Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
16/06/2013 18h35
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (34º post)

MARIA LUISA RIBEIRO (1954) poeta goiana, é advogada, possui licenciatura plena em letras e português.Faz parte da Academia Goianiense de Letras e da UBE, Goiás. Já publicou romances, contos e literatura infantil. Em poesia publicou O Tempo Responde(1988), Além do Alambrado(1990),O Pássaro de Bico de Ferro(2009) e Mergulho nos Poros.

 


 

 

 


MERGULHO NOS POROS

 

 


Aos poucos tu mergulhas 

 

 


no fundo dos meus poros

 

 


na vã filosofia 

 

 


que esconde os meus anseios

 

 


e no pico da neblina

 

 


que assusta os meus cabelos.

 

 


Sem pressa e com presteza 

 

 


descobres meus atalhos

 

 


te mostras tão inteiro

 

 


que inibe os meus retalhos

 

 


me prendes nos teus olhos

 

 


e sossegas  minhas dores.

 

 


 

 

 


É quando a flor da pele 

 

 


se implanta no meu solo

 

 


e espalha um novo cheiro

 

 


na  cava da rotina.

 

 


E a chuva cor de rosa

 

 


te entrega a mesma história

 

 


por trás das fontes

 

 


depois das mortes

 

 


além dos montes.

 

 


 

 

 


COLUNA DE PERNAS

 

 


Ao revés

 

 


da maioria de nós 

 

 


são-me raras 

 

 


as enxaquecas

 

 


e nunca cataloguei

 

 


tensões pré-menstrual.

 

 


Mas desde que nasci

 

 


carrego penas na coluna

 

 


porque meu coração

 

 


é a coluna do meu eixo.

 

 


E quando ele se dobra

 

 


ao peso das arestas,

 

 


incita-me ao diálogo

 

 


com minhas febres íntimas

 

 


que em reprise

 

 


pisam o meu chão fatigado

 

 


de promessas.

 

 


É esta dor sem nome

 

 


as penas que em mim 

 

 


habitam

 

 


e o meu texto sentido

 

 


habilitam.

 

 


 

 

 


MÁSCARAS 

 

 


 

 

 


Enquanto caía o pano

 

 


o  espelho  refletia

 

 


a minha nova solidão:

 

 


findava-se a hora de ângelus.

 

 


Agora eu era só

 

 


um tronco sem raízes

 

 


sustentando um galho seco

 

 


florado  na primavera.

 

 


Sobrevivo

 

 


com  a  sentença do teu nome

 

 


ecoando  no meu peito

 

 


e continuo  amando-te  além de mim.

 

 


E  nesta parede, o espaço do poema

 

 


reservei  às  nossas máscaras Top line.

 

 


 

 

 


SILHUETA DOS DÉDALOS

 

 


 

 

 


Na intensidade que cabe a cada coisa

 

 


presume-se  um quarto de espelhos

 

 


onde  cada  lado  reflete  muitas faces.

 

 


Ainda não foi possível entender 

 

 


a silhueta dos  dédalos   

 

 


que permanecem 

 

 


na alquimia  dos homens

 

 


enquanto  os espelhos se propagam

 

 


Assim, cada  circunstância   é uma esquina

 

 


onde  os minutos fogem 

 

 


pelos vãos do dedos

 

 


e a vida pulsa  no conta-gotas das horas.

 

 


Permaneço na galeria dos anônimos

 

 


enquanto  redescubro  o segredo

 

 


dos instantes multifacetados.

 

 


 

 

 


REGINA DAYEH (1954), poeta carioca, passou a infância e adolescência em Santos. Mudou-se para São Paulo, onde se formou em Direito no Largo de  São Francisco, em 1977. Foi professora universitária de Direito Empresarial e é atualmente Assessora Jurídica do TRT-SP. Publicou apenas um livro de poemas :Meu Pai Desenhava Navios, lançado no mês de maio deste ano.

 

 


 

 

 


POLTRONA

 

 


Quando me sinto cansada

 

 


não tenho urgência nas palavras.

 

 


 

 

 


respiração pausada,

 

 


engulo a lágrima

 

 


preguiçosa

 

 


a fumaça tragada

 

 


encontra a fadiga em mim.

 

 


 

 

 


Afinal qual a resposta para o cansaço?

 

 


minha poltrona recebe

 

 


o corpo jogado

 

 


balanço balanço

 

 


barulho leve

 

 


da mola enferrujada

 

 


embala embala

 

 


embaralha imagens

 

 


inúteis

 

 


largadas pelo caminho.

 

 


 

 

 


Minha poltrona é o colo que  tenho

 

 


embala embala...

 

 


 

 

 


Quando me sinto cansada

 

 


não vejo sentimentos

 

 


só meus pés inchados

 

 


de realidade.

 

 


 

 

 


FATO

 

 


Acabou de desabar um edifício dentro da minha cabeça.

 

 


 

 

 


Pela vias laterais do monumento

 

 


chega poeira

 

 


entulho

 

 


devasta defuma

 

 


a rua sem saída.

 

 


 

 

 


o fio solar mira na minha retina

 

 


rompe o escuro

 

 


desenha 

 

 


reta 

 

 


a linha.

 

 


 

 

 


A vida continua

 

 


dizem os que passam.

 

 


Ante o imponderável

 

 


eu concordo

 

 


e respiro

 

 


e faço planos

 

 


para ocupar os espaços

 

 


abertos pelo esquecimento.

 

 


 

 

 


VIAGEM I

 

 


para Fernando Pessoa, Lisboa, junho de 2009

 

 


 

 

 


Cada viagem solitária tem seus encantos e seus infernos.

 

 


 

 

 


Naquelas eu queria ganhar o mundo,

 

 


quanta pretensão...

