07/04/2009 10h46
UM POETA QUE SABE QUE A POESIA É UM DESAFIO À RAZÃO, PORQUE A POESIA É A ÚNICA RAZÃO POSSÍVEL
Luís Costa, poeta portugues, 45 anos. Com 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de Quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo, sempre auto didático. Aprende o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafka e por aí adiante. Dedica-se também, fervorosamente, ao estudo da filosofia. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia", e o existencialista Karl Jaspers. Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, país onde se encontra hoje radicado. L. C. tem vindo a editar, regularmente, artigos ( ensaios ) e poemas no site-revista: TRIPLOV da escritora Estela Guedes e publicou também três ensaios na revista digital brasileira do poeta Floriano Martins: Agulha e acaba de publicar dois poemas na revista Conexão Maringá tendo vindo igualmente a editar alguns artigos num jornal local no país onde vive. Até agora ainda não se encontra editado em livro por que assim o quis ( já teve oportunidade de publicar ).Considera-se um poeta livre por excelência . Poesia e liberdade são para ele uma e a mesma coisa. A seu ver, não é necessário estar-se publicado em livro para se falar seriamente de poesia ou para se ser um verdadeiro poeta. O poeta não publicado tem tanto direito a falar publicamente de poesia como o publicado.As profissões que tem vindo a exercer nada têm a ver com a poesia ou literatura. CÉU PASCAL Um céu alto, um céu bem alto, Um céu onde as aves se despenham ébrias de obscuridade, Um céu de chilreios metálicos onde o mar se liberta de todos os espelhos com todos os seus bichos de cabeças roxas Um céu que me habita no tórax Um céu que me faz sentir os rios exteriores ao corpo A pulsação enegrecida de monstruosas veias na rebentação das ondas Neste lugar onde os rebanhos transpiram a solidão dos dias estranhos Neste lugar onde o vento de Deus sopra nos ossos mortos Neste lugar tu conheces o sacrifício da carne e a dor no centro do peito, a dor do vazio a dor de saber que cada Outono é outro Outono que cada Primavera é outra Primavera ( talvez a última ) a dor da perda dos olhos da cabeça entre as mãos a dor de não haver um sofá no centro do deserto E as ruas erguem-se , empinam-se na extensão do delírio das fêmeas possessas da acentuação hilariante entre coxas quando as horas são cabos de alta tensão endovenosos quando as casas se afundam no estribo de férreas carcaças e a pele é um ramo seco ao canto de uma estrada com um coração dentro um coração que o mar ali deixou, um coração enterrado no abandono do gelo da noite sem dó ou piedade a noite a noite em que a cegueira dos homens se evidencia nos rumores dos estandartes nos brilhantes metais no relincho dos cavalos de crinas cortadas nos corpos que caiem por terra no aço dos olhos da fera por entre matagais de pétreo silêncio... ............................................................... A noite... A noite do grande sacrifício, noite da ferida que se abre para receber toda a dor mundo.... Noite sagrada... A noite ou o alimento... ......................................................... ..................................................................... Mas onde está o sinal do sangue? Que é feito do manto que cobria o mistério das coisas? Que é feito do baú? Das raízes que cresciam entre as línguas do húmus? Dos manuscritos onde o mar habitava as conchas ainda límpidas ainda murmurantes como o princípio do mundo? ................................................................................ .............................................................................. nas últimas palavras entre o pão e o vinho onde a esperança levanta fervura, a boca, as vértebras à mostra o corpo ensanguentado... ................................................... .......................... uma fonte ainda possível? ................................. um convívio de alianças? ........................................ um tempo talvez onde soubéssemos ir até ao fundo da verdura? POEMAS PARA OS DIAS MAIORES FÜR DICH Depois, saio dos sonhos e caio no mundo das fábulas, na distância que nos une... caio entre o istmo poderoso dos corcéis, caio, onde tu, meu amor, existes dentro da circunferência do mistério, onde tu, meu amor, me falas, me contas os segredos do mundo, os segredos que nunca chegam a ser segredos, pois entre nós não há segredos - tudo é revelação. Depois, nós moramos no círculo do equinócio, no sangue rejuvenescido, nas tardes das paredes em fogo, o deserto é o nosso caminho, o nosso caminho, mas um dia a fonte aparecerá, no centro dum oásis, e ali construiremos casas de pedra e cal, e ali seremos acolhidos como reis, meu amor, como reis num dia bíblico, enquanto a sarça crepita no chão. *** Tamareiras! Frescas sombras! Tamareiras, meu amor. Lavo-te