e de New Orleans Gostaria que elas soubessem Que alguém desse planeta absurdo Está pensando nelas.... No frio, No açoite, na coca, no medo, nos caras que chegam. Jogo minha bituca pela janela Observo a brasa se despedaçar ao chão Não sinto culpa, ajudo foder o mundo Denuncio nossa maldade Traduzo para você O que a noite não revelou. DE TODAS AS MULHERES De todas as mulheres do mundo Eu já fui todas De menina e santa Casta e puritana À sacana e insana Aquela que engana Em troca de qualquer aliança Já fui inocente como nova Já fui coerente como velha Já fui linda como a lua cheia Já fui feia como areia seca do sertão Já disse sim e já disse não Já entrei em templos e igrejas Já dancei com as bruxas sob o clarão Da imensidão da lua sobre o chão Já entornei o vinho, o lírio, a papoula Já mastiguei a hóstia, o pão e o sermão Já vomitei em latrinas de ouro Já comi em pratos de papelão Já fui feliz ao pisar na terra com pés descalços Já amei na beira do mar enquanto a água salgada Molhava meu vestido de flor Já chorei sozinha em rodovias desertas Sem carona, sem carinho, sem deus. De todas as mulheres do mundo Carrego cada uma delas no meu olhar. WILD SIDE O rasgar das roupas Das peles e da moral Adoro o instinto As vontades Que invadem Obedeço à elas Como escrava;
Desordem total Na manhã seguinte Cabelos desvairados Devagar recolho o que sobrou Volto para o mundo de óculos escuros Para as dores do corpo: Dipirona Para as dores psíquicas: Cafeína
Caço um cigarro pela casa Muitas gavetas cheias de nada Junto os trocados para ir à padaria Me perguntam quantos pães vou querer - Nenhum, obrigada. Só um expresso mesmo E um maço de Marlboro , light. GOSTO Um palpite, um poema ou uma taça de vinho Que pode ser a minha ruína Ou a minha fortuna; Ah, eu invisto mesmo para perder O que se guarda se morre sem nascer Eu aposto sob a luz da lua E faço vingar sob a pele O único sentido dessa vida. MARIANA BASÍLIO(1989) poeta paulista, é pedagoga e mestre em educação. Autora dos livros Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016), Prepara atualmente os dois próximos livros, Tríptico Vital (3º lugar ProAC 2016) e Megalômana. Possui poemas e entrevistas publicadas em revistas e fanzines de Portugal e Brasil. À memória de Allen Ginsberg O peso do mundo é o peso do sonho. Sob o fardo do amor, Sob o feitio da ilusão. O peso do mundo é um fator irreal. Sob o feitiço do perverso, Sob a finura do convexo. Mas quem de nós poderá negá-lo? Se a leveza é invenção abstrata. Se a natureza é limite brutal. Paraísos movem-se mais adentro. Peregrinos progressos rarefeitos. Moléculas de uma frágil história. Em céus que desabam, petrificados. Pois nenhuma elucidação, América, Há de salvar-nos. Nenhuma religião, Kaddish, Será poesia. Nenhuma dor, atemporal. I Se me disseres, amor, sou teu sonho. Dir-te-ei, rema, ardor, entre os olhos. Pois o canto que cantas é efêmero. E o que sou é estandarte do sol. A crescer frágil e rígido. A rasgar os votos sagrados. Entre a ruptura dos galhos. Repara no que te digo. Se me disseres: voa, sou teu laço. Fugirei hoje mesmo, desertora. Pois onde amo, não caibo. Pois onde vivo, não meço. Vaga, eu te vago. Vaso do vazio. Pureza do perene. Um adeus inerente. II São hemisférios os meus olhos. Ainda que crepitem os séculos. Ainda que naufraguem no presente. E não posso adiar o amor que sinto. O amor suporta o peso corpóreo. Atravessa