Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
30/06/2017 15h36
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (94ª POSTAGEM)

CLAUDIA QUINTANA (1969) poeta paulistana, é  médica formada pela USP  e especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford, além de pós-graduada em Intervenções em Luto. É pioneira no Brasil na área. Publicou o livro de poemas Linhas Pares (2012)  e colaborou no livro Cuidando de quem cuida (2015) e em breve publicará A morte é um dia que vale a pena viver.

No avesso de um carinho

sonho que teus cabelos acariciam meus dedos

encosto meu peito nos teus ouvidos

e teu coracão me conta, marejado de amor.

 

é no alto da noite que a tristeza mais silenciosa vai chegar hoje,

a saudade me despertará.

De qualquer lado que eu viva hoje,

o outro adormecerá vazio.

Tem dias que sou

feita de lua.

PREFIXOS

Tenho um pré-sentimento

de dias muito longos

Uma noite com um pós-sentimento

que des-colore os dias e

dolore o sonho.

 

Re-sentindo, caminho.

Não tenho mais verso, só re-verso.

PRECE

Pensar que deixo esse amor quase como uma religião

já não seria tanta benção como

são meus lábios

que rezam todas as noites palavras santas

gratificando a vida

antes de pronunciar teu nome.

Só agora entendo que poesia existe

para que me descanse de palavras

prisioneiras da minha mente onde sobrevivo.

Em algum lugar sagrado deve haver uma casa azul sobre a colina onde

te espero. E nesse tempo depois de Cristo, amo mais é você.

A TRAIÇÃO

a vida que se entrega para

a morte que trai

que chega sorrateira, meio sombra

não diz que vai te levar dali alguns dias

e tudo parece tão rotineiro

que nem vale a pena gastar um tempo pensando no fim

 

a morte que chega hoje,

que chega agora

que chegou há pouco,

 

tão rotineira a morte

tão rotineira a vida.

 

A tarefa do dia

é reconstruir tua ausência.

PATRÍCIA CLAUDINE HOFFMANN(1975) poeta paulistana, mora em Joinville desde 1981. Cursou letras e é professora da rede estadual de ensino. Autora dos livros de poesia:  Água Confessa ( 2001), Sete Silêncios (2004 ), Matadouro Imperfeito (2016), e Feito Vértebras de Colibris (2017). Este último integra a coleção Mariana Edições movimento que promove a literature produzida por mulheres. 

COLISÃO DE ESPERAS

Saberás desabitar teu tempo

nas vértebras dos colibris.

 

Ainda que colidam esperas

e multipliquem-se de vésperas.

Ainda que removam teus navios

e os desafios envelheçam.

 

Saberás do espelho

nos rigores dos olhos

que molham a cara.

 

E tudo será retrospecto,

avulso...

sem ramificações

que não sejam marítimas.

 

Saberás legitimar das fraudes

o esquecimento,

a desmemória-chave

do que agora recomeça

e já não pode ser outro

por falta ou excesso de pacto.

 

Sorverás da palavra

a nódoa imperdoável

da beleza.

 

Rezarás inúteis distâncias

por causa das gentes

e estas ressurgirão

no tardio de cada urgência.

 

Saberás,

no pontal das cegueiras,

das bandeiras que se dissolvem

quando feitas de gelo e sal.

 

Deixarás teu tempo

como o animal que deixa

- do combate ao ninho -

o incompatível caminho.

                                               - É teu sigilo voltar.

 ORATÓRIOS D’ÁGUA PARA GUARDAR HOJES

VIII - da imersão nos dias -

Remir-me

no estreito dos igarapés,

através do corpo em salmo.

Salvo a promessa adiada

de esquecer aqueles dias.

 

Imersão. Compressa.

Glândula do rio.

 

Peito raso. Ocaso.

Olho mais fundo que o vazio.

 

Rápida calêndula. Gôndola.

Calendário d’água. Memória.

Morna. Sonda.

Sublimação do estio.

 

Lavar a cruz

do que não se cumpriu

esforça muito uma oração.

Se há elevação.

