16/06/2013 18h35
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (34º post)
MARIA LUISA RIBEIRO (1954) poeta goiana, é advogada, possui licenciatura plena em letras e português.Faz parte da Academia Goianiense de Letras e da UBE, Goiás. Já publicou romances, contos e literatura infantil. Em poesia publicou O Tempo Responde(1988), Além do Alambrado(1990),O Pássaro de Bico de Ferro(2009) e Mergulho nos Poros.
MERGULHO NOS POROS
Aos poucos tu mergulhas
no fundo dos meus poros
na vã filosofia
que esconde os meus anseios
e no pico da neblina
que assusta os meus cabelos.
Sem pressa e com presteza
descobres meus atalhos
te mostras tão inteiro
que inibe os meus retalhos
me prendes nos teus olhos
e sossegas minhas dores.
É quando a flor da pele
se implanta no meu solo
e espalha um novo cheiro
na cava da rotina.
E a chuva cor de rosa
te entrega a mesma história
por trás das fontes
depois das mortes
além dos montes.
COLUNA DE PERNAS
Ao revés
da maioria de nós
são-me raras
as enxaquecas
e nunca cataloguei
tensões pré-menstrual.
Mas desde que nasci
carrego penas na coluna
porque meu coração
é a coluna do meu eixo.
E quando ele se dobra
ao peso das arestas,
incita-me ao diálogo
com minhas febres íntimas
que em reprise
pisam o meu chão fatigado
de promessas.
É esta dor sem nome
as penas que em mim
habitam
e o meu texto sentido
habilitam.
MÁSCARAS
Enquanto caía o pano
o espelho refletia
a minha nova solidão:
findava-se a hora de ângelus.
Agora eu era só
um tronco sem raízes
sustentando um galho seco
florado na primavera.
Sobrevivo
com a sentença do teu nome
ecoando no meu peito
e continuo amando-te além de mim.
E nesta parede, o espaço do poema
reservei às nossas máscaras Top line.
SILHUETA DOS DÉDALOS
Na intensidade que cabe a cada coisa
presume-se um quarto de espelhos
onde cada lado reflete muitas faces.
Ainda não foi possível entender
a silhueta dos dédalos
que permanecem
na alquimia dos homens
enquanto os espelhos se propagam
Assim, cada circunstância é uma esquina
onde os minutos fogem
pelos vãos do dedos
e a vida pulsa no conta-gotas das horas.
Permaneço na galeria dos anônimos
enquanto redescubro o segredo
dos instantes multifacetados.
REGINA DAYEH (1954), poeta carioca, passou a infância e adolescência em Santos. Mudou-se para São Paulo, onde se formou em Direito no Largo de São Francisco, em 1977. Foi professora universitária de Direito Empresarial e é atualmente Assessora Jurídica do TRT-SP. Publicou apenas um livro de poemas :Meu Pai Desenhava Navios, lançado no mês de maio deste ano.
POLTRONA
Quando me sinto cansada
não tenho urgência nas palavras.
respiração pausada,
engulo a lágrima
preguiçosa
a fumaça tragada
encontra a fadiga em mim.
Afinal qual a resposta para o cansaço?
minha poltrona recebe
o corpo jogado
balanço balanço
barulho leve
da mola enferrujada
embala embala
embaralha imagens
inúteis
largadas pelo caminho.
Minha poltrona é o colo que tenho
embala embala...
Quando me sinto cansada
não vejo sentimentos
só meus pés inchados
de realidade.
FATO
Acabou de desabar um edifício dentro da minha cabeça.
Pela vias laterais do monumento
chega poeira
entulho
devasta defuma
a rua sem saída.
o fio solar mira na minha retina
rompe o escuro
desenha
reta
a linha.
A vida continua
dizem os que passam.
Ante o imponderável
eu concordo
e respiro
e faço planos
para ocupar os espaços
abertos pelo esquecimento.
VIAGEM I
para Fernando Pessoa, Lisboa, junho de 2009
Cada viagem solitária tem seus encantos e seus infernos.
Naquelas eu queria ganhar o mundo,
quanta pretensão...
Nesta eu quero ganhar o meu mundo,
ganhar-me de volta,
quanta pretensão...
Parte de mim eu perdi em viagens sem volta
enroscada em cipós
encalhada em bancos de areia
embicada em barrancos.
Não há resgate.
Que parte de mim
hoje vive sem mim?
Que parte de mim
se restaura a cada passo?
