Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
27/11/2015 14h51
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (68ª POSTAGEM)

CLAIRE FELIZ REGINA (1928) poeta matogrossense, nasceu em Campo Grande e é funcionária pública aposentada.  Aos 17 anos mudou-se para Bauru-SP, cidade onde se casou e teve os seus filhos. Posteriormente veio para São Paulo , onde reside atualmente.  Quase aos oitenta anos passou a escrever poesia. Publicou  3 livros de poemas: Meu jeito de falar(2014), Poemas eróticos (2014) e  Caquinhos de poemas(2014).

 

O MARIDO

Antes ele fazia sexo demorado.

Cheio de preliminares.

Reclamou-me a vizinha,

virou poeta de hai-kai,

agora, só quer dar

“uma rapidinha”

 

POEMA PARA UM AMOR MAIS JOVEM

Você nãofez.

Você é um poema,

que pena...

Por que só agora?

Por que tanta demora?

O que você escreveu é lindo,

mas pra mim, fora de hora.

 

Eu nasci bem antes,

eu tinha pressa,

eu queria ver a vida,

eu queria encontrar um poeta.

Mas terminei desencontrando,

pois na estrada da vida,

você está na entrada,

eu, na saída.

 

NOSSO AMOR

Por que o nosso amor tem que ser assim?

Te amo porque não posso viver sem você,

mas te odeio porque você pode viver sem mim.

 

A ESTRADA DA VIDA

A cidade onde eu nasci,

as ruas por onde andei,

os lugares que eu conheci

e as paredes onde eu amei.

 

Deles eu nunca me esqueci.

 

São os lugares da minha vida,

espaço da minha memória,

se um dia eu for poeta,

vou cantar em sua glória.

 

Ela pensa que se lembra de todos,

mas há uma estrada

que anda muito esquecida,

justamente aquela, que foi a primeira

por todos nós percorrida.

 

Nenhum poeta fez versos pra ela,

nem você se lembra do nome dela.

 

Perereca, xoxota e até periquita,

são nomes que dão para ela,

mas você sabe, na verdade, o que ela é,

ela é a porta de entrada da vida.

 

E se você não nasceu de cesariana,

tenha mais carinho ainda com a

 

perseguida

 

Pois ela já foi, um dia,

a sua única saída.

 

ROSANA CHRISPIM (19  ) poeta mineira de Carandaí, morou em Juiz de Fora até mudar-se para São Paulo em 1967 e, depois, em 1970 para São Bernardo do Campo. Formou-se em jornalismo e exerce a atividade de produtora gráfica até hoje. Publicou 2 livros de poemas: Semelhanças(1986) e Entretempo(2003) e teve trabalhos divulgados em revistas e suplementos literários.

TRANSE

A despeito

do céu intoxicado de fumaças

e resíduos

do desvario arqueando o ombro

da espada sobre a cabeça

a alma está acintosamente clara

espantosamente lirica

 

Os olhos aprisionados delatam

sentidos esmiuçados

desejos alvoroçados

 

A lua explode meu fim

adiando-o

 

CONTRACULTURA

às vezes

me desajeito

a palavra é

minha arma e

com ela me firo

momento em que

gesto/ voz/ verbo

não são meus

me desapropriam

 

Com quanta poesia se alinhava um verso

 

alma armadilha

algaravia

 

o poema me desacata

penetra/ fala

fundo/ alto

ve quando quer

imperativo estio

 

Com quanta poesia se cala um verso

 

NAU

confia ainda

que há portos

nas cartas dessa ímpar navegação

 

céu mar embarcação

desfavoráveis

mas há portos

 

prontos

a receber as passageiras amarras

pra restauro do casco

cuidado da máquina

retomada do leme

 

ao navegador

(in)certeza e travessia

 

aos portos

o quinhão da espera

 

ALENTO

Bem devagar

vem o desejo

e cochila

 

Vem bem devagar

um quase desejo

em meu ombro e cochila

 

Vem bem devagar

aquele quase desejo

do seu ombro e cochilo

 

MARILIA KUBOTA (1964) poeta paranaense, é escritora e jornalista. Publicou poemas nos livros Pindorama (2000), Passagens (2002), 8 Femmes (2007), Antologia da Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milénio (2008), Selva de Sentidos (2008), Blablablogue (2009) e Todo Começo é Involuntário - Poesia Brasileira no Início do Século 21 (2011). Seu livro, Esperando as Bárbaras, foi publicado em 2012.

 

LIKE A ROLLING STONE

como ser pedra

que rola no abismo

ser desvario

muitos gostariam

não podem

seguem programas

temem desabe o céu

 

ser inocente

— uma outra forma

de fazer arte —

pintar a parede

 

quase tudo

morre

de velhice

ou mesmice

 

se houver um buraco

para cavar

avise

 

talvez haja fórmula

para escrever

rimas, x e y,

se você quiser,

mas o que irrompe

é a onda elétrica

além do blablablá

 

a eloquência

arranca aplauso

cobre o rap soluçado

 

jogar paciência com cadáver

obedecer ordens não escritas

o raio atinge

em vez de rosa, cacto.

 

nem santo

nem ator:

 

o poeta é perdedor.

 

ESTE SILÊNCIO

este silêncio

é pra ser ouvido

como quem ouve

um velho amigo

 

como quem

põe sentido

 

e repercute

o menor ruído

 

este silêncio

é pra ser ouvido

contra o motor do avião

e placas de Proibido

 

pra ser ouvido

como quem anda pra trás

e acha divertido

viver por um triz

 

este silêncio

é pra ser cortado

por um pé de vento

e súbito cair abatido.

