Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
10/04/2018 13h25
DESABAFO DE UM VELHO JORNALISTA

Tenho 71 anos, nasci na classe média, tive todos os tipos de privilégios--e me envergonho de todos eles. Fui jornalista a vida inteira e convivi com um bando de gente batuta. Na própria editora Abril lembro de jornalistas como Audálio Dantas, Mário de Andrade, Ruy Fernando Barbosa, Milton Coelho. Lahlo Tavres. No jornal Panorama, de Londrina, lembro de Narciso Kalili, Haf, Miltainho, Jaime Leão, Trajano.Na Gazeta Mercantil lembro do Muller, Lachini, Klaus Kleber, Estosteguy, Anthony de Christo e muitos outros.Pois é. todas essas pessoas ainda tinham alguma liberdade--até no modo de escrever.E vivíamos em plena ditadura militar. Nessa época não existiam esses manuais de redação e nem essas textos uniformemente retilíneos. Sei lá pq, os proprietários desses conglomerados de jornalões e revistas permitiam até matérias que não atendessem a seus interesses comerciais e políticos..Lembro que todos eles acolheram jornalistas perseguidos pela ditadura. E alguns até defenderam e protegeram esses jornalistas. Hoje, lamentavelmente, tudo isso é coisa morta. Penso, dentro da pobreza instalada em minha vida, que esse fenômeno deve ser consequência do aparecimento progressivo da neblina que cobre a chamada democracia e o surgimento de gestores mais ligados ao capital internacional do que ao capital cultural e econômico do nosso país. Não há dúvida que essa profissão foi degradada, precarizada.E o resultado mais claro dessa uniformização das palavras e das imagens, pelo menos no meu entendimento, é o que está acontecendo em nosso país: a transformação de uma questão grave e séria que é a política em um um jogo de cartas. Ou em em um jogo de futebol. Mas a sociedade do espetáculo é assim: equaliza violência, bárbárie e miséria. E toda essa conversa mole --e pra mim irritante-- de combate à corrupção, não passa de uma desculpa para a reafirmação de preconceitos sedimentados há muitos e muitos anos. Todas as nossas instituições são geridas e administradas por pessoas privilegiadas.Que tiveram desde a infância um cotidiano razoável, decente. Mas essas pessoas que ocupam posições de destaque no serviço público, em geral, não servem ao público. Ou ao povo. Acham-se superiores e não mostram nem um pouco de sensibilidade aquilo que constitui a realidade brasileira. Quando 82% da renda familiar do nosso povo vai te zero até pouco mais de 3 mil reais, o que é menos do que o abjeto auxílio-moradia, tudo fica muito complicado.E quando prendem um cara como o LULA, sem provas, por uma suposta propriedade de um apto no Guarujá, eu fico indignado e envergonhado. Mas sinto, graças ao último discurso dele antes da prisão, que devo abandonar minhas frescuras pequeno-burguesas, minhas pequenas dificuldades pessoais, meus desapontamentos com amigos e familiares, e prosseguir na caminhada. Sei que sou um poeta menor, sem obra significativa.Mas me empenhei, durante mais de 50 anos, em reaproximar a poesia do povo. E vou continuar nessa batalha lírica, certo de levar adiante a parcela que me cabe na luta contra todas essas e outras injustiças.


Publicado por Rubens Jardim em 10/04/2018 às 13h25

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