 

 


 

 

 


Nesta eu quero ganhar o meu mundo,

 

 


ganhar-me de volta,

 

 


quanta pretensão...

 

 


 

 

 


Parte de mim eu perdi em viagens sem volta

 

 


enroscada em cipós

 

 


encalhada em bancos de areia

 

 


embicada em barrancos.

 

 


 

 

 


Não há resgate.

 

 


 

 

 


Que parte de mim

 

 


hoje vive sem mim?

 

 


Que parte de mim

 

 


se restaura a cada passo?

 

 


 

 

 


A cada viagem no tempo

 

 


deixo vazio o espaço que sobrou entre nós

 

 


que se acomoda

 

 


sem conforto

 

 


no pouco experimentado.

 

 


 

 

 


Novas viagens

 

 


outros portos

 

 


janelas abertas.

 

 


 

 

 


E a areia fria e lavada de cada manhã sob meus pés.

 

 


                                                                                                                                                                                                                         

 

 


PACÍFICO

 

 


San Francsico, janeiro, 2012.

 

 


Esse mar

 

 


se apropria

 

 


do meu fundo

 

 


se encapela

 

 


no meu raso

 

 


esse mar

 

 


respinga sal

 

 


sobressalta

 

 


em mar pesado

 

 


pacífico

 

 


acinzentado

 

 


não é mar de azeite

 

 


espuma raiva

 

 


ensandece

 

 


e encontra a pedra

 

 


inutilmente.

 

 


 

 

 


LILA MAIA (1955) – poeta maranhense, pedagoga, vive no Rio há 32 anos Tem dois livros de poesia publicados: A idade das águas e Céu Despido. Em 1998, teve três poemas publicados na Revisa Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional e conquistou, no ano passado, o prêmio Paraná de Poesia, com o livro As maçãs de antes.

 

 


 

 

 


Quando o insuportável começa a virar maré cheia,

 

 


me pergunto:

 

 


por que não me tornei alpinista de empresa

 

 


escalando os prédios mais altos da Avenida Rio Branco?

 

 


Quatro anos de Letras,

 

 


mais dois de Pós em Literatura Portuguesa, 

 

 


o curso completo de inglês no IBEU, 

 

 


não permitem que a mesa do café seja invadida 

 

 


de iogurtes, queijo branco, uvas, kiwi, pêssegos, 

 

 


mamão com mel.

 

 


 

 

 


Por que não me especializei em alturas?

 

 


Uma estrofe de cor dos Lusíadas,

 

 


não é suficiente para o trabalho de Call Center

 

 


na empresa Silva Lins.

 

 


Era preciso ter um diferencial na voz. 

 

 


Mas eu disse um verso de Camões.

 

 


 

 

 


E a menina ao meu lado, 

 

 


estudante de Propaganda e Marketing na Estácio,

 

 


saia justa, corpo bronzeado de Ipanema, 

 

 


um quê de rouquidão forçado no final das frases,

 

 


sai com carteira assinada e setecentos reais por mês. 

 

 


 

 

 


AQUELA PERDIDA LUA DE COPACABANA

 

 


 

 

 


Amores não correspondidos são balas perdidas

 

 


em plena Avenida nossa senhora de Copacabana.

 

 


 

 

 


Não ouvem a musicalidade lógica das ondas

 

 


para calar o bêbado soluço,

 

 


a sina de carregar o corpo deserto.

 

 


 

 

 


Tudo é avesso, naufrágio, solidão velha

 

 


neste calçadão bordado de prostitutas, pivetes.

 

 


 

 

 


Amores não correspondidos nunca se apossam

 

 


das tardes lentas no Caminho do Pescador.

 

 


 

 

 


A rede que devia partilhar a carne,

 

 


recolhe homens, mulheres que têm no peito

 

 


não um rio amparado por estrelas,

 

 


mas uma Bagdá de abandonos.

 

 


Quarto alugado

 

 


 

 

 


Tudo tem a dureza de muitos degraus.

 

 


Um esgrimir que corta aquele feeling

 

 


de perceber encantamentos.

 

 


Até a cama não comporta o meu desejo par.

 

 


É ímpar a saudade dos livros espalhados na mesa.

 

 


Hoje, Clarice e Drummond continuam na mala.

 

 


 

 

 


E aquela voz que lapidava

 

 


escuridão e chama,

 

 


quando eu tinha o direito de dar

 

 


nomes ao silêncio, 

 

 


agora vive como se estivesse

 

 


olhando a presa.

 

 


 

 

 


QUASE LAMENTO

 

 


 

 

 


Desses sonhos mais simples Deus não sabe

 

 


Nunca sentirá o prazer de ter livros na estante

 

 


e da falta que fazem uma mesa, quatro cadeiras,

 

 


um colchão de casal

 

 


Ele não compreende aquela janela inquieta,

 

 


as paisagens que transbordam livres

 

 


 

 

 


Deus é o que há de mais interminável em mim: a dor

 

 


Mas eu bebo do cálice

 

 


como do pão

 

 


às vezes ofereço a outra face por amor

 

 


 

 

 


O tempo segue com seu fogo milenar

 

 


Eu passo o pente nos cabelos sobriamente

 

 


Sobrevivo diante dos mistérios,

 

 


e desta claridade que não salva

 

 
O OLHAR MADURO DA ONÇA

Não se escreve um poema de amor impunemente.

No desvão da noite uma onça perpetua a sombra de fogo
sobre teu caminhar espaçado.
Há uma súplica com os devidos ais prudentes,
a onça sabe onde derrama seus passos.
Crava os dentes nesta carne que tem cheiro de batismo,
o sangue suado da caça.
Que rara luz expressa teu corpo.
A onça é aos poucos domesticável.

Não se escreve um poema de amor impunemente.

