07/10/2014 13h19
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(54ª POSTAGEM)
SANDRA FONSECA(1961) poeta mineira, escreve desde a adolescência, é psicóloga e trabalha como terapeuta. Participa de alguns sites de literatura na internet e de antologias poéticas no Brasil e Portugal. Seu primeiro livro “Dez Violinos Marinhos e Uma Guitarra de Sal” foi publicado este ano, em setembro de 2014 É AQUI É aqui Onde toco as palavras Que sei de mim Alguma certeza A alma contra a luz Do dia Os ossos, a carnadura A leveza do ouvido Colado à brisa A canção que só a mim Cabe silenciar E a boca pausada Se movimenta E articula a beleza Secreta e sedenta O mistério da palavra Ouvi A poeia me canta Por dentro Como um pensamento Como uma coisa imorredoura Sangramento Sem causa E sem pausa Arrastamento É aqui Que eu encho os meus olhos De absurdo E de espanto É aqui que eu fecho os meus ouvidos E canto
POESIA LÍQUIDA Meu verso Rompe veias, barreiras Rio sem freios Que me carrega Sangra num fio De água doce
Sangria louca Que não se estanca Palavra-lava Que se derrama Sem derradeiro Ponto final
Meu verso É vício Ferida, carne viva Renda e filigrana. É remendo às pressas Veneno, promessa Desengano
É mel na boca Sorrindo, a louca Sonhando a lua Correndo nua Desaba inteira Feito tempestade Sobre a cidade Meu coração
Meu verso É lenda, profanação De almas e sonhos A fina dama, tonta Obscena Úmida, lânguida Poesia líquida
MEMORÁVEL Pousou sobre As suas coxas Era um frêmito Um alvoroço de plumas Penugens Pelos
A boca sabia A sal A pele roçava nua Abriu-se dócil A intenção do ato O que a língua fala E o desejo Compactua
Ligeiros Ágeis espasmos Estertores De prata e espuma A noite testemunhava Plácida bruma A cena memorável: Um pássaro pousado No ventre da lua.
TECEMOS Tecemos a vida Como fio de seda, Teia rara. Fiamos Da roca tosca, Pouca, Esse algodão, Pura malha. Tecido Com suor E lágrima, Tessitura cara Leve folha Flor e asa
Construída De afeto Ilusão e fato De repente Afronta-nos A falha A pausa Que a perda Causa Diante do olhar Da dor O dissabor Nos cala De onde surgirá Nova manhã Clara E luz Sobre a tua sala
De onde Menos esperas Recebes Das mãos Do menino-anjo da guarda Preciosa senha Em silêncio passada E voltas À antiga roca Reaprende o ofício Retornas Ao teu fazer mais caro Construir a malha Contar tua história Ora aprendiz Ora senhora Sempre co-autora Criatura De prima-obra... ELAINE PAUVOLID (1970) poeta carioca. Publicou: Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha noite-estrela... ( 1998), Leão lírico (2008) e O silêncio como contorno da mão (2011). Colaborou ativamente com resenhas literárias durante 10 anos (1999/2009) para jornais, como: O Globo e Jornal Commercio. Ultimamente também vem se dedicando às Artes visuais. Escrevo e desenho para pedir socorro, mandar um sinal, senão eu morro.
Alguém ouve o traço, vê o grito e manda resposta.
Ou sou eu que leio, vejo, traço, respondo e movo o que não é novo.
NÓS Quem sou, senão o misto de uma centena de gentes que correm? Sou esta velha mineira, ou a velha judia comunista? Sou a filha da Ucrânia ou a da França? Tenho os traços da Itália, da Alemanha? Sou a que guarda imagens da Guatemala, de Espanha, do Peru e da Urca, que não se define. Gozo com Piazzola a entrar em mim e o Villa entendo quando ouço Cartola. Tremo quando ouço falar em tortura, estremeço diante da Copa. Orgulho-me de Leila Diniz, de Elis. Falo mal minha própria língua e admiro Tolentino, ou uma atriz de teatro idosa quando tão bem a utilizam. Divirto-me e aprendo com Jorge Amado, compartilho da alegria autêntica de Caetano, Meu queixo cai enquanto Paulo Coelho escreve. Assisto a tudo isso e tento esboçar o que percebo. Conseguem escutar o que digo quando escrevo-lhes poemas? Espero que sim; Que não esteja falando para mim mesma.
trago-o, fim
CARTA Meu caro amigo, estou cansada de tentar fazer o correto; tudo me desalinha. Sigo, decerto, sem a menor noção do que é certo; vou bem.
A VELA A Gerardo Mello Mourão in memorian Sólida, esqueci de ser eu mesma. Areia, virei estrela. Mas estrelas que são, senão rasgos da luz nova?
