Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
21/07/2015 13h14
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (63ª POSTAGEM)

LÍGIA SÁVIO (1946) poeta gaúcha,  possui doutorado em letras e é professora de literatura, em Porto Alegre. Participou de antologias independentes na década de 70 (Teia, Teia II e Paisagens). É uma das idealizadoras e apresentadoras do Sarau das Seis, evento realizado mensalmente. Publicou o livro de poemas No dorso da palavra, 2015.

NUM VITRAL ANTIGO

cacos de minha missão:

mosaico

coletânea

antologia

fotomontagem

slides

em todos eles

passam

pedaços de mim

de ti

ao vento

MEL DE VERSO E LETRAS

farto rio

me escorria

pela boca

pelos poros:

lambi

dedos e lábios

cavalguei

no dorso das palavras

AH, PLANOS: ENGANOS

projetos

retos

enquanto a rua lá fora

espia com seu olho torto de lua

tudo que se move.

Planos? Só ciganos.

RE-MITOLÓGICA

É só do sal de Urano

que nasce a força erótica?

Foi esta

a história que contaram.

Só os deuses-homens

gestavam o amor.

Mas Afrodite,

na concha,

expele jorros

pelas pernas

criando palavras

de todos os sexos.

BETTY VIDIGAL(1948) poeta paulistana, é jornalista e contista. Publicou seu primeiro livro, Eu e a Vela, quando tinha 17 anos. Nos anos 60 participou do movimento Catequese Poética, liderado por Lindolf Bell. É membro da diretoria da UBE, colabora com a revista Voz Lusíada e o jornal O Escritor. Outros livros de poemas publicados: Tempo de Mensagem e Os Súbitos Cristais.

SEGREDO             

Retenho este segredo entre meus dedos,

esfarelando-o aos poucos feito giz

num movimento disfarçado e lento

de quem quer revelá-lo mas não diz

uma palavra sequer.

E morde os lábios,

para cortar o mal pela raiz.

INCÊNDIO E CHARME            

Para enfrentar o mundo,

que meu amor

de mim se arme:

incêndio e charme.

 

Para enfrentar-me,

há que ir mais fundo:

só charme e incêndio

não vão bastar-lhe

 

(que sou imune).

 

Amor se mune

de incenso e calma,

de calma e incenso

(amor acende-o).

 

Amor se arma:

ciência e karma.

Atiça o lume

do olhar intenso

e afia o gume

do seu sorriso

(alfanje, sabre).

 

É o que é preciso:

amor me abre.

PITANGAS

Era uma febre, um delírio,

Uma mandinga bem feita,

cama com cheiro de lírio.

 

Era um delírio, uma febre,

amor que não se endireita,

quebranto que ninguém quebra,

tremedeira de maleita,

uma mulher e um ébrio

de amor que não toma jeito.

E ela, que não se emenda?

 

Meus dedos fazendo renda

com os pêlos do seu peito;

o coração que se escuta

pelo quarteirão inteiro;

pitangas no travesseiro,

cama com cheiro de fruta.

SUMIÇO              

Vou desaparecer da tua vida,

e ela vai ficar tão aborrecida!

 

Vou deixar a tua vida lisa e plana,

sem graça como um início de semana,

uma semana dessas bem compridas,

sem expectativa de alegrias.

Uma sucessão de dias desbotados,

tardes frias,

noites descoloridas, madrugadas

pálidas e mal dormidas.

 

Vou sumir até mesmo dos teus sonhos,

não vou aparecer nem em delírios;

tenho planos detalhados e perfeitos

e quando os descobrires

será tarde demais,

não vai ter jeito:

tudo vai parecer tão desenxabido,

tão tristonho,

tão desprovido de finalidade...

 

E quando não houver nada que te agrade,

te interesse,

todos dirão que é depressão, estresse,

mas nós dois saberemos que é saudade.

SILVIA JACINTHO (1952) poeta paulista, nasceu em Barretos, viveu em São Paulo e reside no Rio. É formada em jornalismo. Publicou:  Lavoura de Infinito(1991), Helênica(1993- Prêmio Jorge de Lima-UBE), Brasiliana(1994- Prêmio APCA), Chama(2000), O livro da intuição(2001) e Dança do Fogo: estudos sobre o desejo(2004).

LAVOURA DE TIJOLOS

A agulha enfiada.

A fragrância das flores na cambraia.

As cores sólidas das linhas.

O avô apenas uma fotografia na parede,

me olhando.  

Dentro da casa. Lia bate os pés no pedal

da máquina de costura.

Aqui fora, nos canteiros do jardim

Carlos e eu amassamos o barro.

E o colocamos nas caixas de fósforos, vazias.

Esses tijolos de barro sem cozer

montam minha olaria.

Vou deixar aqui meus sonhos

ressecando ao sol.

Quando crescer e voltar um dia

e um dia não encontrar ninguém

tocarei com minhas mãos sujas de sonho

o barro dessa olaria.