os pés com perfumados unguentos. A astúcia dos felinos ferve-me nas mãos. A túnica de astros escorrega-te dos ombros, amor... e o sangue purifica-se nos nossos lábios, no fogo dos dias, no élan vital que nos domina com as suas redes de espanto. Amor, meu amor! Mergulhados no flash do instante somos o mundo... Grito o teu nome no oráculo do vento, nas ânforas que transformam a água em vinho. E tu ris, meu amor, ris e corres por entre os vinhedos, e eu corro atrás de ti como uma casa crepitante ou uma música cósmica , vinda das grandes conchas marinhas. * * DIA No meu peito abre-se o dia com todo o sofrimento e luz que um dia possa trazer O meu peito abre-se, o meu peito é um dia com goelas que derramam sangue pelos caminhos com espelhos que são espelhos sobre espelhos Sei que o dia é só um dia em mim ventrículo através dos óculos de sol que jamais poderei tirar sombra ou corrente de ar que entra e sai como quem fecha uma porta pelo anoitecer Mas no tremor dos meus ouvidos a ausência da presença permanece fixada permanece corrente eléctrica que se propaga pelas veias permanece e entra pela terra enraivecida entra como se me crescessem raízes pelos pés SOBRE OS CORPOS 1 A violência de nossos corpos, entregues, na praia que se faz noite. E no colo do mar, dentro das estrelas, oboés de búzios e caranguejos expelindo fogo 2 O cosmos desce até nós. É um trote de mil cavalos d’água. Ó Divina ascensão! Em nossos corpos, o tempo das supernovas. 3 As vísceras abertas no centro da noite. Um jacto de obscura luz veias dilatadas músculos arqueados num delíquio 4 Por fim os nossos corpos são algas fosforescentes no vai- e- vem da maré. Dentro deles rumoreja, agora, o infinito. * * FÉNIX Depois do amor Extraíram a película da alma Pelas mãos Do corpo Só restava, agora, um monte de cinzas E os ossos Atados a um pau de vazio Da urina e das fezes Ergueu-se Um campo de relâmpagos É ali que Maldoror Bebe a taça do sangue Para que se faça Primavera * * OMNIUM SANCTORUM Por vezes, as sombras jorram-me dos ouvidos E inundam-me a face, escalpelada, sem máscaras Que a protejam da chaga interior. O véu de Maria Madalena encobre-me o coração Como tempestades num mar encarcerado. Depois, guindastes de céus estranhos elevam-se Das trevas, são curto-circuitos no vazio. * * VOZ REMOTA 1 Relinchante oceano! Húmus salgado mordendo o tronco das árvores Pássaro azul contra as algemas dos dias Pássaro abrindo sulcos nos telhados do orvalho Pássaro que fere o centro da pedra no sol Como um êmbolo que penetra a carne como um grito que escala as amuradas da terra e se revira no côncavo do olho átrio da luz 2 A fera solitária dentro do corpo O animal de robustas vértebras separando a luz das trevas Uma fonte sem fundo A fera no chão do céu da boca na língua a fera das mãos possessas das mãos de lâminas galopantes emergindo do silvo dos seixos na água qual um buraco de cinza que golpeia veias no coração 3 além mundos submersos onde a vida é mais vida que a vida onde pés dançantes rompem sacos de moedas relampejantes onde o machado dos carniceiros fere o momento dos astros e a 5 sinfonia emerge das raízes primaveris Trans-acto de cabelos genésicos nas rugas das máscaras carnívoras onde os rostos dos pupilos de Apolo sangram onde a expansão do dórico mármore se aniquila sob a violência de Dionísio 4 Ó nobre Aquiles ! Cântico da fúria do teu amor por Patróclo O estigma dourado no corpo de Heitor que arrastas à volta dos muros de Tróia até que a carne e o sangue se purifiquem na mó da tua vingança Terramoto no fígado de um pai que, resignado, segura, entre mãos ensanguentadas, o coração exangue de seu filho tão amado 5 Jardins. Jardins onde enterramos os mortos com lâmpadas fosforescentes nas bocas Suspensões de delírios nos cornos do Minotauro Holofotes de carne ... Ó Aleph de cornos transbordantes! Signo que se constrói na água da água que flui pelo labirinto dos sismógrafos e arrasta consigo a claridade dos relógios até ao limite das trevas 6 No limbo do vazio dos teus desertos charruamos um caminho por entre braços de virgens mulheres Oh! O sangue menstrual que lhes corre pelas pernas um olhar obscuro hieroglífico Semântica de um fogo incerto como um regaço de pequenos animais que se alimentam no triângulo dos ribeiros e explodem nos limiares das aldeias lacustres 7 Ah! O desejo de um veículo verde de esperança que nunca guiamos as fístulas de pórticos quebrados contra um abismo de paliçadas perturbantes que nos morde o palato.... Metáfora-boca, Boca-metáfora Pescoço sangrando que brotas do Estige Morno leite de um alfabeto entre portas fluindo pela violência do asfalto em brasa, no amor dos flancos da fêmea, na voz que se ergue da terra Email: l.Costa@web.de Blogue: http://oarcoealira.blogspot.com/ Publicado por Rubens Jardim em 07/04/2009 às 10h46
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