Palavras utilizadas, lume. Palavra, dobrada palavra. Por minhas entranhas encontrá-la dita e salgada, cristalizá-la. Fechar os olhos, lembrar-me do mar. O mar que lembra o fechar dos olhos e o riso deles nos nossos ouvidos. Vela acesa nas noites sonâmbulas. Deixá-la queimar perene e calma, transportando o silêncio para além, prometendo a eternidade na chama queimando, penitente, a transmutar-se chama sempre, queimando por dias, ensolarada vela de insônia, do sem-nome. Um homem que, podendo navegar e cerrar os olhos, o faz serenamente.
JOANA CORONA (1982-2014) poeta paranaense, editora e artista visual. Foi mestre em literatura pela UFPR e viveu em Curitiba. Publicou o livro de bolso literário-visual OQ? (2006), em parceria com C. L. Salvaro. Também publicou fanzines coletivos, Potlatch (2 edições)e Lá (5º edição). Morreu, lamentavelmente, em março deste ano, aos 31 anos. PETRÓLEO sombra: ATRAVES AMENTO rabo de sol sob o móvel, fixo. na pele, manchas de calor e, flutuante, a poeira dança à luz - aleatória tua existência, violenta e aérea, cruzada na minha. intransitória. imovível. corpórea memória metafísica. lugar localizado entre dois - vácuo dos corpos que nos atravessa.
ESFERA lado a lado (e junto) vida que me descobre cada vez mais nua. descubro descoberta, como ir ao outro lado da tua esfera metade escuro-chumbo metade prateada de concreto luminoso e aerado atravesso, feito raio numa reta enviesada tua cidade circular.
ENTARDECER voam em bando. estardalhaço. feito vento nas folhas barulhentas. as asas, simultâneas: tambores. avoada, nem vê, de perto. o fim de tarde sonoro a manchar o céu (alaranjado) com sua listra negra e ligeira. NINA RIZZI, (1983) poeta paulista, vive atualmente em Fortaleza. Formada em arte dramática (ECA/USP) e história (UNESP), coordena o Centro de Artes 7 Setembro. Participa de saraus, festivais de arte, eventos literários e palestra sobre poesia, literatura, gênero e artes e é engajada em movimentos sociais como o MST e o Movimento Arrastão. Lançou em 2012 tambores pra n’zinga. em lugar de poesia então eu cruzo as pernas com essa cara falsificada de foda-se. chiarescuro. entenda. aquela ribanceira ficou toda assoreada e era tão escuro e tanto vento e tamanha solidão, que montanha despenquei forte escorregada, esses malditos sapatos de plástico roxo. nãnã de lama. e você não estava lá pra me estender o braço esquerdo como bem-casadinho numa igreja de santa clara. entendo. suas pernas lazarentas e essa cara falsificada de te venero. chiarescuro. e não estou numa igreja de são francisco pra te cuidar. amor, ateu amor.
in:dependência amor, ah, desculpe, se te firo, digo : amiga
(ainda que aqui permaneça e seja sempre amor uma parte-toda história minha, e mais, hein : o amor é meu e foda-se você se não o quer, é em mim que ele está e independe de você)
então, amor, é que comigo não tem essa de se re-encantar do desencanto, ou se está e quer e é ou nada disso basta.
eu não sou brincadeira (apesar de me-nina sem eira nem beira) : uma pipa que sobe em altos ventos voos cai no mormaço e corta a linha quando tão alta.
pode me chamar de pândega, quadrada, pandorga, pipa, papagaia ou tudos que sonhar, mas eu tenho um nome muito meu, viu! não sou um teu iô-iô que vaievem.
e aí vo(u)o ou (r)acho-a?
outra variação, outra
em te sonhar fiquei tão santa que agora pra me comer só de joelhos.
sanguidolente tenho dois homens ao meu lado. um me disputa com lembranças d’uma época em que só havia por comida xapati com açafrão e nossas ânsias; promessas d’um futuro. o outro me vem com canções, essa sua carne que me quer poemas pra dentes. há ainda um terceiro, o que me pega e tem, essa chuva. tardia chuva-súplica que não veio em dia de são josé. a chuva que me traz saudades de tudo que não vivi, símbolo desse homem que não está e me é. chuva-choro de mim. chuva-você que me cai, dono de todos os meus ais. os dois primeiros me cospem, me rasgam. vão-me embora. fica o homem que me dói e gargalha. mas não me restam autopiedades. é bom também doer. as cólicas hemorrágicas e as pedras na vesícula; o pedaço de ostra que me ficou por indolência no dedão do pé esquerdo; ter uma dezena de filhos de cócoras; não tomar drogas e ter os piores pesadelos. dessa vida suicida, tudo: a morte lenta e dorida, a morte boa overdose de gozo. E os poemas impossíveis, que até chão seco dá semente.
Publicado por Rubens Jardim em 07/10/2014 às 13h19
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