 

CINZA

estamos distantes

do que éramos,

estrelas, abelhas.

 

os pensamentos

giram, monótonos,

como zumbido

entre orelhas.

 

rápido dizer.

rápido chorar.

por favor encante

rapidamente

para embarcar

no trem sem volta.

 

métod, sísifo,

me entrego ao erro

cada vez mais.

 

enquanto homens se embriagam

mulheres despencam nos lençóis

o desespero é abafado com suavidade:

amamos a voz dos pássaros

sem ouvir seu canto.

 

GASTE TEMPO

ghaste tempo

correndo atrás do vento

como um cego

que emprega mal os dedos

perseguindo
lamentos dum prego.

 

amar pra você

é agradar

pra mim

soltar

quando menos se espera

encontrar a melhor forma

pro desespero

lutar contra a luminosidade

do sol

e fugir

de qualquer altar.

 

bravo

você tem jeito

pra escrever versos

eu só finjo

minha ikebana

tem flor de banana

 

FRANCESCA CRICELLI (1982) poeta paulista, nasceu em Ribeirao Preto, é tradutora e pesquisadora. Seu livro de poemas Repátria foi lançado recentemente, em agosto deste ano. Morou na Itália, na Espanha, na Malásia e, por alguns meses, na Índia e no México.

 

REMOVER DO CORPO AS CROSTAS DO SILÊNCIO

No se puede contemplar sin pasión.

(Borges)

 

Remover do corpo as crostas do silêncio

tudo que é vivo e exposto grita

e gira, pela avenida

a dor se junta ao rumor.

 

Para chegar à clarividência

procura-se um ritmo, qualquer um,

que descompasse as artérias —

 

a vida enverga sobre a avenida

no peito só a voragem do eterno,

a fração do abalo sísmico,

desenha na mão cataclismos.

 

RUA ABÍLIO SOARES

A casa caiu

e o vazio

fisga fundo

a ferida.

 

A rua muda,

a sombra nua

espraia o sol,

meus passos passam

 

CATEDRAIS

Força sutil e estrondosa

a nossa catedral

erguida no peito vazio –

 

no silêncio dos olhos,

sós e incessantes

construímos um penhasco,

ponte de uma dor a outra.

 

Como todo ser vivo,

hoje estamos

cada um com seu vício.

 

É O NASCER DO DIA QUE RASGA O PEITO DOS AMANTES

É o nascer do dia que rasga o peito dos amantes,

como o verde que colore ois olhos,

na mesma diagonal, o desenho de um milagre.

 

Plantar na terra

pés com o coração

e não ir mais embora

agora que colocaste o mar no céu.

 

Enquanto na gargante brota-se

a línguia dos antepassados navegadores

meu olhar permanece no horizonte.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 27/11/2015 às 14h51
 
03/11/2015 19h35
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (67ª POSTAGEM)

THAIS GUIMARÃES(1962) poeta mineira, nasceu no Ceará. Autora dos livros Jogo de cintura (1983), Dez pretextos para uma noite de solidão (1983) e Bom dia, Ana Maria (1987, Prêmio Jabuti de Melhor Produção Editorial Infantil e/ou Juvenil). Tem poemas publicados em diversos jornais, revistas e antologias.

O anjo combalido nada sente, nada vê
Adormece o sono dos heróis
Sob a bandeira da inutilidade:
Nada fiz, nada sou.
O verso foi escrito, reescrito,
E a natureza é morta.

DA SÉRIE PAISAGENS

                                   santiago, 1984

noite de calmaria

a praça vigia

nosso amor

de artilharia

NOTURNA

A flor dos meus seios

Aguarda

A tua língua

O gosto da fala

Intraduzível

Em minha carne

SOBREVIVENTES

Não há mais país, pátria, amigos, tudo

é virtual silêncio correndo no dia

ao encontro do precário, essencial sentido de seguir.

Por que não parar num declive qualquer da memória?

 

Perdi bondes, trens, caronas, agora

olhando o céu tão perto das nuvens busco referências

na ausência das distâncias, dos limites, das cidades,

e em velocidade supersônica meu coração pode parar

em um segundo, desconectar geral , em busca

de uma sala de amigos, casa sem móveis, violão, cachaça,

agito, joão, barreto, sônia, tião, carlinhos, tempo

sem pressa. Imprescindível.

 

Não há tristeza, desamparo, amargura. Estamos

todos seguros nessa aldeia protegida, da morte

vivemos, particulares, produzindo, acessando

a palavra inexorável, agora

plena de sentido, vigora.

 

Nomeamos os que morreram, enlouqueceram ou

apenas partiram, sem dizer adeus

seguimos.

Alguns lançam garrafas ao mar.

 

Outro dia, encontrei uma mensagem criptografada.

Poesia!

ANA MOTTIN (19   )poeta gaúcha, formou-se em direito pela UFRGS. Publicou em 2006 o livro de poemas Olhos de cadela, finalista do Prêmio Açorianos. Em 2011 foi finalista do premio Fato Literário realização do Grupo RBS. Seu primeiro romance  Atado de ervas foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura – Melhor livro do ano Autor Estreante.

CANÇÃO PARA ARRUMAR A MESA

De minha mãe, eu sei, herdei a calma,

os pés no chão, a luz dos candelabros

Mas quem plantou em mim essa semente

a cada outono florescendo em dálias?

Era tão certa a casa em que vivíamos.

Seu lúcido equador, as costas largas,

Sobre a toalha o rol de cicatrizes:

à esquerda os garfos, à direita as facas,

no centro o prato e dentro o guardanapo .

Bonança horizontal, pompa e decoro.