A cada viagem no tempo
deixo vazio o espaço que sobrou entre nós
que se acomoda
sem conforto
no pouco experimentado.
Novas viagens
outros portos
janelas abertas.
E a areia fria e lavada de cada manhã sob meus pés.
PACÍFICO
San Francsico, janeiro, 2012.
Esse mar
se apropria
do meu fundo
se encapela
no meu raso
esse mar
respinga sal
sobressalta
em mar pesado
pacífico
acinzentado
não é mar de azeite
espuma raiva
ensandece
e encontra a pedra
inutilmente.
LILA MAIA (1955) – poeta maranhense, pedagoga, vive no Rio há 32 anos Tem dois livros de poesia publicados: A idade das águas e Céu Despido. Em 1998, teve três poemas publicados na Revisa Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional e conquistou, no ano passado, o prêmio Paraná de Poesia, com o livro As maçãs de antes.
Quando o insuportável começa a virar maré cheia,
me pergunto:
por que não me tornei alpinista de empresa
escalando os prédios mais altos da Avenida Rio Branco?
Quatro anos de Letras,
mais dois de Pós em Literatura Portuguesa,
o curso completo de inglês no IBEU,
não permitem que a mesa do café seja invadida
de iogurtes, queijo branco, uvas, kiwi, pêssegos,
mamão com mel.
Por que não me especializei em alturas?
Uma estrofe de cor dos Lusíadas,
não é suficiente para o trabalho de Call Center
na empresa Silva Lins.
Era preciso ter um diferencial na voz.
Mas eu disse um verso de Camões.
E a menina ao meu lado,
estudante de Propaganda e Marketing na Estácio,
saia justa, corpo bronzeado de Ipanema,
um quê de rouquidão forçado no final das frases,
sai com carteira assinada e setecentos reais por mês.
AQUELA PERDIDA LUA DE COPACABANA
Amores não correspondidos são balas perdidas
em plena Avenida nossa senhora de Copacabana.
Não ouvem a musicalidade lógica das ondas
para calar o bêbado soluço,
a sina de carregar o corpo deserto.
Tudo é avesso, naufrágio, solidão velha
neste calçadão bordado de prostitutas, pivetes.
Amores não correspondidos nunca se apossam
das tardes lentas no Caminho do Pescador.
A rede que devia partilhar a carne,
recolhe homens, mulheres que têm no peito
não um rio amparado por estrelas,
mas uma Bagdá de abandonos.
Quarto alugado
Tudo tem a dureza de muitos degraus.
Um esgrimir que corta aquele feeling
de perceber encantamentos.
Até a cama não comporta o meu desejo par.
É ímpar a saudade dos livros espalhados na mesa.
Hoje, Clarice e Drummond continuam na mala.
E aquela voz que lapidava
escuridão e chama,
quando eu tinha o direito de dar
nomes ao silêncio,
agora vive como se estivesse
olhando a presa.
QUASE LAMENTO
Desses sonhos mais simples Deus não sabe
Nunca sentirá o prazer de ter livros na estante
e da falta que fazem uma mesa, quatro cadeiras,
um colchão de casal
Ele não compreende aquela janela inquieta,
as paisagens que transbordam livres
Deus é o que há de mais interminável em mim: a dor
Mas eu bebo do cálice
como do pão
às vezes ofereço a outra face por amor
O tempo segue com seu fogo milenar
Eu passo o pente nos cabelos sobriamente
Sobrevivo diante dos mistérios,
e desta claridade que não salva
O OLHAR MADURO DA ONÇA
Não se escreve um poema de amor impunemente. CÉLIA MUSILLI (195 ) poeta paranaense, é jornalista, cronista e . Autora de Sensível Desafio (2006) e Todas as Mulheres em Mim ( 2010), faz Mestrado em Literatura na Unicamp e tem sonhos premonitórios. Gosta de livros, viagens, estrelas e gatos, nem sempre nesta ordem
PRAZER
ainda que
o que me instigue o corpo
seja breve
seja novo
será sempre
a lição sem fim
de redescobrir paraísos
perdidos
dentro de mim
SABEDORIA QUASE CHINESA
se alguém não te alimenta
inventa
uma manhã de sol
fruta fresca
chá de hortelã
para despertar a alma
com calma
que o dia apenas começa
e o amor não combina com pressa
ROSA ÍGNEA
Abro e deixo
ao seu prazer de homem
a rosa
ígnea rosa
abro e deixo
ao seu prazer de fogo
líquen e caule
de novo
a conjunção da carne
entre as minhas pétalas
e as suas veias
paisagem em meu corpo
mergulho em seu mar
sereia
DELICADEZAS DOEM
porque há canções de chegada
canções de partida
o coração eu tomo pela mão
