14/02/2011 21h59
O POETA AUGUSTO DE CAMPOS COMPLETOU 80 ANOS
Ninguém pode negar que o movimento da poesia concreta alterou profundamente o contexto da poesia brasileira. Pôs idéias e autores em circulação. Procedeu a revisões do nosso passado literário. Colocou problemas e propôs opções. Lembro-me da expressão joyceana verbivocovisual, uma espécie de síntese integrada das dimensões semântica, sonora e visual das palavras. E que permaneceu, ao longo desse tempo todo, no horizonte da produção desses poetas. Isso sem falar nos suportes e nos meios técnicos mais diversos que foram sendo utilizados: livro, revista,jornal, cartaz, objeto,LP, cd, videotexto, holografia, vídeo, internet. Além disso, o grupo de poetas concretos – Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grunewald e Ronaldo Azeredo –empenhou boa parte de sua atividade teórica na constituição de um repertório de formas poéticas, por meio da revisão crítica de autores e da tradução de uma grande variedade de obras de outros idiomas para o português. Caso de Mallarmé, Ezra Pound, Cummings e James Joyce—principalmente. 62 anos só de poesia Com 18 anos, Augusto publicou seus primeiros poemas.Foi na Revista Brasileira de Poesia, editada pelo Clube de Poesia, entidade ligada ao pessoal da Geração de 45. Dois anos depois surgiu seu primeiro livro: O Rei menos o Reino (1951),Edições Maldoror. No ano seguinte, junto com o irmão Haroldo e Décio Pignatari, participou da criação da revista Noigrandes, palavra misteriosa que aparece nos Cantos, de Ezra Pound, decifrada como 'antídoto ao tédio' e dá origem ao grupo que iniciou o movimento da Poesia Concreta no Brasil. Datam dessa época, a aproximação com os artistas do grupo ruptura (principalmente Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Lothar Charroux e Luiz Sacilotto).No segundo número de Noigrandes(1955) publicou poetamenos, uma série de poemas coloridos e dispostos de maneira original na página, inspirados na música de vanguarda de Anton von Webern (1883-1945). Em 1956 e 1957 participou do lançamento oficial da Poesia Concreta na I Exposição Nacional de Arte Concreta (MAM/SP e saguão do MEC-rio). A realização desse evento conseguiu reunir pintores, escultores e poetas, todos unidos em torno de um princípio comum: a arte concreta. Em 1958 participou, com Haroldo e Décio, da redação do Plano-Piloto para Poesia Concreta. Entre outras coisas eles anunciavam o fim do verso como unidade rítmico –formal e propunham uma nova arte geral da palavra. Conforme eles mesmos disseram: ”com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens”. Entre 1960 e 67, integrou a equipe de Invenção –que publicou uma página semanal no jornal Correio Paulistano e depois uma revista com o mesmo nome. Durante a década de 1970, Augusto de Campos, uniu-se ao artista plástico Julio Plaza,e lançou dois volumes de 'poemas-objeto', contendo textos tridimensionais, Poemobiles (1974) e Caixa Preta (1975). Dois livros apresentam o básico de sua obra: Viva Vaia – Poesia (1979) e Despoesia (1994). Tem publicado vários livros de ensaios críticos. Atuante crítico de música na década de 1960, foi um dos primeiros a reconhecer o talento poético de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em ensaios reunidos no livro No Balanço da Bossa (1968). Atualmente, dedica-se a investigar novos meios para a poesia, como a holografia e a computação gráfica. Com vocês a palavra do poeta:
Ad Augustum per Angusta Vou longe. Mar. Amar. Sempre o mesmo calado. Tal amor. Calabar. Traidor e enforcado.
O sol é uma criança De brilho, que não cresce. A balança, a Balança: Um sobe. O outro desce.
Ó remos, onde iremos? Cortais pólo e equador Com igual dor. Ó remos? Oremus. Doloremus.
Ascendo, ascendo à ilha? O sol, como brilha ante O mar. Eu sigo adiante, Pérolas na virilha.
Vou longe. E o Sol não. Coração, “Sursum corda!” Sol longe. E eu inclinado. “Acorda, coração!” (publicado originalmente em Forum, órgão oficial do C.A. 22 de Agosto) I Onde a Angústia roendo um não de pedra Digere sem saber o braço esquerdo, Me situo lavrando este deserto De areia areia arena ceu e areia
Este é o reino do que rei que não tem reino E que -- se algo o tocer -- desfaz-se em pedra. Esta é a pedra feroz que se faz gente --Por milagre? de mão e palma e pele.
Este é o rei e este é o reino e eu sou ambos, Soberano de mim: O-que-fui-feito, Solitário sem sol ou solo em guerra Comigo e contra mim e entre meus dedos.
Por isso minha voz esconde outra Que em suas dobras desenvolve outra Onde em forma de som perdeu-se o Canto Que eu sei aonde mas não ouço ouvir. (do livro O Rei Menos o Reino)
IV Nesse reino Onde eu sou o rei e és a morte rainha Ou onde eu sou O rei e és a rainha morta e a morte São meus braços,
O referido reino onde os tristes vassalos Nunca encontram o rei que em si mesmos procuram E onde o rei se coroa à falta de vassalos E onde à falta de reino pisa o próprio corpo (Duro reino),
Tu, que apenas me restas, tu, agora morres, Morres a dura morte Na carta do baralho em que te enterram viva.
Rainha morta, Morta nesse reino Onde és tu a encantada e eu que tenho o Canto Que a mim só desencanta, duro como as pedras À seda que adormece em teus ouvidos:
Já que eu não posso mais desencartar-te Ao meu Canto que é antes Desencanto, Encanta-me contigo Morta e rainha à tua Mais do que fala Fábula.
(do livro O Rei Menos o Reino)
Diálogo a Dois “A Angústia, Augusto, esse leão de areia” Décio Pignatari
A Angústia, Augusto, esse leão de areia
A Angústia, Pignatari, Oleiro de Ouro,
(do livro O Rei Menos o Reino)
O Vivo
Não queiras ser mais vivo do que és morto.
(do livro O Rei Menos o Reino)
A igreja nova
Dodecassílabos
Ferida
Publicado por Rubens Jardim em 14/02/2011 às 21h59
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