AS GARRAS

Graciosa, rodando para o alto as mãos,

apresenta-se na sala dançando,

as ancas, alaúdes, requebram

pernas abrem o godé da saia

e guitarras enchem o ar de langor

e músicas. Sobrancelhas agrestes

olhar cálido e úmido

unhas esmaltadas furam como garras

assim, ela baila cravando-as em mim

enterrando a fúria de sua paixão

na fatalidade de ser apenas um indefeso

homem.

GITANERIA

Nas vielas sinuosas e nos limites

da gitanería, a céu aberto,

baila Carmem

seu tablado, a rua calçada de pedras

de cada casa descem vizinhos

que a rodeiam com palmas e cantorias

ai, um grito de aflição sai das cordas

da guitarra, apaixonada,

a dançarina alteia os braços, girando-os,

e possuída pelo tom da música

lá fora ela sapateia,

dançar é o abrigo de seu espírito

— a verdadeira casa.

A ESCALDANTE FEBRE

XXX

A caligrafia (puríssima

expressão) é qual teia de aranha

redondilha de hexágonos

pendurada nas cavernas ocas

nos recessos do ser,

com ela escrevo a mais clara

e primitiva poesia

e emito um grito do passado

— rugido de fêmea.

JANET ZIMMERMANN(1960) poeta gaúcha, é calígrafa, colunista e publica em jornais e vários sites de poesia. Desde 1980 reside em Campo Grande. Participou do 1º Sarau Literário via Twitter no Brasil e fez parte dos 61 escritores convidados para a primeira Mostra #Tuiteratura (Sesc Santo Amaro- SP). Asas de Jiz (2013) é seu primeiro livro.

nem sol

nem céu

no seu dia

:

apenas um vel

cro na boca

da poesia

ENREDANDO LIBERDADE

tiro a alma da janela

tiro a roupa da alma

dispo-me de tudo o que enrosque

minha trama com ela

arredo tudo das vistas

pra dar atenção à real visita

enxugo os olhos d’àgua

deixo livre a pista

só não tiro a cama do caminho

que é pra poesia deitar, rolar

e soltar toda a gana rouca

do canto preso na gaiola pouca

CALDO ORGÂNICO

caiu sal

em gota

na sopa

caiu um cílio

na sopa

caiu um olho

na sopa

que me olha

de esguelha

sem fome

sem nome

caolha

SAUDADE COBRA

chegança / vodca /

chope / água d’alambique /

cetins / cuícas / arlequins /

explosões! / marchinhas / cordões /

gandharvas / polichinelos /

passistas de Carmen Miranda

:

jovens corações

no ritmo do repique...

 

[ e eu lá

sambando em alemão]

 

depois das quatro

- no sul do mundo -

o ato segundo

:

bobas mãos /

confetes derretidos /

beijos de língua /

luas mais velhas segurando velas...

 

[e eu cá

curtindo uma saudade

serpentina]

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 21/07/2015 às 13h14
 
01/07/2015 16h56
AS MULHERES POETAS...(62ª ) Walquiria Raizer, Priscila Lopes,Ryane Leão e Germana Zarettini

 WALQUÍRIA RAIZER (1980) poeta nascida em Rondônia, morou no Acre, no Paraná e reside, desde 2008, no Rio de Janeiro.  É socióloga e especialista em Gestão e Produção Cultural formada pela FGV-Rio. Tem histórico profissional voltado para a política cultural. Defende a poesia como matéria prima de todas as artes. Publicou O segundo ponto das reticências, em 2007.

RETICÊNCIAS

vou escrever qualquer coisa

que não pareça

nada

( ! )

esse tudo

é mesmo

o que

(devasta)

LARANJAS E FANTAS

Eu te avisei!

...disse Mário com cara de Maria...

(como se houvesse menos multa

quando se buzina antes de passar o sinal)

 

Avisou sim é verdade,

mas queria não ser entendido.

Avisou só por desencargo.

E isso não conta.

 

Disse que o ipê floria,

que era amarelo e só.

Disse que era desse jeito todos os anos,

e que não pensava em mudar.

 

Mas o ipê muda Mário,

e sou eu

é que estou te avisando.

 

Há de nascer laranjas nele...

 

Se não nascer eu mesma subo

e prego umas garrafas de fanta.

 

KATAUÊ

O miolo dentro da casca

(pão)

 

O miolo dentro

( da casca)

 

A casca virando

 

O miolo

O miolo

Miolo

 

Poderia

Correr

Sem

Léguas

(cem)

 

Um colar de castanha elétrica

Uma flor amarela

Muru

 

(estou tão acremente despida hoje que o açai perdeu a cor)

 

ACELERAÇÃO

...é como se tudo tivesse

girando

Um giro calmo

(e calculado)

 

Um giro bom

(pro mundo)

 

Mas o mundo

(é grande)

E não precisa de mim

( e de ti)

 

Mas eu, querida

Eu preciso do mundo

E ele está aí

(flertando)

        

PRISCILA C LOPES (1983) poeta brasiliense, reside desde criança em Florianópolis. É formada em relações internacionais. Possui contos, crônicas e poemas publicados em antologias. Realizou duas exposições de poesia no espaço cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.Atualmente trabalha na elaboração de um livro de poemas, que, imagina, será publicado em 2016.