quebrável
no último beijo
transversal de línguas
poliglota
falo de amor
delicadezas doem
não sei se já disseram
mas você sabe matar pássaros
TODAS AS MULHERES EM MIM
a cada vez que ele volta
abro meus braços de rio
serpente do Nilo
Alice no espelho
estrela cadente
gata no cio
sereia de Ulisses
Penélope nua
queria tanto ser sua
Publicado por Rubens Jardim em 16/06/2013 às 18h35
13/05/2013 13h16
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (33ª POSTAGEM)
IEDA ESTERGILDA DE ABREU (1943) poeta cearense, advogada, jornalista e compositora. Residiu em Brasília nos anos 60 e vive em São Paulo desde 1974. Já publicou quatro livros de poemas, entre eles Grãos –poemas de lembrar a infância (1985) e A véspera do grito (2001). P DE PALAVRA E PEDRA Palavras às vezes pesam como pedras Me espanto, me perco, me acho, me refaço
Emoções Baratas Sabe meu bem, eu não tenho nada contra quem. Confidência da Aracajuana Ir Reverência Senhor do indigesto Declaração dos Direitos Universais da Mulher Toda mulher tem o direito de pensar por si mesma TEREZA TENÓRIO (1949) poeta pernambucana, advogada, artista plástica e integrante da chamada geração de 65. Publicou oito livros de poesia, entre os quais Poemaceso, prêmios de 1985 da APCA e da UBE-RJ. Teve poemas traduzidos e publicados no México, Itália, Coréia.Participou de antologias poéticas na França, Itália e Portugal. 7. ULISSES O meu amor inundará o tempo O meu amor acenderá a ilha O meu amor será mais forte que o braço de Heitor O meu amor construirá uma muralha de ferro em torno O meu amor nos unirá num círculo intemporal O meu amor arderá com a perenidade de Apolo SOMBRA Uma criança existe em mim. Sou ela Essa mulher caminha pelos mortos Uma certeza lúdica me oprime: Eu sou alguém que busca um novo rosto. MEDIDA a medida do amor é ser deserto porque o real do amor é fragmentar-se INVENTÁRIO DE TUDO Teu Amor me deixou nua Passeei pela mobília Nas alamedas de vidro Através dos corredores Teu Amor me deixou muda RECA POLETTI ( ) poeta paranaense e publicitária, trabalha em projetos de pesquisa de mercado.Publicou o livro de poemas Numas( 1981 ),e participou de algumas antologias como Mulheres da Vida(1978) e Antologia da Nova Poesia Brasileira(1992). Vive em São Paulo. AVISO Nem sempre é bom e enfrentar os cães. PROFECIA DE MÃE O mundo CONFISSÃO Seu padre EU NÃO QUERO MAMAR Sou ave Publicado por Rubens Jardim em 13/05/2013 às 13h16
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. 19/04/2013 23h15
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (32ª POSTAGEM)
BEATRIZ AMARAL(1960) poeta paulistana, contista e musicista. É mestre em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Publicou, entre outros: Encadeamentos (1988), Primeira Lua (1990), Poema Sine Praevia Lege (1993, finalista do Prêmio Jabuti), Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de Júpiter (2007)
DEGREDO patético – o dia se alinhava e anima o tema de um poente
todos os remates são esparsos – as noites são de queda
o vão que se reduz só dilacera o timbre de castelos sobre a pele
agora, portas d’água repartem as chuvas com palavras
MOVIMENTO meu pensamento se desloca na correnteza rio sem afluentes só desemboca na plena certeza de sua própria corrente cada vez mais denso quase me afoga em seu curso crescente suas curvas seus lances seu tenso fluir minha mente evoca um momento sem consequências desenha palavras numa corrente fluvial descolorida e segue por imagens perdidas quase fluidas minha firmeza oscila numa torrente de idéias novas inteiras e sem desvios no movimento insólito de ser não ser até descer ao nível de meu espelho móvel: o rio
DESENHO
NAU CAMILA DO VALLE (1973) poeta mineira, professora, foi diretora da Fundación Centro de Estudios Brasileros, em Buenos Aires. Trouxe, em 2005, a Editorial Cartonera, cooperativa que utiliza materiaL reciclado. Em 2008, organizou a antologia Caos Portátil, de novos poetas brasileiros, publicada no México. Publicou o livro de poemas Mecânica da Distração: os aprisântempos.(2005).