 
CÉLIA MUSILLI  (195 ) poeta paranaense, é jornalista, cronista e . Autora de Sensível Desafio (2006) e Todas as Mulheres em Mim ( 2010), faz Mestrado em Literatura na Unicamp e tem sonhos premonitórios. Gosta de livros, viagens, estrelas e gatos, nem sempre nesta ordem 
 
 
PRAZER
 
ainda que 
o que me instigue o corpo 
seja breve 
seja novo 
será sempre 
a lição sem fim 
de redescobrir paraísos 
perdidos 
dentro de mim
 
SABEDORIA QUASE CHINESA
 
se alguém não te alimenta
inventa
uma manhã de sol
fruta fresca
chá de hortelã
para despertar a alma
com calma
que o dia apenas começa
e o amor não combina com pressa
 
ROSA ÍGNEA
 
Abro e deixo
ao seu prazer de homem
a rosa
ígnea rosa
 
abro e deixo
ao seu prazer de fogo
líquen e caule
de novo
 
a conjunção da carne
entre as minhas pétalas
e as suas veias
paisagem em meu corpo
mergulho em seu mar
sereia 
 
DELICADEZAS DOEM
 
porque há canções de chegada
canções de partida
o coração eu tomo pela mão
quebrável
 
no último beijo
transversal de línguas
poliglota
falo de amor 
delicadezas doem
 
não sei se já disseram
mas você sabe matar pássaros
 
TODAS AS MULHERES EM MIM
 
a cada vez que ele volta
abro meus braços de rio
serpente do Nilo
Alice no espelho
estrela cadente
gata no cio
sereia de Ulisses
Penélope nua
queria tanto ser sua
 

 


 

 


Publicado por Rubens Jardim em 16/06/2013 às 18h35
 
13/05/2013 13h16
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (33ª POSTAGEM)

 

IEDA ESTERGILDA DE ABREU (1943) poeta cearense, advogada, jornalista e compositora. Residiu em Brasília nos anos 60 e vive em São Paulo desde 1974. Já publicou quatro livros de poemas, entre eles Grãos –poemas de lembrar a infância (1985) e A véspera do grito (2001).

NADICES

Brinco com a razão
não tenho idade nem sexo
o real é invenção
já foi e continua sendo
nada.
Não perco o senso
sou o que penso.

BIOGRAFIA

Um trem passava perto do lugar onde nasci
o primeiro choro confundiu-se
com o apito da máquina chegando na estação.
Cresci na beira do mar
tive estrelas nas mãos, e as do céu
deixei que brilhassem sobre minha cabeça.
Meu pai era marinheiro, trazia doces do cais, lenços
para minha mãe e notícias da guerra
ouvidas da boca dos homens louros.
A guerra acabara e estávamos todos salvos
do lado de cá.
Hiroshima e Nagasaki agonizavam longe.
Vi a seca no sertão
o vento quente entra nos alpendres das fazendas
impede o sono, levanta poeira nas estradas
povoadas de fantasmas da fome e da sede.
A seca entrou em mim pela sola dos pés.
Vivi em casas de dormir
cidades de aprender
de estação em estação, prossigo
na rota do planeta ser.

P DE PALAVRA E PEDRA

Palavras às vezes pesam como pedras
ferem a boca como pedra que se mastiga.
Agudas, acertam rápidas como pedras
dirigidas
esfriam como pedras frias na boca
ressentida
pensam e pedram como pedras no caminho.

Ideário (2)

Me espanto, me perco, me acho, me refaço
em qualquer lugar
me largo, me deixo, me entrego, me
desvelo aqui ou lá
me bato, me estrago, me reparto e
despedaço
me sento, me enxergo e considero:
o que que há?
Me enraízo, me escravizo, me divido e
multiplico
em qualquer ar
me esqueço, me comovo, me morro e sou de
novo
em qualquer lugar.


ILMA FONTES (1947) poeta  e escritora sergipana, psiquiatra e legista, trocou a medicina pelo jornalismo, cinema e ativismo cultural. Não publicou nenhum livro de poesia, mas participa de um sem número de antologias como New Poetry of the World (China), Dimensão(revista íbero-americana de poesia), Nova Poesia Brasileira(1992), Catálogo da Produção Poética dos Anos 90(1995)

Emoções Baratas

Sabe meu bem, eu não tenho nada contra quem.
a questão é não negar. não medir. nunca.
hoje ou depois de ontem, o dia é o seguinte.
seqüências. conseqüências. hipotenusas ilusões.
você tanto pode dizer sim como não.
sim, mas não me peça que eu saiba.
sorvo o meu desespero a qualquer semelhança.
e não me diga que você também não dança.
convenhamos: conivências, conveniências.
são as essências de tais insatisfações.

Insight. ensaio uma forma de falar de amor.
a velha palavra gasta: amor.
eu te homo. e me dá um branco total.
não sei. leia na bula. se borbulhar engula.
uma loucura, sim, ainda há cura.
na procura, no fundo das profundezas.
“é na subida que se sente o ronco do motor”.
mas não pense que é vantagem chegar aonde estou.
estou por qualquer. pense e tenha.
se esfregue nessa lâmpada de Aladim.
caia em si. caia em mim.
mas por favor, não caia na minha.
se não enxergar essa espinha
que me atravessa o peito
como um defeito que não tem jeito.

o dever de rever sem revanche
avalanche de dizer: me jante
como a terra, sedenta de sangue,
me sugue, me sangre, me estanque
wellcome aos caminhos infinitos dos meus mangues.

Confidência da Aracajuana

Há anos morri em Aracaju,
principalmente no dia em que nasci.
Por isso sou gay, orgástica: de nuvem.
Dois por cento de cajuína na alma
dois por cento de fel nas calçadas
e esse alegramento do que na vida é
pluralidade e solidão.