a pobreza, o ódio, o abandono. Abraça o que se renega. Conduz o que não se mede. À sombra de uma árvore, resistimos. O amor e eu. No coração que é vertigem. Em vias remotas e poeiras estelares. Tudo é afinal, indiferente. Porque não posso adiar a vida. III Divino Nada. Toca-me o espírito. Como o fugaz sopro da morte. Como se o tempo fosse vida. E o futuro, minha sorte. Apresenta-me: desfecho. A inacabada via. Oferenda terrena. Inevitável meio. Divino Nada. Salva-me o corpo Em linhas versais. Sela os segredos Fluindo silêncios, Abismos minerais. Preposições são cantares, No princípio da imagem. Tu, fascínio em milagre. Por campos lacunares. O vasto total. Amiúde, o haver nos restará. O haver em branca transparência. Construções em pás de silício. Gravuras que se entrelaçam. O oco fundo, Divino Nada. NANDA PRIETTO(1998). Poeta mineira, é guitarrista da banda “Macacos & Donzelas”.Autora do livro de poemas Princesa mas peçonhenta (ainda inédito). Mora com os pais em Poços de Caldas/MG. É fanática por Rimbaud ("Uma Temporada no Inferno é minha bíblia") e adora Drummond e Kurt Cobain. Logo que li num site humanitário Que crianças cambojanas ganham Duzentos cents/semana Trabalhando quinze horas/dia Em fábricas da Nike, Arranquei meus tênis e os atirei Pela janela do meu quarto. Acertei os fios elétricos E causei um blackout no bairro. KAHLO Um trem de ferro que Me entra pela pélvis. Mas me distraio das fraturas Tendo orgasmos. Pintando frascos de fetos alados De anjos de asas mutiladas. Fazendo a autopsia De minha natureza viva.
Diego me queria Mulherzinha. Calcinha mínima. Echarpe. Pulseiras e colares. Cinta-liga. Mas calcei o meu strap-on E me fui À caça de seu sono. Ao acordar, ele: “Sonhei que Deus me Queria Parir menina”.
Então o vento que sou Capaz de exalar Ondula, belamente, os meus cabelos. Sou Eva, Lilith e todas As diabas vira-latas. Vingativa dos adultérios, Corto meus cabelos. Sementes de serpentes. Ordeno-lhes: “Entrem Pela uretra de Rivera”. RITUAL Que você está vendo. Meus cabelos exalam Gafanhotos e outras pragas.
Para a missa, entro nua De bíblia em punho.
Enquanto “eles” bebem, Em torno do altar do holocausto, As vísceras do crucificado mais recente, Recolho, um a um, os sêmens Dos cordeiros primogênitos.
Na rua, minha nudez é O que você está vendo: Câncer no coração. Vermes nos olhos. Lepra na genitália. A nudez é o que Você vê? Eu, nua Sob a burka. Democra$ia! Simulacros de intestinos que bebemos Exercitando Nossa ilusão de livre-arbítrio.
masoquista pusilânime Nunca senti saudade. Exceto Quando o céu e o chão fugiram Quando você Se foi cantando, Se metamorfoseando Em pássaro voando Para longe, para sempre, Para fora do alcance Das minhas unhas, das minhas pedras, da minha gaiola para serpentes. MELANCIA Minha boca, nossas bocas, Escorrendo. Biquínis. Umbigos. Tatuagens. Piercings. Vulvas.
Comemos o verão todo Besuntando de água a sede Uma da outra.
Febre úmida. Satélite. Abelha. O açúcar de teus segredos. Língua. Gilete. Vulva. Ânus. Stacy Martin. Lisbeth Salander.
Strapon não me expurga. (Prefiro dedos. Boca. Seios. Ânus. Vulva.)
Nós. Duas amantes púberes de Klimt. Duas de Les Demoiselles d’Avignon. Santas Teresas cantando baise-moi. Ombros desnudos propondo travessias. Risinhos de êxtases vespertinos. E quem olhasse veria apenas Duas crianças comendo melancia.
Publicado por Rubens Jardim em 02/05/2017 às 14h40
|