MISSÃO DIPLOMÁTICA NA CHINA (pianissimo) Onde pousar a palavra? Como se a caneta fosse a asa de unia xícara de porcelana rara que eu estaria a segurar com todo o cuidado no ar. Do ar ao pires, podemos, ou não, espatifar a dinastia Ming. Delicadamente.
UM MURO DE SILENCIO para Pedro Eiras Sobre a página em branco repousa um reino de silêncio. (Como pular este muro?) É certo que todo texto começa antes do próprio texto. Se não é, porém, na página em branco, Onde tem, então, começo o texto? No corpo que escreve? É certo que todo corpo começa antes do próprio corpo. Onde tem, então, começo o corpo? Quiçá: na página em branco? Eis o muro.
MULHER EM PROCESSO as palavras secas, duras, masculinas as palavras perigosas e pontiagudas entre gritos e sussurros as palavras penetrantes: autonomia, repertório, simultaneidade, dessublimador, associação imagética, corte epistemológico, marcador diferencial, narrador heterodiegético e a expressividade em processo. É que uma mulher não faria assim. Fala em independência, vocabulário e junção. Ao que parece e por exemplo. A palavra, se é do homem e está na minha boca, o meu corpo sabe: só faço para me masturbar.
TANGO
RENATA BONFIM (1972) poeta capixaba, ensaísta, artista plástica, mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem especialização em arte terapia na saúde e na educação e em psicologia analítica junguiana. Publicou dois livros de poemas: Mina (2010) e Arcano Dezenove. SEDE E FOME Dedicado ao poeta Pedro Sevylla de Juana Tenho uma sede insaciável De Deus... Por isso bebo a flor e o orvalho.
Por mais tardio que seja o olhar, Colho as suas lágrimas. Por mais silenciosa que seja a boca, Colho o seu sorriso.
Sinto fome de infinito, A língua passeia pelas palavras: saber, sabor e arte! Devoro teus verbos intransitivos.
O vazio me invade: Resto plena de tudo o que não sou eu.
A FLOR sim seus pistilos eram doces perturbam-na insetos e pássaros e ela, objeto, se ofertava em dores cálice divino a derramar-se em pleno jardim das delícias fruição e pavor em perfeita harmonia sacrifício estigma Sua assinatura sinistra.
VIÚVA NEGRA Eu vou te rogar uma praga te envenenar matar a sua samambaia. Vou te ferrar! Aferroar como fazem os escorpiões aos sapos que querem atravessar rios e lagos sem pagar pedágio. Quero ver o seu sangue correr e escorrer vermelho como os prados e os desertos mais secos onde açoitam ventos amargos e moram as feras que amo e desejo. Assim será o nosso idílio fadado à dor, à melancolia e ao dissabor de um amanhã que morre todo dia antes mesmo de nascer. Assim será, também, que festejaremos a ironia do tempo vivido e a ânsia sei lá do que. A morte será um beijo fresco com o qual nos despediremos.
REVERSO Por baixo da pele, ao avesso, eu sou mais Eu. Virada, pirada, tarada, sob a tez dominada, explícitos desejos, lúbricos segredos. Exaltações que o orifício delata.
PARTO Sou toda dissonância Mas busco harmonia equilíbrio, beleza, cor. Fertilizada pela ansiedade Sou cão lambendo as feridas gato no telhado alheio pássaro cantando na solidão da árvore citadina Busco o natural nos escombros e resquicios do animal que sou Vivo o risco seguindo um traço sinuoso (e fatídico) que guia meus pés viciados. Transito por campos incertos transo agonias e suplícios opto pelo impreciso transitório e duvidoso A duras penas e em meio a tinta ácida ele nasce brota do meu ventre acetinado: um filho com olhos de luz E a musa-parteira sem dentes orgulhosa e vingativa Com um sorriso desgraçado põe nos meus braços este ente: a poesia.
MICHELINY VERUNSCHK (1971) poeta pernambucana, é historiadora. Publicou os livros de poesia Geografia Íntima do Deserto (2003) e Cartografia da Noite (2010).Foi uma das finalistas do concurso Portugal Telecom em 2004. Colabora em revistas e jornais de literatura e participa de diversas antologias de poesia brasileira contemporânea. II - A PRESENÇA DOLOROSA DO DESERTO
DA ROTINA RÁPIDO MONÓLOGO DO CAÇADOR COM SUA CAÇA
…………………………………………………… Eu celebro a máquina do teu nome, engrenagem de letras e afeto, solidão inaudita do meu próprio esquecimento. Eu celebro o teu corpo e nele tudo o que é ausência de mim mesmo, tudo o que em ti é pedra, animal extinto, silêncio absoluto de uma tarde presa na memória. Eu celebro os vestígios, os fragmentos, as ruínas, a completude, que inventamos sendo apenas estilhaços. Eu celebro o amor, a impossibilidade.