 

Onde coloco, mãe, o desconforto,

essa vontade de afiar as garras?

ANDARILHA

Feridas marcando meu rosto?

Isso é coisa nenhuma

a vida me dói é lá dentro, onde

estou corrompida em vinte

mil fragmentos.

 

Procuro a reza perdida, um cheiro, um sei lá o que.

À noite, reluzem besouros e sinos soam tristonhos.

Batem por mim alguém disse.

Difícil acreditar, a corte já tem o seu bobo.

Sou tudo

menos que nada.

 

Sob essa luz que esmerilha a dureza do concreto

fazendo nascer no asfalto olhos de boitatá

me defendo como posso.

Olhos voltados pra trás quero rever a árvore,

caverna, beira de poço

onde pousavam pardais.

 

Minto ao oficial da alfândega dizendo que tudo é meu.

Não sei o que levo nas malas

de outros as recebi .

 

Chego mais perto

e o que grita

o que no interno sussurra

gravado na minha pele, vira matéria

de sonho, nuvem gerando pedra,

e esta fome abstrata que não cabe no meu lenço.

 

Quem me dera ter agora a velha taça lascada onde bebia meu pai.

Seu chapéu de gabardine tinha uma sombra macia capaz de coar o mundo.

 

Chega de assombrações, o meu destino é partir.

É tarde, o mundo se acalma, feito paisagem da Holanda

onde há sempre uma ameaça, um afogar-se de vez.

 

Andar é coisa sagrada.

Não ser feliz justifica.

HELENA

A vida que atravessava

o seu peito tão escasso

de segunda a sexta-feira

(sopa rala, prato raso)

passava sem perceber.

Mas era ainda domingo

e o seu homem aos domingos

montava nela apressado

esparramando o cinzeiro

e a raiva surda, salário.

Helena não reclamava.

Amor talvez fosse isso

a casa limpa, arrumada,

os restos de uma esperança

e os filhos dormindo ao lado.

Um dia, talvez, quem sabe,

se o calor não fosse tanto

cinza cimento pesado

o mesmo  homem de sempre

com boca nua beijasse

e Helena

(corpo pequeno)

e Helena

(peito apertado)

no lençol de todo dia

estampadinho passado

seria uma outra Helena,

por uma vez demasiada

POEMA DE AMOR SEM NINGUÉM

Este poema de amor

é  bilhete sem destino

Não sei a quem entregá-lo

Não há nome no envelope

nem rua, nem direção

Ternura jogada fora

saudade apenas, sem fatos

que se possam recordar

este poema de amor

reincidente e insano

joga sal no oceano

transpira lençóis de insônia

esboça os traços de um rosto

traceja a forma de um corpo

apaga, torna a fazer.

Vento vago que levanta

e  logo depois deposita

palavras soltas, papel

este poema

(eu mesma)

este poema é ninguém.

MARIANA TEIXEIRA (1984)  poeta goiana, morou em mais de uma dezena de cidades. Em 2014, participou do Festipoa declamando poemas. Publicou os livros Inversos Paralelos (2013) e  O que tirei da mala (2015). Também é criadora do projeto ‘Gota a gota’,  com a artista plástica Shirley Soares

CRIME

tenho

tendências

assassinas

 

mato saudades

com golpes

de falta de ar

ENCOMENDA

Hoje

um trecho do mar

chegou em casa.

 

Tem dias que não chega nada.

Tem dias que chega o óbvio.

Tem dias, como hoje,

que chegam coisas grandes.

Mar, montanha, onça.

Às vezes, cidades inteiras

vistas de cima.

 

O vão

entre a porta e o chão

é uma espécie

de portal

 

DOAÇÃO

tirou do armário

o que não servia

não queria

e nem sabia

que tinha

 

tirou tudo

e colocou de volta

só o que usaria

 

o par de asas

ficaria ótimo

com os pés descalços

DESORDEM

Passava uma mão nos cabelos

domando os fios

que brigavam

com o vento

 

Com a outra mão

domava a saia

que subia e descia

causando vergonha

nas coxas brancas

 

Com menos mãos

do que queria

domava o que dava

e seguia

ELLEN MARIA DE VASCONCELLOS(1987) poeta santista, é formada em letras e vive em São Paulo. Atua como revisora, preparadora e tradutora de textos. Já teve pomeas publicados em varias antologias e marcou presença nas revistas Zunái e Mallarmargens. Seu livro bilíngue Chacharitas & Gambuzinos foi publicado este ano, em agosto.

BENEFÍCIOS DA ATIVIDADE FÍSICA
Mostrei o meu pé
E o cara tremeu
9 anos de balé
- eu disse
E o cara gemeu
4 de ginástica olímpica
E o cara lambeu
3 de futebol
Põe na minha cara
- ele disse
Mais 2 de judô
E o cara gozou. 

 

SINTOMAS

Lavávamos tudo junto

Pendurávamos entre os dois

eu passava minha mão no seu cabelo

você me passava o vestido

Saíamos cheirando gostoso de casa

Sempre com vontade de ficarmos

você encharcando lençóis

eu mordendo almofadas

Depois discutimos por um xampu

Ou era condicionador? Anti caspa

você se foi com a cama

achei melhor tirar a corda

Já viu quanto cabe num varal de teto?

Da nossa casa fechei as janelas

pra não molhar os retratos

e um ano depois me mudei

Acabou que nunca mais pedi a ninguém

que tirasse a roupa

porque ia começar a chover.

DO CLAUSTRO A PIA

Não dá pra por o filho de novo no ventre

Não dá pra por o vômito de novo pra dentro

Não dá pra expor o íntimo e sair isento

Tinha que sair, saiu a tempo:

o filho morto, o gosto fétido, o sentimento.