 

Escavo no rosto da sombra

um outro leito.

Até completar o abrir da lágrima

na remissão do extremo.

 

E remo.

ATÉ QUE OS PORTÕES DESISTAM

                 para meu pai em despedida

A paz cansada em teu rosto

de quase tudo

já disperso.

 

Cada um conhece sua espera.

 

Todas as horas reunidas

concluíram-te sem manifesto.

 

Que imagem te recolheu?

Que derradeiro pensar?

 

Lembro do contra-aceno

em teu olhar,

no velejar de arames

farpando de medo

nossas verdades.

 

As mãos da morte tão fechadas...

 

E eu tendo que ficar:

inquisição, pedra, moinho.

 

Os ventos grávidos de sabotagem

a amparar andaimes

do que não fui.

 

Agora,

aqui nesse pasto de saudade

a vida foge dos dias:

requer instâncias mais desprendidas

para a devolução do sono.

 

Até que os portões desistam.

A CONDIÇÃO HUMANA

Que possamos ainda nos perder

mas só até o perdão da palavra,

de onde ela brota

sem nenhum diamante.

 

Dinamitada...

bruta, exausta

frente a uma luta

que insulta e absorve a si mesma.

E se refaz.

 

Que possamos ainda nos curar

do mundo. Ou ele de nós.

Curvarmo-nos ao sol depois...

dos solavancos dessas rotas.

Escusas. Escoltas.

 

Nos retiros para longe (mas para onde?)

desses mostruários

de monstros e martírios,

 

de tudo o que craveja e é diário.

E nos trafega sem sentido,

mesmo sem ser tiro.

 

Que o susto não nos veja mais

assim,

menos humanos,

a abrir o lacre dos sacrifícios,

dos massacres...

 

Nem os astros nem os apelos

da Via Láctea nos vejam.

 

Entre lamentos e atropelos

sob as estrelas...

nossas celas abertas,

em filas...

os filhos acelerados

morte adentro

da noite sem trancas.

 

Que os bichos não nos vejam!

Não nos vejam!

LUIZA ROMÃO(19  ) poeta paulista, é atriz e diretora de teatro. Também é arte-educadora, já tendo trabalhado em diversos programas e projetos de cultura. Publicou o livro Coquetel Motolove(2014) e participou de inúmeros saraus/slams (sendo campeã do Slam do 13, Slam da Guilhermina e vice-campeã nacional via Slam BR). Criou mais de quinze videopoemas, explorando a linguagem do spoken word.

POEMA pra ser lido em DESAFORO

(ou metáfora em legítima defesa)

poesia é a palavra em estado de lança-

chama que faz mijar na cama

quando não samba

é lama em pé de criança

e rasgar teia de aranha

poesia é a vingança da cigarra:

enforcar a última formiga

nas tripas do último louva-deus

 

poesia é o império do ócio

é trabalho e não negócio

 

sou mais a simplicidade de um grito de guerra

que o hermetismo de um verso decassílabo:

é preciso desaprender gramática

para entender a lírica

de cinco mil famílias exigindo moradia

é preciso desmontar corretores

para entender a semântica

de uma mulher se tocando pela primeira vez

aos quarenta e dois anos

 

só acredito num soneto sujo de terra

perfeita métrica

de alicate com cerca elétrica

 

pense num despejo:

não há metáfora que resista

à arquitetura retrô de um new-shopping-vertical

faltam eufemismos

quando a casa vira ponte

e viaduto torna lar

 

poesia é mais que beat box hip hop hype pop cult rock

da quantidade de caracteres encavalados num estoque

é a voz que berra e carrega

o desejo de ser com o outro

um só corpo

 

quando inicio um verso

converso

com as dezoito mulheres

que antes de mim

sim

tiveram fala estéril

 

não é denúncia

é revide

de mão fechada

e peito aberto

que sem pulmões

um poema é abscesso

 

alerto:

caneta é artimanha de boteco

poesia está no inverso

é cicatrizar os pulsos

e erguer os punhos

que renascer se faz na luta

CORAÇÃO DE FRANGO

e o coração,

quanto pesa?

perguntou ela,

moça magrela

de expostas costelas,

ao homem bigodudo

detrás do balcão.

