Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
12/06/2017 23h31
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (93ª POSTAGEM)

ALÍCIA DUARTE PENNA (19   ) poeta mineira, é professora de arquitetura e urbanismo, na PUC mineira, crítica de arte, arquiteta e geógrafa. Em 2005, escreveu sobre a artista Rosângela Rennó, no livro Fotoportátil. Em 2012, publicou o livro de poesia Quarenta Poemas em Dez.

AOS HOMENS DE PÉS BRANCOS

I

Há (talvez) uma escola daqueles homens

que sempre avisto na rua,

os pés firmes nas sandálias havaianas

que os dedos tesos transformam em botas

de passos urgentíssimos e retos,

cobertos por um pó-branco:

prumo-linha-esquadro-nível,

dias-meses-anos,

irredutíveis.

II

Serão necessários:

a data de nascimento,

o número da carteira de identidade,

o número de projéteis cravados na carne,

a hora da morte,

os exatos finitos,

para que:

o médico legista conclua a autópsia,

o juiz autorize o sepultamento,

o cartório libere o atestado de óbito,

a prefeitura conceda o serviço funerário gratuito,

para que uma mulher,

que espera,

uma filha,

que espera,

possam se despedir

daquele homem

há dias atingido quantas, quantas vezes,

na porta da casa que era a sua,

na rua onde é difícil chegar água, luz

e o carro de horrível nome rabecão.

E, enquanto esperam,

ninguém as ouve contar outra história

(a do homem que ensinaria a outros homens

as noções de prumo, alinhamento, esquadro e nível),

nem supõe a fome que sentem,

ali, e sozinhas.

UM QUARTO DE SÉCULO

Sofrer é pouco.

Ser feliz é pouco.

Quero o destino de volta!

O tremendo destino que tinha aos quinze anos,

o imperativo dedo de Deus apontando o absoluto:

sim é Sim, não é Não.

POBRES MOÇAS

Por que se olham – chispas –

como estranhas as moças?

Curiosidade não têm uma pela outra?

Sendo moças, que pouco viram,

por que se desviam, contrariadas,

daquela que é outra, mas si?

Acaso desejariam pertencer a humanidade alguma?

No temor da não-coisa,

o olhar anoitecido,

retêm suas sacolas junto ao peito:

as coisas às coisas salvarão.

Uma certa blusa, este cabelo, o ar

e a invencibilidade, apostam

(no encontro para o qual se preparam não se forma par:

vencedor e vencido saem separados ao final).

Desconhecem – desconhecerão sempre, sempre,

até velhas, até depois de velhas?-

os manuscritos, a revolução, a liberdade?

Em linha marcham:

dessemelhantes, desamorosas, ah, pobres moças.

Mas eis que uma se desvia, oh,

e amanhece!

A UM PASSANTE

Você não é belo ao passar.

Pálido ou indesculpavelmente branco,

cabelos recém-lavados,

óculos espelhados, de corrida como os de um cavalo,

o aro amarelo mal se equilibrando no rosto de ossos,

civil, moderna, heroicamente feio.

Traficante, dono da boca, do pedaço?

Não sei, mas sabe você como haverão de saber outros.

A caminho da favela, seus passos – planos – estão traçados,

como os meus. Em círculos caminho, circunscrita,

ou corro, presa da organização – outra? –

de que preciso, ser-no-mundo vasto e sem solução.

Raimundo poderia ser o seu nome quanto o meu,

em letra somente para poucos decifrável,

assinados em multidão.

MARCELA MARIA AZEVEDO(19   ) poeta pernambucana, já morou no Pará e vive atualmente no Rio de Janeiro , onde faz doutorado na UFRJ e estuda as relações entre Poesia e Psicanálise. É mestre em psicologia, e está finalmente preparando o material para publicação de seu primeiro livro: todas as mães são tiranossauras.

eu parti

como se cada figura minha precisasse de abandono.

saio de casa ao amanhecer

de corpo mudo

deixo minhas tralhas, lençóis, livros

que há anos ardem em meu respirar

e te renuncio

cautelosa, além do horizonte matutino

onde naturalmente as coisas se transformam

e as memórias se desfiguram, ingênuas

em nosso despertar.

eu sinto muito, pai

mas já não conseguia suportar minha outra mulher.

