Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
10/01/2018 21h38
DIANTE DO TÚMULO DE RILKE

O poeta e jornalista Wanderley Diniz também esteve no túmulo de Rilke, em Raron, Suiça. E muito antes de minha peregrinação. Ele esteve lá em 1975 e eu em 1992. O belo poema abaixo é o resultado de sua viagem.

 

Prometi ao amigo e poeta Rubens Jardim, depois de sua bela postagem sobre Rilke, que eu também diria sobre a peregrinação que fiz ao seu túmulo, em Rarogne, na Suiça. O resultado foi publicado anos depois, no Suplemento Literário do Minas Gerais, edição de 15 de fevereiro de 1975. Ei-lo:

DIANTE DO TÚMULO DE RILKE

Wanderley Diniz

1.
É aqui Rarogne, onde o poeta dorme.
O Rhone, lá embaixo, é um vale gelado
onde o verde se transformou em branco.

Do poeta, aqui estão as cinzas,
mas nem isso percebo. O que vejo, todos
os olhos vêem: uma lápide enfeitada
com fores e velas apagadas.

Estou aqui, é certo, mas como ausente.
O coração anda longe, vaga perdido
entre palmeiras, no país
onde apagaram o sol.

E é por isso que pergunto ao corpo:
o que faz, presente aqui aquele que se pretendia anjo,
buscando lágrimas diante do cofre 
que encerra o que os pressentiu e cantou?

E talvez seja exatamente isto o que lamento:
- a certeza de que jamais serei um anjo.

2.
É verdade, confesso, que não soube suportar
a solidão e nem tampouco confiei na primavera.
Ser mortal, sei que meus braços são curtos,
disforme o meu corpo,
pequenas e grossas minhas mãos,
e - ai de mim - meus ouvidos já não sabem
a sonoridade do Eterno.

3.
Nenhum segredo conhecerei.
Agora e sempre, a música do roçar do vento
nas folhas, será sempre o barulho comum
do vento no vegetal, e não poemas que somente
ouvidos treinados percebem.

No entanto, nem sempre foi assim.
Tempos houve em que, como um cão,
eu podia perceber a magia da lua
e ganir meus versos para o astro.

Mas, agora, como crer outra vez que legiões
de anjos andarilhos descansam em suas crateras,
se delas conheço a geografia deserta?
E, ainda assim, como fazer chegar a esses ouvidos
o grito angustiado, se a voz e o ser estão presos
à dimensão comum das coisas?

4.
Conformar. Ouvi esta palavra que é justa e é ordem.
Esqueci outras esferas e vivo apenas o humano existir.
Cerrei, definitivamente, os ouvidos às estrelas 
e creio, sinceramente, que os animais não falam.
Olvidei, para sempre, a forma das árvores,
e digo a todos que a flor é anti-natural.

5.
É isto: sou prisioneiro do real
e estou contente em suas fronteiras seguras,
pois já não existe o perigo de ser um anjo disfarçado
o mendigo que bate à minha porta.

Também por segurança, já não retorno
à infância, tempo de aventura e magia,
mas posso dormir tranquilo, pois há um guarda
em cada esquina do mundo,
velando para que os sonhos sejam parcos
e que a única certeza realmente certa
seja a morte, que um dia chegará.

6.
É assim que estou em Rarogne,
onde o poeta dorme: tenho trinta anos,
milhares de quilômetros rodados,
e o corpo coberto por tatuagens, 
lembranças de hotéis, estações vazias
e portos que serão sempre saudades de pedra.

Estou aqui com a certeza de que jamais
ouvirei o apelo e nem sentirei outra vez aquelas
mãos poderosas que me arrebatavam
e me passeavam por paisagens que davam
ao poema o calor dolorido de oração.

Trago de volta, e deixo aqui, sobre a lápide,
o coração conformado:
- tão branco como o vale lá embaixo, 
onde o Rhone rola as suas águas tranquilas,
indiferente a palavras, gestos ou soluços.


Publicado por Rubens Jardim em 10/01/2018 às 21h38

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