APAGÃO

Esse tédio de ficar sem luz

me leva a escrever

coisas tão escuras!

Acendo as idéias para ver

se consigo continuar minha leitura.

 

THE NIGHT CAFE

Contemplo as escadas de van Gogh.

 

Consulto o relógio na parede.

A cinco passos está o meu cliente. Nele

me debruço se me vejo. Nele

habita o clima, o verde

da mesa de sinuca que me convida a ser

só. Um casal ao longe não cabe em mim.

Um bêbado sentado também sou eu.

Por inúmeros motivos me condeno

a manter-me em pé, entre parênteses.

Creio que haja vida após a morte

e que os olhos são os ouvidos

das minhas paredes. Porém,

me detenho no pensamento

que mede o tamanho do meu taco

— e se confio ou não, é mais embaixo

o buraco que procuram minhas mãos.

 

CRI-A-TIVA

Quando eu era criança,

E olhava para o topo das árvores,

Eu não sabia o que era o passarinho.

 

Bastava observar

 

E eu era um passarinho.

 

NÃO SENTI A MORTE CHEGAR

Talvez não tenha batido à porta

Talvez nem houvesse porta

Talvez até, fechada a porta

Pulasse a janela

Determinada

E lentamente subisse as escadas

 

Não me despiu

Não me encarou

Não me fez mover um palmo

 

Não senti a Morte chegar.

 

RYANE LEÃO (1989) poeta cuiabana, vive em são paulo. É autora do projeto  Onde jazz meu coração, criado em 2013 com o objetivo de expandir a voz da literatura feminina-- nas redes sociais e nas ruas através da publicação de poemas e fotografias. Mistura corpo com poesia e cola uns lambes por aí. Sua página no facebook é seguida por milhares de  amigos.

nem os livros

nem os terapeutas

nem os discos

ninguém soube explicar

tudo que se move

aqui dentro

quando você

afunda esses olhos

nos meus.

...............................................................................

não lembro

que horas

o relógio marcava

só sei que foi assim

na plataforma

esperando o metrô

que ela entendeu

que precisava

da solidão

daquela mais dura

mais seca

mais silenciosa

ela precisava

se entender de novo

precisava saber

que somos sim

as nossas falhas

mas não só

e depois de tantas horas

com a cabeça atormentada

ela sentiu o

peito desinchar

pela primeira vez

em meses

e depois de tanto tempo perdida

ela parou de esperar

qualquer coisa de alguém

e finalmente

se encontrou

em si mesma

aí seguiu sozinha

no vagão lotado.

 

SOBRE RECOMEÇOS

é sempre assim

boa parte da gente morre

pra outra parte

começar a se sentir viva

novamente

...................................................................................

saudade é foda

escuto aquele som

do seu riso

mas nunca é você

é sempre memória

 

GERMANA ZANETTINI (1984) poeta gaúcha, é tradutora e jornalista. Já teve poemas colocados em ônibus e trens de Porto Alegre. Foi publicada em antologias e revistas literárias e selecionada em alguns concursos. Neste ano deverá lançar seu primeiro livro Eletrocardiodrama.

no meu fundo

de poço

 

a água vem

até o pescoço

 

pra garantir

que eu volte

sempre

 

de alma lavada

 

LEIA ANTES DE USAR       

não, aqui não há lugares reservados

[de antemão já lhe adianto:

nem adianta olhar para os lados]

 

o ambiente não é climatizado

os assentos não são flutuantes

e máscaras de oxigênio

não cairão

sobre suas cabeças

 

para sua segurança e conveniência

informamos que a vida

não vem equipada

com saídas

de emergência

 

CORTE

a faca em punho

a alma em riste

e uma só jura:

 

nunca mais

voltaria a ser

aquela tola

 

de hoje em diante

choraria apenas

pelas cebolas

 

AO LAURO DO TELEMARKETING

não, eu não quero nenhum cartão

a não ser que você me envie um daqueles antigos

escritos à mão

(já reparou como ninguém manda mais cartão

seja natal, páscoa ou postal?

agora é só e-mail, comentário e post no mural)

 

lauro, a vida já anda tão gasta

não quero nada que me faça

gastar o que não tenho, obrigada

 

não me fale sobre os juros, não quero saber sobre juros

eu quero as juras, lauro, apenas as juras de amor!

ainda que um dia elas possam se quebrar...

se até a bolsa quebra, por que seriam as juras inquebrantáveis?

 

não, lauro, da bolsa de valores nada sei, porém

carrego uns versos

dentro da minha bolsa de couro sintético, pode ser?

 

estive em wall street, é verdade, mas saí sem entender

quase nada daquela parte da cidade

no entanto, lauro, eu sei tudo sobre os hábitos

dos esquilos que habitam o central park

 

confesso: não compreendo os índices financeiros

mas manuseio o índice de um livro como ninguém

(contos são tão melhores do que contas...)

 

lauro, nada que custe os olhos da cara

se compara ao olhar de quem a gente gosta

que é de graça

e essa é a graça da coisa

e hoje em dia tem tanta coisa valendo mais do que gente...