AOS HOMENS QUE USAM ALGUNS GRAMAS DE ANALGÉSICO PARA FINGIR UMA ILUSÃO

que colocam os quadros de família no centro da sala de estar

junto de almofadas importadas e tapetes carregados com a poeira do século

falam com as bocas cheias de nunca peço desculpas

e derramam gordura nas toalhas de mesa de suas mães

a vocês

que nos tiram a presidência

os ministérios

os peitos caídos

as bundas murchas

e o nosso envelhecer

eu ainda uso as mesmas roupas

aqueles farrapos históricos que sobraram dos anos 80

cheios de rostos que são como cemitérios

a sua dor de cabeça vem do centro de sua mãe

e ela dói como dói uma mulher

por sermos diariamente extintas

e tiranossauras

EXPLICAÇÕES SOBRE A BIOLUMINESCÊNCIA

ou um ensaio sobre a saudade

este poema começa com três palitos de fósforo

e um cigarro perto da janela

: fiat lux

comunicação luminosa

você na cadeira ao lado asmática

em mil novecentos e noventa e seis

- eleonora se foi -

depois eu já não sei o que penso

pensando em você todos os dias

há manhãs que somos anne sexton

suicidadas em nossa própria casa

com um pouco de vodka

e sylvia plath

jornais acumulados

isqueiros guardados na segunda gaveta

meu útero podado

há manhãs que tudo são fótons

em ascensão e ascendência

da chama que guardo

inteira acesa

com teu gosto

e adeus.

POR UM CONSENTIMENTO EVOCATIVO DE TERNURAS

eu visitei o quarto de frida kahlo, sister

vi mulheres de batons rubi com a mesma cara amarela da nossa mãe

: a que ela usa nas fotografias dos álbuns de família

e nas caixas deixadas ao avesso de qualquer solidão.

don’t do that, woman

let me get you another drink

intervalo uma mulher

uma qualquer dessas que existem num atlas de imagens invisíveis

sentada num banquinho de 30cm de onde assiste o percurso do sol enquanto faz seu

[crochê

brincando de nostalgia com o toque da agulha que eventualmente perfura os seus dedos

e lugarejando o mundo com um olhar marejado

eu visitei o quarto de frida kahlo, irmã

tinham potes de lágrimas junto à foto de diego

e eu só conseguia dizer à minha mãe

: please don’t do that, my woman

let me get you another drink

LUNA VITROLIRA(19  ) poeta pernambucana, declamadora, atriz e performer. Com seus espetáculos de récita performática, Não Os Queríamos Sagrados e Sala de Estar, Luna tem participado de importantes eventos literários como a Balada Literária/ SP; Festipoa Literária/RS; CLISERTÃO/ PE; Festival Internacional de Poesia do Recife/PE; Jornada Literária Portal do Sertão/PE; Bienal do Livro de Pernambuco/PE e outros. 

MARTELO

O amor bate seu martelo

sempre

no mesmo prego

até acertar

o dedo

HÁ DIAS

Há dias em que necessito silêncio

e não quero me mexer

e não quero falar

e não quero abrir os olhos

nem sair de dentro de mim

Há dias em que sou paz e guerra

tumulto condensado em meu tumulo

alguém que tenta ler o futuro no lodo das horas

procurando sonhos dentro de um  balde

Há dias tenho sono

vivo exausta da ignorância alheia

E sinto saudade do pé de manga da minha rua

onde eu empinava pedras e não pensava na morte

O AMOR

É feito bala perdida

que acerta um desavisado

ao cruzar a rua

Ao dobrar a esquina

Às vezes vem num soco

Às vezes num grito

O amor às vezes é isso

Uma panela de água fervendo

no rosto de alguém querido

às vezes esmola

às vezes migalha

que se devolve com um tiro

ou acaba em facada

o amor tem medo da vida

uma hora eleva

na outra arrasta

desconfia da sorte

tem medo da falta

O amor corresponde à entrega

com uma rasteira e às vezes mata

De tirania

De asfixia

de ciúme

De raiva

Como alguém que se alimenta

e de repente engasga

CREDO

Eu acredito no amor

de porta de banheiro de muro pichado de acento de ônibus

de alto de prédios  de orelhão quebrado

 