A vontade de amar, que me impulsiona
o trabalho, vem de Aracaju, de suas noites
azuis onde sobram mulheres e horizontes.
O hábito de mexericar, que tanto dilacera,
é amarga herança aracajuína.

De Aracaju levei poucas prendas
que posso oferecer: um búzio sujo
de petróleo, que trago no peito
um pensar desembestado como um defeito
essa falta de jeito, nenhum sofá
nem sala de estar, nada em volta.

Tive mesas, tive cadeiras, tive divãs!
Hoje, não sou funcionária pública. Nem 
médica psiquiatra. Jornalista por ofício
com vício de cineasta, viro
o videócio na videocidade. Saudade.

Aracaju é apenas um cu
- mas como dói!

Ir Reverência

Senhor do indigesto
do estarrecido
do insuportável

Senhor dos desgarrados
dos destemidos
dos desgraçados

Senhor do diferente
do errado
do incerto

Senhor dos desertos
Sois o mesmo da coisa certa
Que me acerta o peito
Quando me perco?

Senhor do esterco!

Declaração dos Direitos Universais da Mulher

Toda mulher tem o direito de pensar por si mesma
sem precisar concordar com tudo que já foi dito.
Toda mulher tem o direito de menstruar em paz
sem precisar dar explicações a ninguém.
Toda mulher tem o direito de ser alguém, com idéias próprias
e ser dona do seu destino e do seu silêncio.
Toda mulher tem o direito de dizer bobagens e cometer erros
sucessivos até acertar, na poesia ou na vida.
Toda mulher tem o direito a comer o pão que o diabo amassou
desde que seja por amor.
Toda mulher tem o direito de ser querida, ao menos uma vez na vida
e de ouvir “eu te amo”, mesmo que seja mentira.
Toda mulher tem o direito de tentar e realizar, querer e fazer,
casar e descasar, experimentar e ousar.
Toda mulher tem o direito de decidir se tem ou não um filho
Principalmente antes de fazê-lo.
Toda mulher tem o direito pleno e absoluto do seu corpo
podendo inclusive envelhecer com ou sem cirurgia plástica.
Toda mulher tem o direito aos seus cabelos brancos, mesmo que os pinte.
Toda mulher tem direito a ter medo de cobra, aranha, barata, rato e fotógrafos.
Toda mulher tem direito ao recato de não precisar expor seus segredos.
Toda mulher tem direito a ter segredos.
Toda mulher tem o direito de dizer Não, seja ao marido, à amiga ou ao patrão.
Toda mulher tem direito a ter um caso de amor, seja lá com quem for.
Toda mulher tem direito a gostar de seda e cetim,
de vinho, whisky, vodka ou gim.
Toda mulher tem direito a uns quilinhos a mais nos quadris.
Toda mulher tem direito a “fechar” o trânsito,
desde que seja funcionária do Detran.
Toda mulher tem direito a gastar mais do que pode, uma vez por ano.
Toda mulher tem direito a férias de si mesma, para o seu próprio bem
e dos outros também.
Toda mulher tem direito a uma cama macia, em boa companhia,
seja de noite ou de dia.
Toda mulher tem o direito de sonhar.
Toda mulher tem o direito de ser única.
Revogam-se as disposições em contrário.

TEREZA TENÓRIO (1949) poeta pernambucana, advogada, artista plástica e integrante da chamada geração de 65. Publicou oito livros de poesia, entre os quais Poemaceso, prêmios de 1985 da APCA e da UBE-RJ. Teve poemas traduzidos e publicados no México, Itália, Coréia.Participou de antologias poéticas na França, Itália e Portugal.

7. ULISSES

O meu amor inundará o tempo
e sobreviverá a Tróia, aos deuses
ao meu nome e ao teu nome.

O meu amor acenderá a ilha
e ocupará o trono vazio.
Será como um farol sobre o promontório
guiando as últimas naus ao porto de Ítaca
na esperança de te envolver para sempre na luz.

O meu amor será mais forte que o braço de Heitor
e o ódio de Poseidon
Seus raios cegarão eternamente o olho de Polifemo
e acenderão no teu sono a imagem de Ítaca:
- acompanharás embora longe do nosso país
o crescer silencioso de Telêmaco
e contarás o número de vezes que perscruto o horizonte
longa e ansiosamente.

O meu amor construirá uma muralha de ferro em torno
de teu peito
tornando-te insensível ao encantamento das outras mulheres
até mesmo das filhas dos deuses.

O meu amor nos unirá num círculo intemporal
além do ritmo das armas e do engodo de um cavalo
além dos mares estrangeiros e dos rios de Ítaca
além da morte dos nossos irmãos e da violência dos meus
pretendentes
além do infinito de uma teia e do teu desejo de voltar

O meu amor arderá com a perenidade de Apolo
tão certo como eu me chamo Penélope.

 SOMBRA

Uma criança existe em mim. Sou ela
e nossos corações têm o mesmo ritmo.
Uma mulher de rosto solitário
aperta-a nos seus braços que são meus .

Sou riso e o mesmo riso de criança
mas a estranha mulher me amarga a alma.
Entre as duas meu corpo se transforma.
Eu nunca sei quem usa a minha voz

Essa mulher caminha pelos mortos
com o mesmo alumbramento da criança.
Nossas imagens fundem-se no espelho.

Uma certeza lúdica me oprime:
eu serei para sempre dividida
entre os seres da sombra. Eles me velam.

Eu sou alguém que busca um novo rosto.