 

se estivesse vivo, acho que marx reescreveria o capital

não me leve a mal, lauro, não sou hipócrita

a gente precisa de dinheiro, eu bem sei

e a vida não tá fácil pra ninguém

 

porém, pra ser bem sincera

essa coisa de consumir

já não me consome mais

e ultimamente não há dinheiro no mundo que pague

o preço da minha paz

 

lauro, tá bem frio aqui do outro lado do fio

é sábado de manhã e eu não durmo há semanas

então, me dá licença que agora vou desligar

e voltar pra minha cama

 


Publicado por Rubens Jardim em 01/07/2015 às 16h56
 
11/06/2015 11h40
O POETA LUIZ CARLOS MATTOS FARIA 70 ANOS HOJE

 Por essa razão, e para fazer justiça ao seu trabalho poético, resolvi abrir esse espaço para dar a conhecer alguns poemas de sua lavra. O poeta Luiz Carlos Mattos (1945-2000), integrante da Catequese Poética, só publicou dois livros: Ex-Exercícios(1966) e Lapidário Geral (1978), embora tenha contribuído de forma significativa para a divulgação de poemas e poetas. Ele foi responsável, nos anos 70, por um projeto –os cadernos de poesia –que a partir das conquistas obtidas pela imprensa nanica, procurou alternativas para o livro. Os cadernos eram impressos em papel jornal, fartamente ilustrados e traziam encartados um pôster-poema duplo e um caderno extra, dedicado a ensaios, pesquisa e outros temas.
Infelizmente, os cadernos, que foram uma espécie de retomada do trabalho típico da Catequese Poética, movimento iniciado pelo poeta Lindolf Bell, logo após o golpe militar de 64, teve curta duração. Mas nem por isso deixou de ser uma iniciativa importante ao trazer à tona, depois de mais de 10 anos de silêncio, alguns poetas que se firmaram e ainda estão por aí, produzindo. Infelizmente, não é o caso dele mesmo, Luiz Carlos Mattos, morto em 2000, vítima de câncer pulmonar.
Mas seu livro, Lapidário Geral, publicado como um dos cadernos, apresenta-nos um poeta que soube distinguir e construir a sua palavra diante das outras palavras empregadas nas conversações e comunicações cotidianas. E o que caracteriza de forma relevante a linguagem poética é, exatamente, essa apropriação --e essa invenção. Na verdade, ao contrário de todas as outras manifestações artísticas, o poeta vive, como todos nós, emaranhado e imbricado em palavras. Só que é ela, palavra, a sua matéria prima. E a palavra é volátil, frágil e está permanentemente sendo utilizada --e ,o que é pior, sujeitando-nos a todo tipo de mal-entendido. 
Escolhi alguns poemas circunstanciais, extremamente vinculados aos acontecimentos posteriores ao golpe militar-- e que fizeram enorme sucesso em nossas leituras públicas nos anos 60. Mas os leitores também poderão apreciar poemas mais distanciados do palanque e dos salões. Sublinhamos aqui a dimensão lírica do poeta Luiz Carlos Mattos. Após os poemas dele, divulgo trecho de poema escrito logo depois de sua morte.E publico algumas fotos. Informo também, aos amigos leitores, que inclui no livro-antologia LINDOLF BELL - 50 ANOS DE  CATEQUESE POÉTICA, uma boa seleção de poemas do Luiz Carlos.

A PASSEATA
Uma bandeira nova passava pela rua
(pensamos: muito importante era o dia)
Julgarás: renovado
Saía a passeata
Depois veio o cansaço
Aço aço
Construíam a nosso lado
Pensarás: arquiteturas
Passava a passeata
Ata ata
A ata na mesa do congresso
Esso Esso
Pensarás: progresso protesto
Petróleo
Óleo óleo
Olhamos tudo e não pudemos dizer nada.

VAMOS BRINCAR DE HERÓIS?
Vamos brincar de heróis?
Atamos verdades verdes pelas veredas,
Falamos das falhas e das mortalhas.
A canalha rompe, range e age
Na medida de ação da reação:
CASSAÇÃO CALADA
(não convoca-ação)
RUGE
Corre-se risco.
Mas nós não corremos rápido
Talvez pelo hábito de enfrentar,
De tentar e de estar na terra e não no ar
NOSSOS HÁBITOS.
Mas nos habituaremos ( um dia)
Com uma cidade casual que procura
Um álibi para explicar o abismo?
Um ISMO?
Uma solução decrépita ou demente?
Ou dissolvida pela mente?
Não se sabe ao certo.
Aliás, não se sabe nada ao certo.
Ou mais aliás ainda, não está nada certo.
Nem há nada perto,
E há que se nadar muito
Para alcançar qualquer ilha.
Com nosso barco sem quilha
Neste mar acidental,
No acidente entre o ocidente e o oriente.
Mas não há quem nos oriente
Nesse mapa emocional.
Será que vale a pena ser herói (nacional)?