LUGAR DE ESPERA

Ser mãe

e contar nos dedos

quantos anos faltam

para colocá-los pra fora.

Mas não tenho pressa

tenho tempo

e dentro de mim

todos os filhos do mundo.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 03/11/2015 às 19h35
 
29/09/2015 12h32
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (66ª POSTAGEM)

MÁRCIA RÚBIA( 1957)  poeta baiana, é graduada em letras e pós-graduada em planejamento educacional. Participou de várias antologias e concursos literários e já foi premiada várias vezes. Colaborou com os jornais Sudoeste, Et Cetera, O Rascunho e Jequié, escrevendo matérias, crônicas e poemas. Atualmente é membro da Academia de Letras de Jequié. Publicou seu primeiro livro no ano passado: Procura-se a Poesia.

DOIDA VARRIDA

Por que não fugir

Dessa tempestade que arrebata

Fantasia insana, labaredas

O meu corpo em chamas.

Vivo num mar sem fundo

Náufrago em uma ilha

Personagem sombria e louca

Aprisionada em martírios.

Por que não afugento

Os fantasmas do meu duplo?

Repousa uma montanha russa

No vale do meu delírio.

E por ser a eremita

Da gruta dos caminhos

Anjos, bruxas e duendes

Farão um banquete de redemoinhos.

E por não demolir

Paredes de solidão

A santa e profana amordaça

Os papas da Inquisição.

 

A SHALLENGER

Subiam a vidas

na chama do desconhecido

ansiosas

felizes

quase deuses!

Mergulharam em sonhos e nuvens

flutuando infantis

dentro do ônibus

qual pássaros.

Era tão fácil transpor fronteiras

fazer valer canhões em guerras

ou capitalismo

(onde também o orgulhoso olho de Reagan

alçava vôo com os ícaros alado).

A mente humana palmilha os céus

em futurismo exótico

quando a coragem acasala-se com o infinito.

É tão fácil desafiar os céus de artifícios...

Sem anacronismo respiramos o avanço:

são prodígios do homem e da tecnologia.

O que poluiu o universo foi a morte sem poesia...

 

OS LIVROS

Existem coisas que se aprendem com a Natureza:

respirar ar puro

caminhar pelas manhãs

abraçar um sonho

lutar pela vida

e ter sentimentos em forma de estrelas.

Existe algo bonito:

olhar para os lados

e encontrar amigos

vestidos de papel

esperando ser folheados.

É um hábito gratificante:

brincar com as letras

correr atrás dos sentimentos

que escapam das páginas

brincar de amarelinha com as ideias

torcer por um final feliz

ou conhecer de perto

o lado cinza da existência...

A leitura é um banho maravilhoso na alma

é vestido novo por dentro

é laço bonito de cultura

é disciplinar os momentos

Criança

aperte a mão do livro

na aprendizagem da vida.

LEIA!

Os livros são bons amigos!

 

SONIA BARROS (1968) poeta paulista, nasceu em Monte Mor e desde a infância mora em Santa Bárbara d´Oeste (SP). Formada em letras, fez teatro, dança e canto. Publicou 17 obras para de literatura infanto juvenil, dentre eles: Coisa boa, O gato que comia couve-flor, Asas de dentro .  Em poesia, 3 livros: Mezzo Voo (2007 ), Fios (2014) e Tempo de dentro , estes dois últimos vencedores do Prêmio Paraná de Literatura, na categoria poesia. em 2014 e 2017 respectivamente.

NOVELO

Ao descer do palco,

desejava carregar

cada personagem,

feito um sapo

colado às costas:

pele, carne, vísceras

de outra pessoa

ou bicho

                    para poder não ser.

Príncipe-marionete

guiado por fios

fantasmas não queria

— nem no palco —

só se pudesse

encenar-encarnar Teseu

e o real deixasse

de ser labirinto

                    para tornar-se caminho:

Ariadne a resgatá-lo

por um (único) fio.

 

SEM LUGAR

                                            (a partir do poema “vida minúscula” de Donizete Galvão)

para quem nasceu destinado

não à enxada

mas a trabalhar em casa

alheia, repetindo

a lida materna,

o desejo do voo

– mesmo rasteiro –

fazendo da palavra

seu meio de vida

é quase uma afronta

ao imutável destino:

casulo-mordaça

sempre a lembrar

o devido lugar

 

da menina lagarta.

 

HERANÇA PATERNA

Não nasci sem pai:

ele esperou até que eu nascesse.

 

Depois,

ao constatar o sexo frágil

de sua quarta frágil-filha-mulher,

ele, o homem forte,

se foi.

 

Como herança,

deixou-me esta aptidão

para vôos interrompidos:

 

                                eterno fugir

de onde nunca estivemos.

 

MAHLER MONUMENTAL

Ouvir com todos

os sentidos:

espírito absorto

peito a expandir-se

paz e desconforto

nostalgia e angústia

na mais profunda, nua

solidão.

Desintegrar-se

ao som de sopros, sonhos,

saltos por entre escombros

de vidro e veludo:

espírito partido

disforme

sempre suspenso

sobrevoando pântanos

e colinas à exaustão

– sôfrego percurso

de toda a humanidade num só homem

perdido em céus

 

de impossível redenção.

CLARISSA MAIORINO ZELADA (1970) poeta paulista, nasceu no interior de São Paulo: São José dos Campos. É formada em psicologia pela USP e atualmente é graduanda em letras na mesma universidade. Publicou o livro Tatu Inverso (2013), Seu próximo livro se intitula Fugacidade. Escreve regularmente no seu blog www.tatuinverso.com

PUDIM

Meu seio

na concha

da tua mão

pousado

lembra

uma colherada

de pudim

roubado

num assalto

à geladeira

 

no meio

da madrugada

balança

sem pratos

desequilibra-se

transgride

a lambida

nas costas

da colher

mulher

adormecida.