MEDIDA

a medida do amor é ser deserto
e retomar a ausência inicial
de parte da memória devorada
do inconsciente profundo axial

porque o real do amor é fragmentar-se
no decorrer do ciclo indefinido
em espirais do tempo diluído
à lembrança inconsútil desvelar-se

INVENTÁRIO DE TUDO

Teu Amor me deixou nua
seu brilho de água clara
Vestida da luz da lua
penetrei na tua casa

Passeei pela mobília
repleta de peças caras
Mergulhei nos candelabros
envoltos em ouro e prata

Nas alamedas de vidro
repousei nas almofadas
dispostas sobre o assoalho
de brancas lajes tão raras

Através dos corredores
descerrei portas e salas
Nos jardins achei intactos
pedaços de nossas almas

Teu Amor me deixou muda
seu gosto de pura lágrima
Perdida na luz da lua
desapareci na praia.

RECA POLETTI (    ) poeta paranaense e publicitária, trabalha em projetos de pesquisa de mercado.Publicou o livro de poemas Numas( 1981 ),e participou de algumas antologias como Mulheres da Vida(1978) e Antologia da Nova Poesia Brasileira(1992). Vive em São Paulo.

AVISO

Nem sempre é bom
respeitar as placas
de aviso
há momentos
na vida da gente
em que é preciso
pular as grades

e enfrentar os cães.

PROFECIA DE MÃE

O mundo
estaria frito
se todos fizessem uso
do fogo que têm na bunda.

CONFISSÃO

Seu padre
sei que ainda
no mundo
muitas dádivas restam
mas tenho
uma tendência
medonha
pra gostar mais
das coisas que não prestam

EU NÃO QUERO MAMAR

Sou ave
de  rapina
Sou mulher
e sou menina
Sou a puta
da esquina
Sou vício
de maconha e cocaína
Já fui um medo
que quase me assassina
Mas não sou
o que você acha
nem o que me ensina.


Publicado por Rubens Jardim em 13/05/2013 às 13h16
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19/04/2013 23h15
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (32ª POSTAGEM)

 

BEATRIZ AMARAL(1960) poeta paulistana, contista e musicista. É mestre em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Publicou, entre outros: Encadeamentos (1988), Primeira Lua (1990), Poema Sine Praevia  Lege (1993, finalista do Prêmio Jabuti), Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de Júpiter (2007)

 

DEGREDO

patético –

o dia se alinhava

e anima o tema

de um poente

 

todos os remates

são esparsos –

as noites são de queda

 

o vão que se reduz

só dilacera

o timbre de castelos

sobre a pele

 

agora, portas d’água

repartem as chuvas

com palavras

 

MOVIMENTO

meu pensamento

se desloca

na correnteza

rio

sem afluentes

só desemboca

na plena

certeza

de sua própria corrente

cada vez mais denso

quase me afoga

em seu curso crescente

suas curvas

seus lances

seu tenso fluir

minha mente evoca

um momento

sem consequências

desenha palavras

numa corrente

fluvial

descolorida

e segue por imagens

perdidas

quase fluidas

minha firmeza

oscila

numa torrente

de idéias novas

inteiras

e sem desvios

no movimento

insólito

de ser

não ser

até descer

ao nível

de meu espelho

móvel:

o rio

 

DESENHO

cabras dançam rotas verticais

a crosta da montanha
contorna metonímias

a lápis crayon, a
sombra sobre o
pêlo, sobre a pele
na espessura de um
ensaio

que a luz tece a hipótese da
 sílaba, — e o prisma ondulado
se consume

algum teor de amido
se estenda

nas bordas do bunker:
a tentativa de vôo
para a inexistência da asa

 

NAU

oh caravela errante, 
deixa o mapa, os sinais, 
o inútil pretexto asiático 

nada de teu fogo 
escapa à sorte – um rumo 
por outro perdido 

oh libra gentil 
tua sede oceânica parte 
o vento oscila tua vela 

do avesso equilíbrio do norte 
eis a rota onde a história 
desperta a lua de abril

CAMILA DO VALLE (1973) poeta mineira, professora, foi diretora da Fundación Centro de Estudios Brasileros, em Buenos Aires. Trouxe, em 2005, a Editorial Cartonera, cooperativa que utiliza materiaL reciclado. Em 2008, organizou a antologia Caos Portátil, de novos poetas brasileiros, publicada no México. Publicou o livro de poemas Mecânica da Distração: os aprisântempos.(2005).

 

MISSÃO DIPLOMÁTICA NA CHINA (pianissimo)

Onde pousar a palavra?

Como se a caneta fosse a asa de unia xícara

de porcelana rara que eu estaria a segurar

com todo o cuidado

no ar.

Do ar ao pires, podemos,

ou não,

espatifar a dinastia Ming.

Delicadamente.

 

UM MURO DE SILENCIO

                                              para Pedro Eiras

Sobre a página em branco repousa um reino de silêncio.

(Como pular este muro?)

É certo que todo texto começa antes do próprio texto.

Se não é, porém, na página em branco,

Onde tem, então, começo o texto?

No corpo que escreve?

É certo que todo corpo começa antes do próprio corpo.

Onde tem, então, começo o corpo?

Quiçá: na página em branco?

Eis o muro.

 

MULHER EM PROCESSO

as palavras secas, duras, masculinas

as palavras perigosas e pontiagudas entre gritos e sussurros

as palavras penetrantes:

autonomia, repertório, simultaneidade, dessublimador,

associação imagética, corte epistemológico, marcador

diferencial, narrador heterodiegético e a expressividade

em processo.

É que uma mulher não faria assim.

Fala em independência, vocabulário e junção.

Ao que parece e por exemplo.

A palavra, se é do homem e está na minha boca,

o meu corpo sabe: só faço para me masturbar.

           

TANGO

Vejo milhões de Robertos todos os dias.
Mas foi só ver Anita uma única vez que fiz um poema.

Aí a cidade era eu.
Girinos vermelhos saíam de minha vagina,
escorriam veias pelas minhas pernas,
abrindo avenidas em pleno centro da América Latina.