TEMPO AO TEMPO
O que aqui se chama tempo
É um espaço reservado
Às maresias.
(Um trabalho feito pelo avesso)
--O inverso do verso:
O medo das coisas simples.
Vivemos de matéria 
De memória vaga,
Sombras espalhadas
Nos cenários.
A vida vivida no viveiro
Antigo: o cheiro das praias
Distantes.
O que aqui se chama tempo
É um crescimento sem controle
Pensamentos, rastros, retratos,
Flutuam num cáis parado
Onde não se registram os dias.
O que aqui se chama tempo,
É um exercício de tato.
Um trabalho de cerzir a vida,
De colocar o vazio dentro
Do oco, de fazer o nada
Cercado:
Espaço domado.

LAPIDÁRIO DE MARÍLIA
(lira reinventada)
Lira I

mar
Ilhada em mim
Que me desprendo menos terra
Mais maré montante
Monte pleno
Antiarenito contraído
Em minhas dunas contráridas
Salágua:
Meno sal, me represo líquido.

Marvilha, gratistela que alvora luz

Tempo contido, marca inexpressa
Fechada face: meu espelho irreflexo,
Desvendável apenas em meus retratos.
-no entanto, sou voz plena, antessoada:
Profecia do eco
(som que não propaga, mas inventa e elege)

Marvilha, gratistela que alvora luz

Orar o ouro,
D’ouro, menos que brilho,
Mais pela febre,
Pela febriluz.
-marília é luz contida,
Pós reflexa.

Marvilha, gratistela que alvora luz

Sol luz olhos,
Os teus de visionária,
Do limite amplo, plano pleno de tua face
Que d(t)esliza à linha d’água,
À linha longa, à linha curva,à linha langue...
Linhas que se alinham em teus cabelos
E remontam teu corpo em/balsa/amado.
Mas te afastas, pastora que se muralha
Tês oiro escondido(a) e procurado(a).

Marvilha, gratistela que alvora luz.

Que o rio retido retarde a safra
E não amadureça estas sementes.
As peste lenta, lentamente abaterá o gado
-mas tanto guarda a alvorada
Alvoramada, Marília bela,
Que ao teu riso renascerá o dia

Marvilha, gratistela que alvora luz

Antipássaro,
Observo teu pouso entre flores,
Reconheço tuas vestes e te aceno...
Mas, restas ao longe das esplanadas
E apenas insinuas suas formas em luz.
Cego, me basto no tato de teu nome.

Marvilha, gratiestela que alvora luz

Giram tuas consteladas letras
E já se grifam lápides.
-entre a campa e os ciprestes,
Nos enterremos mortos.
-as mesmas palavras que nos circundam
Serão exemplos.

PARA O POETA LUIZ CARLOS MATTOS
(poema de Rubens Jardim)
Estou aqui em tua casa
como se estivesse diante de um espelho.
Não penso. 
Não peso. 
Não peço.
Apareço e desapareço
como simples reflexo
imagem
que o tempo não devolve
e poderá estar
gravada
--perdida ou registrada--
em corações
olhos
e álbuns que desconheço.
É noite na tua casa
e eu procuro em gavetas 
o bairro que se foi,
a praia 
que desapareceu, 
a alma 
que está mais sozinha,
e até o lampião que ficou aceso
e ainda ilumina
a inexistência da casa 
de praia do vô Bento.
Solemar, você sabe, 
não é uma varanda aberta 
aos horizontes do mar.
Também não é uma rede rasgada
nem o remo estilhaçado.
Solemar é um queixume de sal 
nas ondas, um uivo de bóias
trazendo nossos medos
ao alcance de nós mesmos.
Solemar é mais ainda: um mar torto,
um viés de enxergar sempre
e de não chegar nunca...


Publicado por Rubens Jardim em 11/06/2015 às 11h40
 
03/06/2015 18h00
AS MULHERES POETAS...(61ª POST) Clio Francesca Tricarico, Cynthia Lopes, Karina Rabinovitz e Juliana Meira

CLIO FRANCESCA TRICARICO (1962) poeta paulista, fez mestrado e agora faz doutorado em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Integra o grupo de pesquisa: O pensamento de Edith Stein e traduziu o livro Pessoa Humana e Singularidade em Edith Stein, do professor de filosofia italiano Francesco Alfieri. Já publicou poemas na Antologia del Premio Mondiale di Poesia nos anos 2012,13 e 14.

Nasci nessa cidade, nesse bairro

A cada dia, mais barulho

Menos vizinhos, menos pipas

Só a madrugada me salva:

Ainda posso ouvir o trem ao longe

É meu cheiro no travesseiro...

 

INCUBUS

Me tolhe do meu sonho sem aviso

diante do seu poder, me rendo

silencioso em mim se infiltra inexorável

em torrente caudalosa

de homem

de verbo

de gana

de sede

de mundo

percorre minhas veias em lavas sórdidas

me sorve, me devora, possuído

 

Toma meu rumo, minha fala, minha agonia

não sossega se não arranca o último grito

não se sacia se não esgota todo o sumo

de mulher

de terra

de canto

de gozo

de fundo

exaurida, perco o passo

perco o verso

ganho tudo

 

Alucinada pelo torpor que me mistura

entre tons audaciosos e sublimes

em rodopios arrastada por seu ímpeto

resta apenas o desejo da catarse:

ser sua palavra

sua carne

seu expurgo

 

Desesperada por não sair do seu domínio

me deposita lentamente no meu tempo

impregnada do seu ser fogo e vento

tudo aquilo que incorpora e não diz

 

Sinto dentro

o que rouba o fiato, a fala

excesso que desatina

o que não está na palavra... ainda...