 

FALTA

No mundo dos excessos

sinto apenas falta

sinto pelas minhas faltas

sinto pelos meus excessos

sinto pelo mundo

a tua falta

tão una

tão simples

a duras penas

a tua, apenas.

 

CONFESSO-TE

Confesso-te intimamente: te roubo.

 

Hoje, ontem, desde que te conheci

te roubo antes mesmo

antes de nascer, antes de existir

pois te roubo a memória

daquilo que não vivi.

 

Persigo-te incansavelmente

o sonho, a pele enquanto dormes

aproprio-me dos teus contornos e

desnudando-te, ocultando-me vou

em tuas vestes.

 

Que saibas que te roubo o gesto

o rastro, teu prato predileto

e quanto mais o faço

mais és novo, mais és outro

renasces em mim

em sonhos como flores

que me brotam da perna

ramos, folhas rebentam

de uma forma singela

e tão docemente me colhes

que pareces saber

que o faço desde sempre e

sem importar-te, deitas

mais tantas outras vezes

em meu ventre

a tua semente.

 

CIGARRO

No carro ao lado

ao volante vai

queimando um cigarro

enquanto espera o sinal

vermelho

na ponta em brasa

estático o tempo passa

consumido no papel.

 

Espera, me deu vontade

de conversar com a fumaça

do teu cigarro, confusa, sinuosa

uma conversa feita de silêncios

ascendentes espirais de pensamentos

perder-me na fumaça, esfumar-me

lua arredondada no céu

da boca soprada, escapar-me

por narinas, olhos lacrimejados

ser este cigarro que tragas

queimar-me na brasa

abraçar o tempo consumido

nas cinzas da vida

palpável.

 

No verde me disperso

acelero, me despeço.

 

SIMONE DE ANDRADE NEVES (1974) poeta mineira, é advogada e teve poemas publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, Poesia Sempre, Revistas Mininas e Polichinelo. Em 2006 participou, como convidada, do projeto arte no ônibus e da pelada poética, 2010 e 2013. Publicou os livros Coração como engrenagem(1994) e Corpos em marcha(2015).

O TEMPO ABRANDA AS COISAS

O Sol

fez branco

o terço rosa

deixado

sobre o túmulo.

 

O GADO

Os bois
cabeças e patas
em círculo centrípeto
urram e propagam
montanhas acima,
às orográficas, uma morte.

 

Cessado o réquiem
citadinos!
talhamos o bife
frigimos até as vísceras
apaixonados
sem compaixão.

 

MARULHO
A cólera do mar
na cólica das águas
nos recifes:
choque de água e pedra
nos rochedos
a interrupção.
Ondas do mar
no percurso
da arrebentação

 

DUCHAMP ARDIDO

O aposto

e o hermetismo

Tal urina, urinol

um coração expande amorfo

a decompor dejetos metafísicos

cavo, calva, a cova.


Publicado por Rubens Jardim em 29/09/2015 às 12h32
 
02/09/2015 19h55
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (65ª POSTAGEM)

RIZOLETE FERNANDES (1949) poeta potiguar, é socióloga e militante dos movimentos sociais. Nesse caminho publicou o livro “A história oficial omite, eu conto: Mulheres em Luta no RN”. Reside em Natal desde 1971 e já foi agraciada com as medalhas Nísia Floresta e Auta de Souza. Publicou os livros de poemas Luas Nuas(2006) e Canções de Abril(2010). Participa de várias antologias e é membro da UBE. 

DIÁLOGO COM FANTASMAS

                             a Margareth Felipe

Ensinou-me um anjo a não temer fantasmas

descobrir de onde vêm por que motivo

saber portar-me em sua companhia

sem os expor à-toa ou ocultá-los

no sótão embaixo da cama

ou sob o travesseiro

 

Às vezes

por falta de hábito

o ciciar de uma asa-invisível ainda espanta

noutras

são minhas desassossegadas atitudes

que os assustam

 

Na maioria das tardes

os recebo para um chá no apartamento

e frente à frente

entre uma torrada e uma confidência

vamos estabelecendo

uma civilizada convivência

MOSAICOS

                a Amaro Bezerra

Qual mosaico mal posto

no tabuleiro do assoalho

o encaixe da palavra

no texto às vezes

soa exíguo

 

Inda que ajustado

a malho (igual

ao desnível do piso

no contexto da sala)

resta ambíguo

 

Mas o resolver-se

que a momento silencia

noutro estala

FAZ DE CONTA

Te esperei

durante oito uísques

três visitas inesperadas

quatro maços de cigarro

enquanto um copo suado

aguardava o brinde a dois

 

E compus frases de efeito

para bem te impressionar

fiz promessas em versos

castelos para te abrigar

mas tu não vieste

na hora marcada

nem depois

 

Madrugada em meu peito

nicotinumedecido

realça o claro escuro

do sonho subtraído

ao dia que vai nascer

ESTRABISMO

Estrabismo

olhar atravessado

tudo eufemisno

para mudar de lado

ANA CAETANO(1960) poeta mineira, é médica e professora da UFMG. Foi co-editora da revista Fahrenheit 451 e do jornal de poesia Dez Faces. Participou da coordenação dos projetos Temporada de Poesia (1994) - em comemoração aos 100 anos de Belo Horizonte, Poesia Orbital (1997) – coleção de livros de 60 poetas de Belo Horizonte, e do CD Cacograma (2001). Publicou os livros de poemas: Levianas (1984), Babel (1994) com Levi Carneiro, e  Quatorze (1997).