Publicado por Rubens Jardim em 19/04/2013 às 23h15
25/03/2013 13h24
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (31ª POSTAGEM)
CELINA FERREIRA (1928-2012) poeta mineira, jornalista e redatora conquistou a admiração de Drummond e Manuel Bandeira. Fez muita literatura infantil e recebeu vários prêmios por seus livros nessa área. Publicou Poesia de Ninguém (1954) Poesia Cúmplice(1959) Hoje Poemas (1967) e Espelho Convexo (1973).
Anunciação
O verbo, crio-o devagar, no corpo,
como a flor e a palavra: pouco a pouco.
Protegido em redoma não de vidro,
mas de angústia e de sangue o seu tecido.
Vestimenta de carne, pois de corpo
é o verbo que anuncio, hoje tão novo
como o primeiro homem foi nascido
da palavra semente, do seu grito.
Como o primeiro homem no seu lodo
é o verbo resolvido no meu corpo.
Verbo crescendo lesto, arredondado
como o primeiro fruto sazonado.
Corpo e navio, levo uma pergunta
que é palavra, destino, e coisa, e fruta.
Palavra, pois é verbo do meu verbo
que humilde e pressurosa hoje percebo
e guardo aflita, e exausta, e tensa, enquanto
não romper minha carne seu quebranto
de verbo libertado do meu ser,
pronto para a aventura de viver
Salto moral
Sondar a possibilidade do salto
e a profundidade do
abismo.
Formular o desenho preciso.
Vôo e queda, a mesma dimensão
e
altura.
Vôo e queda recortam no ar
a mesma figura.
Saltar de dentro
de si mesmo
Como quem pula o muro da infância,
A cerca que esconde os
pomares
do mundo e limita o corpo
e seu agreste crescimento. E
restringe
o homem e seu poder.
Saltar para o desconhecido
sem redes
sob o corpo.
O salto moral
Diante de mil trapézios oscilantes
e
luzes e o pavor dilacerante
da platéia. A comovente platéia
da
autopiedade
Saltar
para a verdade
Natal
Cada dia nasce
um novo menino
na palha, na seda,
no feno, no linho.
Cada dia nasce
um novo destino
que sempre começa
no mesmo menino.
A estrela de cada
natal é a medida
palavra que escapa
em face da vida.
Na ficha, a palavra
festiva traduz:
Antônio, Isaías,
Ricardo ou Jesus.
O sexo no espelho
O amante
predispunha o espelho
para duplicar o amor.
Múltiplos corpos,
avidez do resgate,
a noite lúdica.
Hoje, no espelho,
a solidão em dobro.
MIRIAM ALVES ( ) Escritora e poeta com projeção internacional, sua poesia surge como ação e missão de atuar e interagir no espaço social. Publicou dois livros de poemas: Momentos de Busca, (1983) ; Estrelas nos Dedos, (1985) e está presente em diversas antologias e teses em universidades do Brasil e do exterior.
Íntimo véu
Arregaço o ventre
corcoveio no ar
gemo
Você?
Tira o meu último véu.
Paisagem Interior
A madrugada respira acordes
estrela brincalhona enluará
sonata dum sonho rola asfalto
O céu todo em sono confunde-se
o sol ilumina-o com
um sorriso madrugada
respinga orvalho nos telhados
A face do céu confunde-se
meio em noites, meio em dias
desponta uma aurora
nasce uma criança brincalhona
toda envolta em madrugada.
Acorda dia!
há fome de esperança!
Cuidado! Há navalhas!
As palavras de concessões
são navalhas
retalham minha pele
diluem meus sentimentos
soltam-nos ao ar
feito partículas poluidoras
não diluídas
Palavras de concessões
são mordaças
aveludam os sons do passado
ensurdecem sentimentos
forçam minha negação
pressionam o meu ser
Navalhas querem podar
nas veias
o jorro das emoções
ligando-as nos tubos de mentiras virulentas
As navalhas das concessões
quebrar-se-ão, quebrar-se-ão
no fio lento
da minha dura vivência. (Alves 1985: 27)
Calafrio
O sorriso gela
a porta do paraíso prometido
A tarde cobre-se de frio
grita
esconde-se atrás dos
casacos
faz esculpir aquela saudade
do lugar
jamais percorrido.