 

Medo.

 

SEGREDO

Não busque o segredo dos anos

       nas entrelinhas da história.

 

Ele está no voo dos pássaros

       quando surfam o vento.

 

De nada serve interpretar

       velhos pergaminhos

             nem desbravar estrelas

                    nem decifrar os mitos.

 

Cada medo, cada vitória,

       salvaguarda o seu casulo,

             semente inefável de anseios.

 

As rugas, sulcos do tempo,

       esculpem no rosto

             nossos desmandos.

 

Nenhuma delas traduz o fogo

       que persiste até o desfecho.

           

Como flechas,

       atravessamos séculos eternos:

             fazemos milagres,

                    superamos absurdos...

 

Mas nem um deus descobrirá

       a nascente de uma lágrima.

 

HORS CONCOURS

Mas... E depois? Morremos

Restará a palavra por dizer

Subvertendo princípios, análises, tratados

Restará somente a poesia

Mostrando a nossa cara deslavada

“O frio na barriga”, “o coração na mão”

“O arrepio na espinha”, “o grito na garganta”

“O aperto no peito”

Fórmulas ultrapassadas

Tudo em vão, nada nos salvará

Imbatível, persistirá apenas uma invenção sem sentido:

“Eu te amo”, alguém dirá

E os pássaros cantarão na nova aurora

Como se o mundo nunca tivesse acabado...

 

CYNTHIA LOPES (1961) poeta carioca, é formada em arquivologia pela Universidade do Rio de Janeiro. Prestou concurso em 2006 e trabalhou até 2012 no arquivo central do IPHAN. Atualmente está na Biblioteca Amadeu Amaral, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Publicou o livro de poemas: Poêmia, poesia de pele e desejos(2012).

RECORDAÇÃO

passa o tempo

e com ele,

te esqueço.

 

passa o tempo

e com ele

me lembro.

 

passatempo...

brinco: lembro

e esqueço.

 

passa o tempo,

brisa, vento:

amor imenso.

 

ENSAIO SOBRE A NATUREZA

                                          para Du Zuppani

há muito de Manoel em tudo

afinal, de barro somos feitos

 

por isso, esse tanto de coisas

em Manoel de Barros

:

a pedra o sapo

a rã a árvore

o pássaro a flor

 

para tanto o poema

a imagem

a natureza

o brinquedo dos meninos

a linguagem, o verbo

 

a fotografia

e o olho do fotógrafo

sua alma nas coisas

o desimportante

se faz grande em verso

e paisagem

 

porque o ínfimo, o minúsculo,

não corrompe nossa natureza.

 

PERFIL

um desenho rápido.

em poucos traços,

meu retrato.

 

ESTAÇÃO

o amor, esta via de mão única.

caminho em sua direção como

fosse para o cadafalso, submissa.

por quê? talvez reconheça as minhas

falhas em ti. o amor esta via

de mão dupla, enquanto eu vou,

você faz o caminho de volta.

um show de desencontros absurdos.

um vai e vem sem qualquer sentido.

malas prontas pra partida, sem rumo.

de certo apenas o incerto sentimento,

a certeza do risco, de viver o perigo.

malas prontas rumo ao coração partido...

 

KARINA RABINOVITZ (1977) poeta bahiana, é jornalista, produtora de discos, vídeos e teatro. Tem 5 livros publicados: Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus! (2014), O livro de água (livro-objeto e exposição, 2013), poesinha pra caixinha [de fósforo] (livro-objeto, 2012), livro do quase invisível (2010) e de tardinha meio azul (2005) 

VÉSPERAS

nasci chorando, não sorrindo, assim.

vestida de sangue, não de manga e maresia, assim.

no caminho desses anos tenho nascido de novo, muitas vezes.

uma mecha branca começou a brotar em minha cabeça, bem acima do terceiro olho e tenho

me perguntado se não sou um unicórnio.

tenho dúvidas sobre o que sou.

e quando se nasce de novo tantas vezes, é mais difícil saber.

nascer não é fácil.

mas é bom.

parto flutuando

pra mais um dia não amniótico, entre

pastas de dente, medalhas enferrujadas e marujos que me acenam por detrás de janelas entreabertas.

a vida, ela explode.

cheia de sangue, manga, maresia, nesses dias de choros, risos, riscos.

eu nasci amanhã.

 

DESCASO

o destino que me valha!

você deixou seu fósforo aceso

dentro de minha vida de palha.

 

DE SE PERDER

Costumávamos brincar de esconde-esconde

todas as tardinhas;

baús antigos, o quarto de Hilda,

debaixo dos lençóis, atrás do sol.

Esconderijos...

Brincamos tanto-tanto de esconde-esconde,

que, de repente,

depois de um dia cheio de nuvens,

não mais nos encontramos.

Nunca mais.