Quase tudo pode ser descrito

         menos o escuro

Quase tudo pode ser proscrito

         menos o que eu juro

Quase tudo pode ser previsto

         menos o futuro

ANATOMIA

Qual a matéria do poema?

A fúria do tempo com suas unhas e algemas?

Qual a semente do poema?

A fornalha da alma com os seus divinos dilemas?

Qual a paisagem do poema?

A selva da língua com suas feras e fonemas?

Qual o destino do poema?

O poço da página com suas pedras e gemas?

Qual o sentido do poema?

O sol da semântica com suas sombras pequenas?

Qual a pátria do poema?

O caos da vida e a vida apenas? 

           

ERRATA

Nem tudo que foi dito

é crédito

digno de estória

 

Nem tudo que foi mito

é inédito

repouso da memória

 

Nem tudo que eu repito

é mérito

ou grito de vitória

DILEMAS DE GUERRA

Acertar na mosca é fácil

O difícil é atirar na sorte

 

Confiar na sorte é fácil

O difícil é evitar tempestades

 

Colher tempestades é fácil

O difícil é planejar o naufrágio

 

Sobreviver ao naufrágio é fácil

O difícil é encontrar companhia

 

Ser companhia é fácil

O difícil é acompanhar a batalha

 

Vencer a batalha é fácil

O difícil é descobrir o inimigo

 

Enterrar o inimigo é fácil

O difícil exumar os ossos

 

Destruir o império é fácil

O difícil é recolher os destroços.

PAULA AUTRAN (1974) poeta paulistana, é historiadora, jornalista e mestre em artes cênicas pela ECA. Já teve seis peças encenadas e é integrante do Centro de Dramaturgia Contemporânea. É autora do livro infantil Vovó Rock and Roll e do relato jornalístico A Volta dos Mutantes. Publicou o livro de poemas Manifesto de mim mesma (2014).

Meu corpo que já emprestei 
para o meu filho, 
para os meus amores,
para as minhas dores,

meu corpo com o qual caminhei
por escarpas íngremes, 
por estradas tortas, 
por abismos loucos,

meu corpo apartado de mim
por tanto tempo,
meu corpo do qual me desvencilhei
por séculos,

meu corpo que clamou no deserto 
por mim 
meu corpo que tentou pagar meu resgate
milionário,
meu corpo que sangrou sozinho
enquanto eu vagava por destinos
incertos.

Meu corpo para o qual olhei
por sobre meus ombros,
fingindo não vê-lo
meu corpo jogado em um canto
escuro do calabouço da minha vida,

meu corpo,
meu maior desafio.

Meu corpo: 
(prometo)
estou chegando 
e irei resgatá-lo
para juntos retomarmos 
a caminhada.

MANIFESTO DE MIM MESMA

Ficam revogadas todas as ideias contrárias a mim mesma.

(Ideias minhas, que fique claro).

 

A partir de hoje poderei livremente exercer a mim mesma,

por aqui reinará a mais completa auto-indulgência.

 

Poderei gostar livremente da língua portuguesa.

Poderei amar livremente as palavras sôfrega, irrefreável,

consubstanciosa e soslaio.

 

Poderei livremente renegar o rock,

o fim da poesia dos ônibus de janelas abertas

e o fim do silêncio nos salões de cabeleireiro.

 

Poderei livremente renegar o uso irritante da tecnologia.

Poderei, inclusive, ser muito, muito incoerente

e postar isso no Facebook.

 

Poderei livremente gostar só de músicas de mulherzinhas

da nova safra da MPB

que cantam baixinho

e usam vestidos floridos.

E em seguida morrer de tesão ouvindo

o Mick Jagger cantar Angie.

 

Poderei livremente fritar ao sol sem medo de raios UVA e UVB.

Poderei proibir meu filho de comer chocolate

e ver desenho na televisão,

 

e imediatamente dar a ele café com leite,

e rir com ele vendo Alien X O Predador.

Posso não gostar de gibi, nem de textos pós-dramáticos

e morrer de sono e tédio ao ver uma peça sem narrativa.

 

Posso ensinar o hino do Corinthians ao meu filho,

dizer a ele que esmalte é coisa de mulher

e depois deixá-lo usar meu batom e andar com meus

sapatos de salto alto.

 

Posso olhar para um homem e dizer:

quero te beijar agora

e chorar como uma virgem em casa

de solidão e saudade.

 

Posso não prestar continência a ninguém.

Posso não ter medo de nada,

só do meu desassombro.

 

Posso tudo o que eu quiser

do jeito que eu quiser

na hora que eu quiser.

 

Porque quando eu atravessar a rua

amanhã de manhã

ou agora mesmo

bem daqui a pouquinho,

 

diferente de você,

tenho certeza de que um caminhão

bem grande,

bem veloz,

bem veloz mesmo

e

desgovernado

pode acabar

com qualquer certeza,

medo,

raiva,

tédio

ou

rancor.

ALGUMA EPIFANIA

E sendo a noite o final do dia deveria

trazer alguma epifania

para rimar, para fazer sentido,

mas não traz.

 

Os desafios auto impostos

crescem gigantes

à minha frente

 

como as bocas dos dragões

que meu filho coleciona

e que no escuro das horas insones ( perdidas)

me metem medo de verdade.

 

Mas fé é para ser tirada do bolso

nesses momentos.

Para que lembremos com destemor

que o mistério é a matéria

que habitamos todos os dias.

