LEMBRANDO MÁRIO DE ANDRADE
Sozinho Na Estação Rodoviária Olho pros lados do Tietê E me lembro De Mário de Andrade. Onde estará aquele rio E onde estará você, Mario? E a cidade de antes Com seu solo e seu sentido? Os homens levaram muitas coisas, Mario. Mas águas do Tietê ainda estão aqui E correm, ligeiras e limpas pelo corpo Do poema. Impossível navegá-las hoje Pois elas misturaram-se a tudo: Aos alicerces dos prédios, Ao corpo das fábricas, Ao derradeiro gesto dos suicidas E às primeiras janelas Que se abrem nas manhãs. Mas para ver o que, Mario? Ou viver de que? Aqui e ali acorda a vida da cidade. Erguem-se pessoas. Suspendem-se gestos. Avançam carros e cachorros. Um trem desperta os trilhos da paciência E eu me recuso a guardar o silencio E a esperança. Eu quero mostrar que existe uma neblina Fina que já não cobre o sonho do teu povo A demagogia dos teus políticos, O vôo dos teus pardais E o amor devastado de tuas mulheres E sábios e iletrados. Mas de qualquer forma também quero mostrar Que a minha alma vive longe e nítida À sua maneira. Por isso vejo menos a multidão Que se arrasta, muge, falsifica e esconde Do que os amores que tive E deram o sentido desta hora. É noite Mário. E tudo é noite. E noite na Itambé, É noite no Iraque E noite nas Marginais É noite no meu coração devastado. Em váo tento falar com os deuses que povoaram a minha infäncia. Eles desapareceram junto com os cavalos, os barcos a vela. e as praças veneráveis. Não sobraram nem as locomotivas nem os trilhos, nem os apitos dos trens. Mas a tua voz está aqui, Mario, nesse emaranhado de ruas que a tua cidade não cansa de criar.(inventar) Mas pra que tudo isso se os versos já não falam em partir e nunca mais voltar? Sejamos realistas, Mario: os tempos mudaram e o teu velho rio pródigo em peixes, é hoje um imenso saco de lixo onde jogamos pneus, chinelos, camisinhas, merda e cadaveres de passarinhos. Um outro poeta disse que passarão as cidades os homens os edifícios de apartamentos os aviões os satélites e as tuas águas --velho Tietê -- continuarão correndo correndo e correndo, como sempre para o futuro. Mas que futuro é esse que não rompe com esse albergue de fantasmas? É noite Mario. E tudo é noite. É noite na Cristiano Viana É noite na Lopes Chaves É noite sobre os tinteiros dos meus tempos de escola. Rubens Jardim
Enviado por Rubens Jardim em 20/05/2006
Alterado em 23/07/2008 |