No amor que singra as pontes do Recife ao meio dia

que corre pra cruzar a rua

driblando buzina no meio da vida

no amor que xinga e colhe uma flor

corresponde um aceno

 

acredita em destino e acaso

ama e odeia ao mesmo tempo

Eu acredito no amor de Eurídice e Orfeu

no amor que desce ao inferno e volta de mãos vazias

no amor de Medéia, de julieta e no meu

que não ultrapassa o clichê de um sonho de padaria

 

Eu acredito no amor de uma criança

por seu cachorro e seu boneco

sem fazer distinção de afeto, porque em ambos lhes cabe vida

no amor pelo feio, pelo disforme, pelo que é ignorado

no amor que zela e machuca com veneno e cuidado

Eu acredito no amor de Nena por sua bodega

 

no de Deja por seu Jardim no de Seu Castelo por sapos

 

no de Dona Chocha pelas roupas e no de Angela por seus gatos

acredito no amor que corre as ruas da minha infância

no amor que dá bom dia

que ajuda uma velha a segurar sacolas

 

ou no amor que empresta seu ombro como guia

pra atravessar o delírios das horas mortas

acredito no amor da minha mãe por mim e

mais ainda pelo vício de cigarro com coca-cola

no amor que acontece nos becos, as escuras, sobretudo

e todo amor que nasce proibido e permanece clandestino

a espreita pra quem sabe se tornar público

no amor de duas vulvas

no amor entre dois falos

no amor que se embaraça

e serena pra findar grisalho

no amor que não tem número

que geme, rosna e grita

vulnerável, enciumada

 

infiel e homicida

de posse e possessão

 

amor que supera as distâncias

da convivência

que muda de calçada nas brigas

e se mostra mais amor em complacência

e não sucumbe aos apelos da liberdade ou de uma prisão

amor de banco de praça

que desalinha

 

mas depois  entrelaça

amor que se despede

se desespera

se despedaça

 

amor que não cabe num ínfimo segundo em que a morte o assalta

ADÉLIA DANIELLI(19 ) poeta potiguar, cursou letras e ciências sociais na UFRN. Divulga poemas na internet e participou de três publicações coletivas: o livro  Por cada uma (2011) e os zines Entre Seios e Revoada. Seu primeiro livro solo, Bruta, foi lançado em maio de 2016, Numa sexta-feira 13.

Minha anatomia

minha autonomia

à disposição

da sua língua

vadia

..............................................................

No interior

das coxas

uma lambida

e uma mordida

mel e pão

no café da manhã

...............................................................

 

venha me tomar

de corpo e alma

tomar meu ar

meu café

a poesia que paira

sobre esse lugar

que se instaura

em cada coisa da sala

nesse momento

em minhas mãos

em minha mente

em mu coração

venha me tomar

absorer a canção do silêncio

da fumaça saindo da bca

da calmaria real

desacelarada

e presnete no momento

presente

sem lucidez ou utopia

sem metafísica

sem reparar nas horas

sem saber qual é esse dia

apenas venha

me tome

me absorva

.........................................................

 

há uma linha tênue

entre todas as músicas

que mais amo

e seu sorriso

conversas sobre tempo

e espaço não me resgatam

do lugar em que me encontro

apenas eu dançando pra você

e o nada

meu processo criativo

está fascinado pelo jeito

que você fala

tem uma charla no discurso

bem argumentado

e os olhinhos

que hora se apertam

hora estão arregalados

me perco nas ruas

que ando todos os dias

pego os mesmo ônibus

errados

uso pares de sapatos trocados

porque

eu não estou mais em mim

 


Publicado por Rubens Jardim em 12/06/2017 às 23h31

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