 

E que ir e vir é só o que podemos fazer entre

nascer ( vindos de um lugar que não conhecemos)

e morrer ( indo para um lugar que não sabemos se existe).

 

Então, parece mesmo que não há jeito:

o mistério é estar aqui

agora.

 

E disso tiremos o melhor:

procuremos sem descanso o abismo que

melhor nos apraz para sentarmos em sua beira

e balançarmos os pés despreocupadamente,

 

pois para isso

é necessário que eles não estejam fincados

com segurança em terra firme

alguma.

 

POR TÃO POUCO...

Olho para o sabonete na pia.

Ele está no final.

Gosto de usar os sabonetes até o finalzinho.

E pensar o que acontece com eles.

 

Sobram sempre alguns pedaços.

Eles não se extinguem por completo.

Nem o shampoo, a pasta de dente

ou o perfume.

 

Há sempre uma gota no final do frasco,

do recipiente, da embalagem.

Como os grãos de arroz, o pó do café.

 

Nós é que desistimos deles.

Desistimos de apertar o tubo,

de catar migalhas,

de bater no fundo do frasco.

 

Um dia cansamos de nos esforçar

por tão pouco.

MARIA REZENDE (1978) é poeta carioca, atriz e montadora de cinema e televisão. Aprendeu a dizer poemas aos 18 anos com a poeta e atriz Elisa Lucinda. Em 2012, não sendo juiza, nem celebrante religiosa, celebrou alguns casamentos com sua poesia. Publicou 3 livros de poemas : Substantivo feminino(2003), Bendita Palavra(2008) e Carne do Umbigo(2014). Os dois primeiros vinham acompanhados de CDs.

PAU MOLE

Adoro pau mole.

Assim mesmo.

Não bebo mate

não gosto de água de coco

não ando de bicicleta

não vi ET

e a-d-o-r-o pau mole.

 

Adoro pau mole

pelo que ele expõe de vulnerável e pelo que encerra de possibilidade.

 

Adoro pau mole

porque tocar um pressupõe a existência de uma intimidade e uma liberdade

que eu prezo e quero, sempre.

 

Porque ele é ícone do pós-sexo

(que é intrínseca e automaticamente

- ainda que talvez um pouco antecipadamente)

sempre um pré-sexo também.

 

Um pau mole é uma promessa de felicidade sussurrada baixinho ao pé do ouvido.

 

É dentro dele,

em toda a sua moleza sacudinte de massa de modelar,

que mora o pau duro e firme com que meu homem me come.

                

ECLIPSES EM ESCORPIÃO

mudança

revolução

 

Eu estou trocando de pele

e isso não é uma metáfora

 

Feito cobra nas vigas de outra casa

feito um feto quebrando cromossomos

 

Eu sou de outra galáxia

sou invenção de passarinhos

eu não existo exatamente

eu estou de onda com a sua cara

 

Eu sou exuberante

eu sou exagerada

sou a morena peituda

com que você sempre sonhou

 

Sou uma célula tronco

carne do umbigo

sou minha própria cura

drama discreto

lua em Leão

 

Eu não morro

eu vivo

eu sou a regeneração

ORIGEM

Uma mulher é uma mulher ainda que.

Palavras e formas não comportam o conteúdo.

Uma mulher pode ser um jeito

Uma costela, um defeito.

Uma mulher transborda pelos cantos

Enche as medidas

Contorna o desafino.

Toca punheta e toca sino.

Uma mulher pode ser um grito

Uma barriga

Um precipício.

Uma mulher pode um abismo ou um porto

E pode ser os dois

E é.

MORRER PODIA SER SÓ UM POUQUINHO

podia ser um passeio

viagem pela noite que acaba num café

Morrer como uma aventura

uma montanha

andar o deserto a pé e depois voltar

Como dançar de olho fechado

se perder em outro corpo

como uísque bom, um sono inteiro

um prazer, um cheiro

Morrer podia até ser um castigo

porta fechada com prazo de fim

mas não esse buraco, esse abismo

seu riso pra sempre ausente

sua música soando e mim


Publicado por Rubens Jardim em 02/09/2015 às 19h55
 
14/08/2015 00h43
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (64ª POSTAGEM)

MARGA CENDÓN (1959) poeta gaúcha,  é também artista plástica, cronista, contista e assina, atualmente, coluna na revista Viapampa (edição impressa) na cidade de Uruguaiana, onde reside. Participou de várias antologias (Os Cem Melhores Poemas do Twitter 2013) e publicou dois livros de poemas: Lonjuras(2013) e Sal e Trigo(2014).

POEMA 3

Não há fim.

Tudo em mim

é recomeço.

POEMA 21

Sou enraizada no pampa.

Quando um pássaro me habita

sou uma árvore que canta.

POEMA 39

Asa... Palavra que

Remete às lonjuras

 

Desenraíza-me.

 

E já não cabe a solidão

das gaiolas.

Sou um verso que voa.

CLASSIFICADOS DE CARNAVAL

Eu, Colombina,

procuro o Arlequim

que chorou por mim

no meio da multidão.

Quem souber informar,

favor contatar um dos

mil palhaços no salão.

DORA RIBEIRO(1960) poeta matogrossense, nasceu em Campo Grande, viveu mais de 20 anos em Portugal e mudou recentemente para a China. Estreou com Ladrilhos de Palavras (1984) e publicou os livros de poemas Começar e o fim (1990), Bicho do Mato (2000), Taquara Rachada (2002), A teoria do jardim (2009), Olho empírico (2011).

quero falar uma língua nova

principiada na carta do teu

corpo

sem escrita lúcida nem

modos genitivos

quero uma língua

já gasta

gentilizada

versada em todos os

paganismos sórdidos e

elegantes

imagino-a já enciclopédica

ruminante e

devoradora de esperas

língua sem contenção

musa de labirintos

MEU CINEMA

o plano está bastante

inclinado

e nós estamos lá

simples e

molhados

 

(há ovelhas à volta

e as árvores são

esculturas feitas de

ventania)

 

o chão

olha debaixo

da minha saia

 

e você vê ali

o céu descoberto

 

eu finjo distração

e morro por segundos

nos seus braços

NA POESIA...