 

CURRÍCULO

meu nome eu mesma.

meu endereço em mim.

meu cadastro de pessoa física este corpo,

que dentro é céu e é jardim.

meu registro geral não foi registrado

e desde meu nascimento,

numa quarta-feira de cinzas,

nutro certo encantamento,

por tudo que não é numerado.

 

meu telefone anda ocupado,

uma família de pássaros fez um ninho

bem no fio da minha linha

desde então, ali só se aninha

o canto de uma mãe que espera.

pra falar comigo, só mesmo depois da primavera,

quando do nascimento do novo passarinho.

 

minha formação profissional

segue um caminho

amador.

insisto no amor.

 

minhas atividades atuais:

pensar na vida

e uma corrida sem fim à beira-mar...

encontrar saídas

e encontrar entradas,

para essa vontade desmedida

de viver, de amar.

 

por fim, minhas referências pessoais,

é melhor que eu não diga

ou que você pergunte a ninguém...

elas serão sempre mais.

mais verdadeiro

é que você descubra,

na convivência comigo,

meu tempero,

minha loucura,

minha ternura,

meu desassossego.

 

então?

é meu, o emprego?

JULIANA MEIRA (1981) poeta gaúcha,é advogada e vive em Curitiba. Seus poemas foram publicados pela primeira vez em caixas de fósforo, coleção Fogo do Verbo, em 2008. O primeiro livro, poema dilema, foi publicado em 2009. O segundo, sem título, integra o projeto Instante Estante de incentivo à leitura. Recentemente publicou o livro poema pássaro (2015)

todas as palavras

com suas mutações

contagiam meu corpo

 

por isso sofro

desde a sombra

até o osso

....................................................

o sapo coaxa.

bonito? só a

sapa acha.

.................................................

pátio da casa inabitada

poço vazio

esquecido olho d’água

 

ao relento ventania lhe empresta fala

coberto pelo musgo visguento

eco por dentro

deserto

 

quem chega perto logo se assombra

na vastidão escura é a voz do poço

que sussurra

.................................................................

o Guaíba indo

lindo, limpo,

no postal do gringo


Publicado por Rubens Jardim em 03/06/2015 às 18h00
 
18/05/2015 19h14
AS MULHERES POETAS...(60ª POST) Mayara Gouveia,Camila Vardarac, Juliana Bernardo e Marcia Sanches Luz

MAIARA GOUVEIA (1983) poeta paulistana, possui poemas e artigos sobre cinema e literatura publicados em sites da internet, revistas e jornais. Classificou-se em 3º lugar em um festival de música e literatura da USP e foi finalista da 15ª edição do Prêmio Nascente, Publicou o livro Pleno Deserto, em 2009.

NO SUMIDOURO

Ao redor do quarto

migra um cortejo de aves. Não vemos

pois estamos fechados.

 

Ao redor do quarto

um barco repousa em um mar sem ondas. Não vemos

pois estamos partindo.

 

Ao redor do quarto

baleias abertas e peixes mortos cobrem a angra. Não vemos

pois estamos sangrando.

 

Porque estamos sozinhos não vemos

suicidas engolfados nas brânquias tóxicas

dos cardumes. Não vemos

 

a morte solitária dos corais. Não vemos

a embarcação vazia permanecer

no silêncio das águas. Não vemos:

 

pois estamos no escuro.

 

INERME DESENCANTO

depois de tudo, a cintura entre os dedos

absorvo o silêncio encantado

 

ela ainda pulsa, não entende,

quando calado sorvo todo encantamento

 

porque a palavra nesse instante é vã,

e a resposta no suor desfalecido

é, sem dúvida, mais válida

 

— deixa o corpo descansar sorrindo

deixa o silêncio ecoar bebendo

a rosa cálida de sabor divino

 

mas ela, aflita, pousa em mim uma vontade

ainda tesa e retesada e até no rosto

a vontade repetida reitera.

 

OUTRA VEZ O CORPO

O fruto da bondade

não explodiu nesse solo rude.

Somos o Corpo e outra vez o corpo.

Animal divino que saqueia e fere,

cobre de lírios esse ventre estrangulado.

 

DESENCANTO

As mesmices cotidianas desmoronam

quando estamos juntos.

 

Parece que o tempo pára e averigua

que cintilamos de volúpia.

 

Consumidos pela alegria de trazer à tona

um prazer legítimo

que não se repete em mil eras.

 

De repente, depois da viagem,

voltamos a nos ver entre os limites das paredes:

 

nossos corpos não vêm mais com paisagens,

ou entre nuvens de luz furta-cor e néon.

 

Já não somos deuses.

 CAMILA VARDARAC (1987) poeta carioca, é formada em cinema e publicou poemas em sites e revistas eletrônicas como Cronópios, Triplov e Zunái.  Já participou de vários festivais literários e esteve  presente na Bienal Internacional de Curitiba, em 2013.