Escorrem feito sorvete
as esperanças derretidas
no ardor do querer.5
LUCI COLLIN(1964) Poeta paranaense, ficcionista, tradutora e professora universitária. Publicou os livros de poemas: Estarrecer (1984), Espelhar (1990), Poesia Reunida (1996), Todo Implícito (1997) e Trato de Silêncios (2012). Também já publicou contos e participou de antologias nacionais e internacionais. É pianista e percussionista.
Todo implícito
não o sentido absoluto
tampouco o tudo
só esta certa presença
que não pretende
que não pergunta
nem responde
livre da voz
livre do tempo
mais do que livre
o todo implícito
no fragmento
Isto
rápido isolado rasgo
um flash de um seu sorriso
vem à memória
chama
que gelo
melhor mesmo fosse incêndio
queimasse as lembranças todas
meu corpo
seu corpo
e o corpo do tempo
que nos separa
Desconforme
quis sustentar rastros e areias
por desconhecer a caligem
que adviria do aço maior
e do pó
combinar palavras luz
eu quis
por desconhecer que as moscas sim
são mais preparadas
que às deusas sim
são mais úmidas
que as primaveras
mais rotas
e a poesia estava cheia de
moscas tigres primaveras
ineptos ao toque
os ossos
que colecionamos
no mundo enlameado
nomes todos juntos
isto é o mundo
isto são as meninas de mãos dadas
a uma única velocidade
quando figuro e noticio
a vida simplificada
em dálias e deserto
tudo um uníssono
e a tarde estava cheia de
cromos
que saltam sem dor nenhuma
mãos que nunca mais
hesitam
são agora
dedos de escritura
dedos artesianos representam
os lapsos e o lençol
em chama e em cinza
Cena muda
eu que era único
e indivisível
agora criei tentáculos
ávidos
que não controlo
roubam vermelhos vivos
que nem sei para que servem
desejam tanto, usurpam
violam cantos sagrados
espalham cinzas
riem
esbofeteiam
cinicamente esfarelam
pedaços lícitos de pão
distribuem as fichas
embaralham cartas
trapaceiam noite adentro
alheios ao meu desconforto
trazem ouro profano para casa
abarrotam mesas
e eu, mudo e multifacetado,
olho a insana riqueza
que meus próprios braços acumulam
e tentando escutar meu vão discurso
não consigo
porque as frenéticas mãos que não controlo
aplaudem ruidosamente
KÁTIA BORGES (1968) --poeta soteropolitana, jornalista, mestre em teoria e crítica da literatura e da cultura pela Universidade Federal da Bahia. Trabalha no jornal A Tarde, na Bahia. Publicou o livro De volta à caixa de abelhas (2002). -
Dicotomia
Estou só.
Não quero o homem que me quer
E há um sol que eu quero em meu rosto.
Crescer é fogo, amor, consome.
Perdoe o medo, o nojo, a fome.
Amar é doce, enjoa.
Não quero o pássaro que tenho nas mãos.
Eu preciso é dessa ave que voa.
Amor
Por todo o caminho, te levo comigo,
como quem carrega o próprio coração nas mãos, pulsando.
Como quem bebe um vinho precioso,
deixando que o líquido se espalhe e molhe o rosto.
Por todo o caminho, te levo comigo,
como quem arranca um punhado de mato e põe no bolso,
só para sentir a raiz entre os dedos.
Te levo comigo, sobre os ombros,
até o alto da mais alta das montanhas.
Homem
Meu homem chega cansado.
O suor grudado na pele.
E eu, que o imagino calmo, me deito,
rosto contra o travesseiro —
e aguardo.
Ele deita seu peso sobre meu corpo,
e seu cheiro é forte,
como o de um cavalo.
Sinto seu hálito no meu pescoço,
suas pernas forçando passagem
entre minhas pernas.
O amor não tem rosto, penso.
É essa pressão — pele contra pele
— esse atrito de pêlos.
Quero dormir e sonhar que nos amamos.
E antes de me possuir, ele me despe, delicado.
Quero dormir e sonhar que ele chega.
Só em sonho, posso tê-lo sem fúria.
Paz
Invento a paz: panos brancos nas janelas.
Os burgueses da pensão estranham – canto.
