
A CHEGADA EM SANTORINI
O barco aportou em Santorini
e o tumulto despertou meu coração
menino. “Para Thira? Sim, nós te levamos
para Thira. Venha conosco.”
Preso à minha língua, e ao cativeiro de
meu corpo, não sei para onde vou.
Só sei que vou por aí, celebrando
sinais antiquíssimos, indícios
da sentença délfica entre
o fogo divino e a taça repleta.
Apesar disso, um burburinho de vozes
preenche meus ouvidos.São sons familiares.
Vestígios de imagens que saltam de poemas
antigos. Mas tudo isso é intraduzível
diante da turbulência desse cáis.
Onde os mitos, os monastérios,
as tumbas, e as mensagens dos deuses?
Onde a triunfal cidade, os negociantes
de azeite e vinho ? Onde os tronos,
os templos e os vasos cheios de néctar?
Acho que o amigo poeta tinha razão:
eu também fui visitar a Grécia
e ela não estava lá.
Estavam turistas de todas as partes,
mochilas, walkmans,cameras fotográficas,
filmadoras, laptops, celulares e até os últimos
e inúteis desafios da razão moderna.
Mas cadê a presença da lira melodiosa,
da gaita pastoril e da ária de himeneu?
Os antigos erguiam deuses, catedrais
e trabalhavam com arados, bigornas e charruas.
E o que fazemos nós com as chaves perdidas,
as portas ausentes, e os deuses mortos que
sairam da terra e das nossas almas
e ficaram suspensos entre a imagem e a palavra
a abstração e o objeto, a idéia e a coisa.
Recorrência e surpresa.
Será assim o meu grito
diante da boca agonizante de Apolo?
Ou invocarei Dionísio,
o deus bailarino para uma contradança?
Por incrível que pareça estou aqui agora, 2003,
e sinto que não vou mais achar a água
limpa para lavar os meus olhos. Meu destino
está suspenso entre a entrega e a reserva
entre o grito e o silêncio,
entre a festa e o velório.
e todas as coisas solitárias que amo sem compreender.
Entro no ônibus, absolutamente lotado.
Turistas de todas as partes do mundo não confraternizam comigo.
Estou mais sozinho e inutil do que os dourados carros de combate
ou os antigos e sacros teatros que se calaram para sempre.