Embora a linguagem seja dos homens,
a cidade saiu-me mulher.
De longe, a minha avó grita tão perto:
– Tenha modos, menina! Cruze as pernas!
E eu cruzo, adoravelmente, as pernas,
e encanto o senhor capitão.
De espada na cinta e ginete na mão. (eu ou ele?)

Peço-te, Anita, somente, que não se case com ele.
Se você não se casar: nem eu.
Continuemos com as pernas escrupulosamente abertas
na América Latina. De forma estratégica: sem modo

 

RENATA BONFIM (1972) poeta capixaba, ensaísta, artista plástica, mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem especialização em arte terapia na saúde e na educação e em psicologia analítica junguiana. Publicou dois livros de poemas: Mina (2010) e Arcano Dezenove.

SEDE E FOME

                                                           Dedicado ao poeta Pedro Sevylla de Juana

Tenho uma sede insaciável

De Deus...

Por isso bebo a flor e o orvalho.

 

Por mais tardio que seja o olhar,

Colho as suas lágrimas.

Por mais silenciosa que seja a boca,

Colho o seu sorriso.

 

Sinto fome de infinito,

A língua passeia pelas palavras:

saber, sabor e arte!

Devoro teus verbos intransitivos.

 

O vazio me invade:

Resto plena de tudo o que não sou eu.Descrição: Descrição: http://img.cidadesdacopa.tur.br/banner-home.gif

 

A FLOR

sim

seus pistilos eram doces

perturbam-na insetos e pássaros

e ela, objeto, se ofertava em dores

cálice divino a derramar-se

em pleno jardim das delícias

fruição e pavor em perfeita harmonia

sacrifício

estigma

Sua assinatura sinistra.

 

VIÚVA NEGRA

Eu vou te rogar uma praga

te envenenar

matar a sua samambaia.

Vou te ferrar! Aferroar

como fazem os escorpiões aos sapos

que querem atravessar

rios e lagos

sem pagar pedágio.

Quero ver o seu sangue correr e escorrer

vermelho como os prados

e os desertos mais secos

onde açoitam ventos amargos e

moram as feras que amo e desejo.

Assim será o nosso idílio

fadado à dor, à melancolia

e ao dissabor de um amanhã

que morre todo dia

antes mesmo de nascer.

Assim será, também,

que festejaremos

a ironia do tempo vivido e

a ânsia sei lá do que.

A morte será um beijo fresco

com o qual nos despediremos.

 

REVERSO

Por baixo da pele,

ao avesso,

eu sou mais Eu.

Virada, pirada, tarada,

sob a tez dominada,

explícitos desejos,

lúbricos segredos.

Exaltações que

o orifício delata.

 

PARTO

Sou toda dissonância

Mas busco harmonia

equilíbrio, beleza, cor.

Fertilizada pela ansiedade

Sou cão lambendo as feridas

gato no telhado alheio

pássaro cantando na solidão

da árvore citadina

Busco o natural

nos escombros e resquicios

do animal que sou

Vivo o risco

seguindo um traço sinuoso

(e fatídico)

que guia meus pés viciados.

Transito por campos incertos

transo agonias e suplícios

opto pelo impreciso

transitório e duvidoso

A duras penas e

em meio a tinta ácida

ele nasce

brota do meu ventre acetinado:

um filho com olhos de luz

E a musa-parteira sem dentes

orgulhosa e vingativa

Com um sorriso desgraçado

põe nos meus braços

este ente:

a poesia.

 

MICHELINY VERUNSCHK (1971) poeta pernambucana, é historiadora. Publicou os livros de poesia Geografia Íntima do Deserto (2003) e Cartografia da Noite (2010).Foi uma das finalistas do concurso Portugal Telecom em 2004. Colabora em revistas e jornais de literatura e participa de diversas antologias de poesia brasileira contemporânea.

II - A PRESENÇA DOLOROSA DO DESERTO


Teu nome
é meu deserto
e posso senti-lo
incrustado
no meu próprio
território
como uma pérola
ou um gesto no vazio
como o amargo azul
e tudo quanto
há de ilusório.
Teu nome
é meu deserto
e ele é tão vasto,
seus dentes tão agudos,
seus sóis raivosos
e suas letras
(setas de ouro e prata
dos meus lábios)
são meu terço
de mistérios dolorosos.

 

DA ROTINA

Varrer o dia de ontem 
que ainda resta pela casa, 
o dia, 
que persiste, 
quase invisível, 
pelo chão, 
nos objetos, 
sobre os móveis da sala. 
varrer amanhã, 
o pó de hoje. 
varrer. 
varrer hoje. 
(e domingo 
quebrar os dentes 
o copo 
e sua água de vidro ... 
segunda, 
não esquecer : 
varrer todos os vestígios). 

RÁPIDO MONÓLOGO DO CAÇADOR COM SUA CAÇA


Trago
Pardos
Os olhos
De cobiça
Que atiro
Sobre ti,
Teu verbo/teu sexo:

Tua presa 
de
marfim.

……………………………………………………

Eu celebro

a máquina

do teu nome,

engrenagem

de letras e afeto,

solidão inaudita

do meu próprio

esquecimento.

Eu celebro

o teu corpo

e nele tudo

o que é ausência

de mim

mesmo,

tudo

o que em ti

é pedra,

animal extinto,

silêncio absoluto

de uma tarde

presa na memória.

Eu celebro

os vestígios,

os fragmentos,

as ruínas,

a completude,

que inventamos

sendo apenas estilhaços.

Eu celebro o amor,

a impossibilidade.