Eu, que nunca cantei.
Atendo no balcão os mortos todos,
procurando achados e perdidos.
E vivo. Eu,
que nunca ousei.
O luto, que cobriu de negro
este quarto, hoje é passado.
Enterrado no quintal dos fundos.
Que as crianças entrem e desarrumem tudo,
rasgando em algazarra meus retratos.
Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2013 às 13h24
05/03/2013 19h24
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (30ª postagem)
DORA FIGUEIRA LOCATELLI (1941) poeta mineira, fez mestrado em língua literatura brasileira pela UFRJ --e vive no Rio de Janeiro. Em 1971, com os poemas ainda inéditos de Árias em Solidão Maior, conquistou o prêmio Fernando Chinaglia, da UBE. Onze anos depois, ganhou o mesmo prêmio. Mas, desta vez, com os contos de Abre a Janela, Maria! Participou da coletânea Com a Boca no Mundo(1985) e da antologia Sete Vozes(2004). Seu livro de estréia A Raiz do Tambor só foi publicado em 2011. FIM DE SEMANA Despeço-me do mundo Despeço-me numa paz silenciosa.
DESTEMPERO Canto como quem risca a pedra, (Hilda Hilst) Nunca serei comedida.
Do tronco velho de meus versos as palavras escorrem dilacerações sem pudor secreções de morte e vida.
Sou um animal comovido.
CARIMBO A memória do tempo deixa seus sinais: nódoas de dedos nas folhas da janela marcas de suor nos óculos inúteis da avó esquecidos no fundo da gaveta. No suspiro de um susto ela está diante de mim e inteira as chaves na cintura o coque grisalho os olhos de desespero os gemidos da agonia. Tempo de sobressaltos. A ameaça da morte vem, como uma espada pairando acima atada a fino fio de cabelo.
O coração desembestado ó nó na garganta: cravados em mim como carimbo por toda a eternidade . VISITA — Menina, pega no cabideiro o chapéu do compadre MARIA LÚCIA DAL FARRA (1944) poeta paulista e professora de literatura, vive em Sergipe. Fez sua estréia com o Livro das Auras(1994) já mostrando uma voz poética afinada e original. Livro de Possuídos(2002) confirma isso e com Alumbramentos(2012) ela conquista o prêmio Jabuti, no ano passado. Callas na escala ascendente Inteira, tua voz é um cone, torre de catedral, coisa tátil, que se avista, mutável como caleidoscópio. É fósforo, poço de petróleo: força que se arremessa das profundas da treva e que (de chofre) perfura com sua agulha as nuvens para ganhar penugem de pássaro e adejar (mui devagar) sobre o espírito.
Foguete é tua voz em busca do buraco negro (olho terceiro) turbina que se aquece entre coração e cérebro e desenha ogivas de ignoradas paragens – onde leio flor, lâmina arcaica letra grega que não entendo mas que se inscreve no mármore dos altares.
Boi no pasto Boi no pasto não tem patas. Bóia as banhas ondulantes sobre as bordas do capim que (marítimo de ervas) em superfície o conserva. Está no seu elemento e todo esterco trescala ao verde que ele abate – ilhas já dessa paisagem. É o campo que se alevanta no negro musgo do estrume por seu turno resgatando a larva à própria lavra.
Boi no pasto não tem peias nem a terra lhe é fronteira.
Retrato de mulher de frente De tanto esperar pelo meu olhar, enrubesceu. Aguardou-o anos a fio mas emana dela ainda a mesma timidez igual esperança. Há (quem sabe) uma indagação impossível na boca rubra e natural.
A aura do objeto mistura-se a seu cabelo como se a existência tivesse transcendido o momento em que por certo nos encontraríamos.
Malgrado estar eu aqui – tudo nela ainda espera por mim.
Fruto proibido Com suas nádegas lascivas de mulher a maçã deita de costas na cesta sobre a mesa. Já de batom está pintada, armadilha edênica no seu poço - no ponto da voragem, caverna de pevides.
Drácula, penetro no seu espírito interdito, no jardim das delícias. Cometo (insensato) a grande virtude capital.