PIAZZOLA

buenos aires

hora zero

piazzolla,

o que faz aí?

tá certo, têm algumas estrelas cadentes

mas...

o palco não combina melhor com os teus sapatos?

diga-me, piazzolla

quantas unhas são necessárias para arranhar o pescoço de um tango aflito?

o teu bandoneon exala fervor

e o fervor habita o céu e o inferno

cabe nas preces e nas súplicas

dos anjos barrocos em chamas

piazzolla!?

está rasgando tangos com os demônios celestes?

está deflorando notas com os pupilos de lúcifer?

ao menor indício do teu som

libertinos viram seres alados

e os providos de asas sucumbem ao centro da terra

um brinde aos que te escutam

com a alma pelo avesso.

 

EU NÃO ACREDITO NA BONDADE DOS ANJOS

eu não acredito na bondade dos anjos

todos parecem bebês de rosemary

o colorido dos vitrais não ameniza

a melancolia assustadora estampada em seus semblantes

 

no centro da casa

sagrada

o homem abre o livro

sagrado

e recita para si palavras pesadas

como o som de mil crucifixos arremessados ao chão

 

e eu penso nos pecados mais bizarros

que rondam o confessionário de vozes alteradas

depois aliviadas,

por depositarem nos ombros do representante do pai

a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados

 

penso nos joelhos esfolados

por baixo das calças puídas dos fiéis fervorosos

que não sentem o gosto de ferro na boca

nem o gosto do sangue no cálice

 

e os sinos badalam doze vezes pausadas

ensurdecendo meus sonhos sacros

fazendo-me abrir todas as noites os olhos

quando deveriam estar fechados.

 

GINSBERG DE BOLSO

Quando teu Ginsberg de bolso

pulou do oitavo andar

para ensinar-te as lições do desapego

você

por desapego à vida (e não ao livro)

pulou também.

 

Aberto sobre o teu livro aberto

tipografia sanguínea

escorrendo entre os paralelepípedos

lirismos vermelhos surpreendendo

os rostos dos passantes

que arregalavam os olhos

mas tiravam fotos da tua anatomia sincera

teu corpo mais corpo do que nunca

 

Se você pudesse ver de fora

não acreditaria na quantidade de sangue

que te irrigava as idéias

sorriria levando as mãos à boca

depois aos ouvidos

quando chegasse a ambulância de altíssima sirene.

 

NA CASA AO LADO...

na casa ao lado

espiritos inquietos sobem e descem escadas

como se o melhor a fazer fosse

subir e descer escadas

 

são 3:47

o sono das 3:00 já foi perdido

agora no ponto dos conscientes

espero a dormência dos sentidos

 

calem esses passos

como calaram as almas dentro da casa escura

amarrem esses pés

como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça

tirem seus valiuns das gavetas

e entrem nas sombras dos cobertores

 

morfeu, acuda esta gente!

dardos com soníferos no centro das testas

areia movediça ao redor das camas

e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos.

JULIANA BERNARDO (1989) poeta paulistana, cursou filosofia na USP e já publicou dois livros: Carta Branca (2011) e Vitamina (2013). Colabora com o site Mix Brasil e com as revistas Germina, Zunái, Diversos Afins,Ventos do Sul, Cabeça Ativa e Originais Reprovados.

DEFESA DA POETISA

palavra de mulher:

homem nenhum morreu de parto.

 

SE OLVIDANDO

não é porque as paredes têm ouvidos

que meus poemas vão ficar aí pregados

se olvidando calados.

 

– marque-os com orelhas

use-os como moleques de recado

sei que não são diplomas,

mas quem sabe contratos?

meta-os no bolso ou trate-os

como ataduras pra machucado

 

mas não os deixe por aí,

enforcados.

 

PRESA NA MEMÓRIA

Eu celebro

os vestígios,

os fragmentos,

as ruínas,

a completude,

que inventamos

sendo apenas estilhaços.

 

Eu celebro o amor,

 

a impossibilidade.

 

RUA DOS MEUS AMORES

este é o trecho de penumbra que divide

a rua dos meus amores

 

com leões e dragões tateio o escuro

 

meu amor não precisa dizer verdades

bastam-me seus segredos

e um endereço que nunca consultarei

 

fico com os recados do tempo

e sigo extraviada, mãos atadas à sombra

nenhum dos amores

 

MÁRCIA SANCHEZ LUZ(19   ) poeta paulistana, formada em literatura inglesa e francesa, é escritora, tradutora e redatora. Participou de várias antologias e publicou os livros “Quero-te ao som do silêncio!” (2010); “Porões Duendes”, “No Verde dos Teus Olhos” (2007).

VESTIDO

Não é pretinho básico

nem couro

nem veludo.

 

É luto.

 

FAZENDO AS CONTAS...

Tiraram-me os discos,

meus sonhos jogaram

na lata do lixo.

Deixaram-me os livros,

meus medos guardaram

junto aos meus rabiscos.

As noites que eu tinha

trocaram por dias

às vezes escuros

como o céu sem lua.

E eu me sinto nua:

coito prematuro

beirando a ironia

de uma dor rainha.

 

SOL DA MEIA NOITE

Com você,

cada manhã

é um novo susto.

 

LUTO II

Há que chorar

(da dor até o último fruto)

e lembrar cada minuto

do precioso tempo

em que vivemos juntos.


Publicado por Rubens Jardim em 18/05/2015 às 19h14



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