Na poesia

a palavra só ressoa depois

primeiro fala para dentro

numa fidelidade própria das coisas sem começo

nem fim

 

aqui

como nas Ruas

há caos e transparência

poucas saídas e uma só entrada.

BEIJING

toda destruição

deixa alguma espécie de marca

caras queimadas

braços vazios

fios elétricos pendurados no ar

 

reescrever não tem lastro silencioso

todos os paus do corpo

gritam

pedem justiça para a sua pele

nada mais teatral do que a morte

disse ashbery

mesmo a morte do acabado

 

o reescritor porém ignora

a propagação do desejo

de destruir não destruir

e convencido da história

constrói não constrói

.....................................................................................

osso

oráculo

osso

de tanto se repetir

a língua vibra

em estilhas e

mergulha em novos

significados

palavras escuras

nascem

já divinatórias

para fazer morrer em

mulheres e

homens as suas

primeiras imagens

sob manhãs moventes

pensar os arredores

e seus sexos

é obra de demolição

CRISTINA OHANA (1961) poeta mineira, fez numerosas performances teatrais nas décadas de 80 e 90. Hoje, faz filosofia na UFSC, mantêm três blogues ligados à literatura e filosofia. Publicou 3 livros de poemas: Senhor S (1980). Fausto sem Rugas(2013) e Pele dos Dias (2014).  Seu poema A Bíblia negra de Chamberlain foi vencedor do Prêmio Moacyr Scliar, em 2008.

MIMESIS DA CAL

Todas as palavras morreram

pá de cal

assombrosamente falamos, agora, sem falar

pá de cal

a escuta em cemitérios de línguas mortas

pá de cal

poemas mudos a andar por estradas brancas

pá de cal

a mulher sem nome que mata nomes

pá de cal

legiões de surdos mudos adentram palácios

pá de cal

os poetas ungidos em sânscrito já não falam mais

pá de cal.

UM POEMA SEM HERÓIS

E era tão grave o dia

que não se compreendia

 

e era tão grave a palavra

que custava sangue

 

e era tão grave a menina

que chamaram-na poesia

 

foram os faróis que nunca teve

os pais sem direção

 

a nudez de afetos

ruas a dentro

 

ao longe as ferrovias do avô

acenavam sorte

 

é que já andava a observar vizinhos

vestida de poema

 

verdes foram os anos

em que não nasceu

 

o resto

cacos de poesia

 

e era tão grave

ser

 

que

inexistiu.

POEMA VERMELHO

Sangue

no pano da cena

Uma navalha risca

a arena

Homens castigam a terra

que os castiga

em omissão de águas

Cactos suspiram mortos

em paisagem assada ao sol

de Granada

Aqui jaz poeta e personagens

Três atos

sete quadros

vinte e uma covas em matemática andaluz

Depois, retirou

sutilmente a pele de todos

antes de os enterrar

Ele os pariu

orientou-os em tragédia

por tanto pode assassiná-los

Espanha anunciada

no suicídio vermelho

de Lorca

CEMITÉRIO DE POETAS

Frio

azulado

o cemitério dos poetas

 

molha-me os ossos

uma chuva ácida

cáustica

 

na terra, Edgar Allan Poe

Rimbaud

Omar Kayan

 

um réquiem exausto

executa-se por si só

no parque

 

foram anjos

foram nada

para o barro molhado

 

o fim dos versos

pesa por sobre a bruma

em lamentos de Mallarmé

 

sou vizinha de Lorca

posso ler ainda

no epitáfio de fumaça

 

a palavra sangue

que cobre a cena

em coreografia arrítmica

 

lá onde dorme Camões

onde mar

é idioma

 

onde Dante descansa infernos

e propõe silêncio

inerte

 

na tumba de Baudelaire

não nascem flores

na palavra flor

 

e eu?

apenas

bailarino palavras

 

onde poetas

não mais precisam

delas.

ELKE LUBITZ (1981) poeta catarinense , é pedagoga e escreve nas redes sociais e em alguns sites e blogues. Já foi premiada duas vezes pela academia de letras de Jacareí: em 2013 e 2014. Participa com dois poemas de uma antologia publicada por essa academia. Atualmente atua como empresária e reside em Jacareí, interior de São Paulo.

ALINHAVO

Na linha da tarde

O fio da esperança

Costura os vazios.

O OUTRO LADO

Construo poemas

Para ser

Lida

Do outro

Lado:

O de Dentro.

NUVEM

segurei forte

tua mão de nuvem

até o céu se abrir

no entre sopro,

- pálpebras do sonho -

alisei os vincos,

dorso imóvel

do teu braço solto

na agonia dos dias

deambulei em giros,

toda ave muda que

me calava a espinha

ora dor, ora sono...

me guardei em ventos

- folhas

- sobras

- ciscos

e galguei os prantos,

“Os

lagos meus,

São

Tantos “

FOTOGRAFIA

Não era

Lua,

Nem flor...

Aquarelas mágicas

- Mar e nuvens

Tudo ela tinha

Nas areias do seu quarto.

_ auto retrato


Publicado por Rubens Jardim em 14/08/2015 às 00h43



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