JUSSARA SALAZAR (1959) poeta pernambucana, artista plástica e designer, vive em Curitiba desde 1986. É autora de Inscritos da casa de Alice (1999), Baobá - Poemas de Leticia Volpi (2002), Natália (2004),Coraurissonoros (Buenos Aires, 2008) e o mais recente Carpideiras (2011). Já teve poemas publicados nas revistas Tsé-Tsé (Argentina), Chain (EUA), Rattapallax (EUA), Parque Nandino (México) e Galerna (EUA/Espanha). (O mapa) a palavra água molha o verso e beija a morte de d. manhã Fechamos as janelas brancas com o mais suave lençol de linho — Repara o sol febril e essa brisa mourisca entre dormir entre velar o sono dos confins. — Repara também Nossa Senhora das Horas passando de seu exílio errante. Há tanta luz, vê um rei, ele também passa pela janela e esse rei era o amor que iluminava a rua e o vestido rendado rondando a manhã tão belo que a morte nem precisava. A casa sisuda cerrou os vidros e cobriu de sombras zumbiu a unção chuvosa da minguante. A Senhora D. Pomba no parapeito rompeu a adormecida manhã no abismo das velas de agosto. Agora pisamos leve o seu reino misterioso e cobrimos essa manhã de algodão com o mais suave lençol de linho
a casa no espelho diante de meus olhos reluz o barro da moringa no segredo que guarda a água
nós dois eu e o espelho bebemos o tempo bebemos as paredes carpimos o vento e a tábua da madeira os móveis as cadeiras a mesa que resiste feito alma no meio da sala
e a mão que antes derramava a água espelhada nos copos insiste límpida banha o sal dos minutos lava nosso corpo sobre o rio se à noite as corujas riem piam ao redor como fantasmas
que o tempo na casa das horas passa e meu retrato feito de água é vidro segue a carne do rio e recolhe as folhas no vestido que a correnteza espalha:
colhemos o fruto comemos o pão guardamos amores lavramos o chão
Bestiário
SIMONE HOMEM DE MELLO (1969), poeta paulista, tradutora e libretista. Seus poemas em português estão reunidos nos livros Périplos (2005) e Extravio Marinho (2010 ). Viveu de 1993 a 2010 na Alemanha – Colônia e Berlim—e escreveu o libreto das óperas Orpheus Kristall (Munique, 2002), Keine Stille außer der des Windes (Bremen, 2007), UBU (Gelsenkirchen, 2011). Como tradutora, dedica-se à poesia moderna e contemporânea de língua alemã. DOS TERRITÓRIOS (UM ROTEIRO)
Ruído Conchas dispersas pelo mar de muros ecoam outro outono
O raso das antenas capta em parábola a mensagem elíptica
Empoçada no côncavo a mesma luz rasteira varre-ruas infiltra-frestas agora transmite Fora do ar
a tela alterna faixas crespas ondas tecem o marulho teledifuso
Coados fatos, feitos e ditos a concha colada ao ouvido escoa um silêncio rarefeito
Incide outonal emite um sol sem zênite
Noturno de Alt-Moabit No teto, a guirlanda, flora única ao redor. O meandro em gesso, era mero engenho do que não cingia:
Elipse de um silêncio demarcado a dedo, suspensa à cabeça, a esfinge decifra só o que o dígito devora. Ela olha, aquém da voz :en_voi:la!notte: dança noturna, a negra e a taça, (who is the person?) ainda por libar o vinho, acrobático jogo de (shut up! it’s dizzy’s soul) corpo, outro gesto dela, a adejar a cabeça, acena em branco
:aqui jaz: o que o silêncio circunscreve.
Em volta do fogo ausente, as cadeiras eram arestas a serem limadas por sinais amenos (wouldn’t you come emitidos de longe: closer?) um certo tecer de fio indistinto enleia, ao eixo do retrós, imóvel redemoinho de sílabas, segredos a fio, (a drop of something?) des(no,)vela e, lenta, retrossegue (not yet.), sem ceder.
A voz dele sela à cera (impossible to draw...) o que a dela silencia. De um arabesco celta onde o fio da meada? (...a woman)
De uma fotografia anônima De porcelana, e a pele, máscara em branco ri rente à face, e nesta sorriso menos, minguante. Posam modelo e máscara entre tecidos, vasos afilam ao fundo, da cerâmica abaula cada lustre. Anônima. Jovem, peito descoberto, deitada segura máscara junto ao rosto, ela à mostra até a cintura. Prova sobre papel albuminado a partir de negativo de colódio úmido em chapa de vidro; cerca de 1870. Seminua, só pele entre estampas e dobras, exposta ao tempo, até que a imagem, até o sorriso ceder em. Gravado entre dentes, porcelana, já o riso em branco, algo assombra, talvez por imune ao tempo, a sombra.
Publicado por Rubens Jardim em 05/03/2013 às 19h24
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