 


Publicado por Rubens Jardim em 19/04/2013 às 23h15
 
25/03/2013 13h24
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (31ª POSTAGEM)

 

CELINA FERREIRA (1928-2012) poeta mineira, jornalista e redatora conquistou a admiração  de Drummond e Manuel Bandeira. Fez muita literatura infantil e recebeu vários prêmios por seus livros nessa área. Publicou Poesia de Ninguém (1954) Poesia Cúmplice(1959) Hoje Poemas (1967) e Espelho Convexo (1973).
 
Anunciação 
 
O verbo, crio-o devagar, no corpo,
como a flor e a palavra: pouco a pouco.
Protegido em redoma não de vidro,
mas de angústia e de sangue o seu tecido.
Vestimenta de carne, pois de corpo
é o verbo que anuncio, hoje tão novo
como o primeiro homem foi nascido
da palavra semente, do seu grito.
Como o primeiro homem no seu lodo
é o verbo resolvido no meu corpo.
Verbo crescendo lesto, arredondado
como o primeiro fruto sazonado.
Corpo e navio, levo uma pergunta
que é palavra, destino, e coisa, e fruta.
Palavra, pois é verbo do meu verbo
que humilde e pressurosa hoje percebo
e guardo aflita, e exausta, e tensa, enquanto
não romper minha carne seu quebranto
de verbo libertado do meu ser,
pronto para a aventura de viver
 
Salto moral
Sondar a possibilidade do salto
e a profundidade do 
abismo.
Formular o desenho preciso.
Vôo e queda, a mesma dimensão
altura.
Vôo e queda recortam no ar
a mesma figura.
Saltar de dentro 
de si mesmo
Como quem pula o muro da infância,
A cerca que esconde os 
pomares
do mundo e limita o corpo
e seu agreste crescimento. E 
restringe
o homem e seu poder.
Saltar para o desconhecido
sem redes 
sob o corpo.
O salto moral
Diante de mil trapézios oscilantes
luzes e o pavor dilacerante
da platéia. A comovente platéia
da 
autopiedade
Saltar
para a verdade
 
Natal
 
Cada dia nasce 
um novo menino
na palha, na seda,
no feno, no linho.
Cada dia nasce
um novo destino
que sempre começa
no mesmo menino.
A estrela de cada
natal é a medida
palavra que escapa
em face da vida.
Na ficha, a palavra
festiva traduz:
Antônio, Isaías,
Ricardo ou Jesus.
 
O sexo no espelho
O amante 
predispunha o espelho 
para duplicar o amor. 
Múltiplos corpos, 
avidez do resgate, 
a noite lúdica. 
Hoje, no espelho, 
a solidão em dobro.
 
MIRIAM ALVES (       ) Escritora e poeta com projeção internacional, sua poesia surge como ação e missão de atuar e interagir no espaço social. Publicou dois livros de poemas: Momentos de Busca, (1983) ; Estrelas nos Dedos, (1985) e está presente em diversas antologias e teses em universidades do Brasil e do exterior.
 
Íntimo véu
 
Arregaço o ventre
corcoveio no ar
gemo
Você?
Tira o meu último véu.
 
Paisagem Interior
 
A madrugada respira acordes
estrela brincalhona enluará
sonata dum sonho rola asfalto
 
O céu todo em sono confunde-se
o sol ilumina-o com
um sorriso madrugada
respinga orvalho nos telhados
 
A face do céu confunde-se
meio em noites, meio em dias
desponta uma aurora
nasce uma criança brincalhona
toda envolta em madrugada.
 
Acorda dia!
há fome de esperança!
 
Cuidado! Há navalhas!
As palavras de concessões
 são navalhas 
retalham minha pele
 diluem meus sentimentos 
soltam-nos ao ar 
feito partículas poluidoras 
não diluídas 
 
Palavras de concessões 
são mordaças 
aveludam os sons do passado 
ensurdecem sentimentos 
forçam minha negação 
pressionam o meu ser 
 
Navalhas querem podar 
nas veias 
o jorro das emoções 
ligando-as nos tubos de mentiras virulentas 
 
As navalhas das concessões 
quebrar-se-ão, quebrar-se-ão 
no fio lento 
da minha dura vivência. (Alves 1985: 27)
Calafrio
O sorriso gela
a porta do paraíso prometido
A tarde cobre-se de frio
grita
esconde-se atrás dos
casacos
faz esculpir aquela saudade
do lugar
jamais percorrido.
Escorrem feito sorvete
as esperanças derretidas
no ardor do querer.5
 
LUCI COLLIN(1964)  Poeta paranaense, ficcionista, tradutora e professora universitária. Publicou os livros de poemas:  Estarrecer (1984), Espelhar (1990), Poesia Reunida (1996), Todo Implícito (1997) e Trato de Silêncios (2012). Também já publicou contos e participou de antologias nacionais e internacionais. É pianista e percussionista.
 
Todo implícito
 
não o sentido absoluto
    tampouco o tudo
só esta certa presença
    que não pretende
    que não pergunta
       nem responde
livre da voz
livre do tempo
mais do que livre
              o todo implícito
 
                  no fragmento
 
 Isto
    rápido isolado rasgo
um flash de um seu sorriso
    vem à memória
          chama
       que gelo
                   melhor mesmo fosse incêndio
      queimasse as lembranças todas
                                meu corpo
                                 seu corpo
                           e o corpo do tempo
 
                              que nos separa
 
Desconforme
 
quis sustentar rastros e areias
por desconhecer a caligem
que adviria do aço maior
e do pó
combinar palavras luz
eu quis
por desconhecer que as moscas sim
são mais preparadas
que às deusas sim
são mais úmidas
que as primaveras
mais rotas
e a poesia estava cheia de
moscas tigres primaveras
ineptos ao toque
os ossos
que colecionamos
no mundo enlameado
nomes todos juntos
isto é o mundo
isto são as meninas de mãos dadas
a uma única velocidade
quando figuro e noticio
a vida simplificada
em dálias e deserto
tudo um uníssono
e a tarde estava cheia de
cromos
que saltam sem dor nenhuma
mãos que nunca mais
hesitam
são agora
dedos de escritura
dedos artesianos representam
os lapsos e o lençol
                                 em chama e em cinza
 