 

depende,

de boi ou de frango?

 

intrigada

não entendeu,

pois era do dela

que tratava.

 

sabia que pouco valia,

era carne fraca

sangue de anemia

que batia mais por inércia,

do que serventia.

 

na verdade,

queria fazer uma barganha,

trocar seu coração

por, quem sabe,

um naco de picanha.

 

o homem não estranhou a proposta

da moça de costelas expostas.

era a terceira vez

que vinham lhe oferecer

aquele estranho produto

já conhecidamente sem uso.

 

mas por pena ou caridade

lhe ofereceu em troca

duas asas de frango.

o que era muito,

comparado ao seu tamanho.

 

faminta,

aceitou sem demora.

lambuzou-se com as asas alheias,

visto que ela,

bicho terreno,

não conhecia tais atrevimentos.

 

até hoje não se sabe:

se foi a gordura espessa

ou a carne fibrosa

(tão desconhecidas a seu corpo de menina)

que lhe causaram alucinação.

 

fato é que

munida da carcaça das duas asas,

uma em cada mão,

acreditou-se ave,

ave maria,

e do parapeito da janela,

estufou o peito externo.

de um só golpe

sentiu o corpo leve.

 

o voo foi breve.

o baque, surdo.

a carne mole,

moída na calçada,

parecia que indagava:

 

e meu corpo,

quanto vale?

ERAM TEMPO DE ÓDIO E FERRUGEM ANTIGA

Eram tempo de ódio

e ferrugem antiga

de muito grito

e pouca voz

tempo de ritalina

amnésia e aspirina

 

eram tempos de roleta russa

e guerra fria requentada

como se miami fosse terra prometida

e cuba, a praga infestada

 

eram tempos repetidos

história como farsa

história como força

história como falsa

história como forca

estouro com foice e faca

 

e continua nessa jornada

enquanto falar não seja denúncia

nem triunfo da barbárie

 

entenda:

sua panela de teflon não conhece a fome

seu milagre faz crescer o bolo

mas não multiplica os pães

de que adianta ir pra rua,

se você não sai de casa?

 

que venham os touros furiosos

continuarei erguendo

minha bandeira vermelha

porque meu sangue é rubro

e não azul

(muito menos amarelo)

se pinta sua cara de verde

na mão, carrego martelo

 

mais que tomar partido

é tomar coragem

de enfrentar a cruz e a bala

da sua bancada milionária

 

se for preciso teremos guerra

ressuscitaremos marighella

mas sua ditadura

não aceito como remédio

PEDIDO DE CASAMENTO

caso contigo,

mas o caos

continua comigo

LUIZA MIDLEJ (2000) poeta brasiliense, começou a escrever com 13 anos, usando cadernos com capa simples, para não chamar atenção. Gosta de fotografar, catar conchinhas na praia e curtir poemas de Juliana Motter, Leminski e Fernando Pessoa. Em outras áreas suas predileções recaem sobre Frida Kahlo, Picasso, Van Gogh, Sebastião Salgado, Mick Jagger e Djavan. Publicou o livro Circunscisfláutica (2015).É a mais nova integrante de AS MULHERES POETAS...

injusta

essa saia justa

em que você nos colocou

não sei se saio

se ensaio

se fico

não sei se você ficou

essa história não tem verbo

não tem concordância

não sei se é conto

ou prosa

mas sei que ainda é criança

........................................................

sou fruto

da fruta

que se descasca

se despedaça

se decompõe

quando alguém ameaça

me tirar do pé

até que eu cresça

amadureça

e aí

seja o que deus quiser

...........................................

abri os olhos

e não te achei

tentei o olho mágico

você não apareceu

abri a porta

e não te vi

resolvi, então

abrir mão

mas nada adianta

eu só te alcanço com o coração

..............................................................

a garoa aqui

também é pranto

em

são paulo

só morre são

quem nasce santo


Publicado por Rubens Jardim em 30/06/2017 às 15h36

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