Cena muda
 
eu que era único
e indivisível
agora criei tentáculos
ávidos
que não controlo
roubam vermelhos vivos
que nem sei para que servem
desejam tanto, usurpam
violam cantos sagrados
espalham cinzas
riem
esbofeteiam
cinicamente esfarelam
pedaços lícitos de pão
distribuem as fichas
embaralham cartas
trapaceiam noite adentro
alheios ao meu desconforto
trazem ouro profano para casa
abarrotam mesas
e eu, mudo e multifacetado,
olho a insana riqueza
que meus próprios braços acumulam
e tentando escutar meu vão discurso
não consigo
porque as frenéticas mãos que não controlo
                                   aplaudem ruidosamente
 
KÁTIA BORGES (1968) --poeta soteropolitana, jornalista, mestre em teoria e crítica da literatura e da cultura pela Universidade Federal da Bahia. Trabalha no jornal A Tarde, na Bahia. Publicou o livro De volta à caixa de abelhas (2002). -
 
Dicotomia
Estou só.
Não quero o homem que me quer
E há um sol que eu quero em meu rosto.
Crescer é fogo, amor, consome.
Perdoe o medo, o nojo, a fome.
Amar é doce, enjoa.
Não quero o pássaro que tenho nas mãos.
Eu preciso é dessa ave que voa.
 
Amor
Por todo o caminho, te levo comigo, 
como quem carrega o próprio coração nas mãos, pulsando. 
Como quem bebe um vinho precioso, 
deixando que o líquido se espalhe e molhe o rosto. 
Por todo o caminho, te levo comigo, 
como quem arranca um punhado de mato e põe no bolso, 
só para sentir a raiz entre os dedos. 
Te levo comigo, sobre os ombros, 
até o alto da mais alta das montanhas.
 
Homem
 
Meu homem chega cansado. 
O suor grudado na pele. 
E eu, que o imagino calmo, me deito, 
rosto contra o travesseiro — 
e aguardo. 
Ele deita seu peso sobre meu corpo, 
e seu cheiro é forte, 
como o de um cavalo. 
Sinto seu hálito no meu pescoço, 
suas pernas forçando passagem 
entre minhas pernas. 
O amor não tem rosto, penso. 
É essa pressão — pele contra pele 
— esse atrito de pêlos. 
Quero dormir e sonhar que nos amamos. 
E antes de me possuir, ele me despe, delicado. 
Quero dormir e sonhar que ele chega. 
Só em sonho, posso tê-lo sem fúria.
 
Paz
Invento a paz: panos brancos nas janelas.
Os burgueses da pensão estranham – canto.
Eu, que nunca cantei.
 
Atendo no balcão os mortos todos,
procurando achados e perdidos.
 
E vivo. Eu,
que nunca ousei.
 
O luto, que cobriu de negro
este quarto, hoje é passado.
Enterrado no quintal dos fundos.
 
Que as crianças entrem e desarrumem tudo,
rasgando em algazarra meus retratos.
 

Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2013 às 13h24
 
05/03/2013 19h24
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (30ª postagem)

 

DORA FIGUEIRA LOCATELLI (1941) poeta mineira, fez mestrado em língua literatura brasileira pela UFRJ --e vive no Rio de Janeiro. Em 1971, com os poemas ainda inéditos de Árias em Solidão Maior, conquistou o prêmio Fernando Chinaglia, da UBE. Onze anos depois, ganhou o mesmo prêmio. Mas, desta vez, com os contos de Abre a Janela, Maria! Participou da coletânea Com a Boca no Mundo(1985) e da antologia Sete Vozes(2004). Seu livro de estréia A Raiz do Tambor só foi publicado em 2011.

FIM DE SEMANA

Despeço-me do mundo
como quem arruma bolsas
para um fim de semana.
A vida abriu a boca
e
ouvi verdades desconhecidas.
Calço pantufas e flutuo serena
sem pressa.
Feito um pássaro que abre as asas
e se dilue no horizonte.

Despeço-me numa paz silenciosa.

 

DESTEMPERO

                    Canto como quem risca a pedra,

                                                          (Hilda Hilst)

Nunca serei comedida.

 

Do tronco velho de meus versos

as palavras escorrem

dilacerações sem pudor

secreções de morte e vida.

 

Sou um animal comovido.

 

CARIMBO

A memória do tempo

deixa seus sinais:

nódoas de dedos

nas folhas da janela

marcas de suor

nos óculos inúteis da avó

esquecidos no fundo da gaveta.

No suspiro de um susto

ela está diante de mim e inteira

as chaves na cintura

o coque grisalho

os olhos de desespero

os gemidos da agonia.

Tempo de sobressaltos.

A ameaça da morte vem,

como uma espada pairando acima

atada a fino fio de cabelo.

 

O coração desembestado

ó nó na garganta:

cravados em mim

como carimbo

por toda a eternidade

.

VISITA

— Menina, pega no cabideiro

o chapéu do compadre
que ele já vai com pressa!
No feltro do chapéu do compadre
um cheiro entranhado de suor salgado.
Aroma desconhecido.
Naquele chapéu descubro
o cheiro de homem
e era tão bom
e com tanta gula cheirava
que em encantei
até o pecado.

MARIA LÚCIA DAL FARRA  (1944) poeta paulista e professora de literatura, vive em Sergipe. Fez sua estréia com o Livro das Auras(1994) já mostrando uma voz poética afinada e original. Livro de Possuídos(2002) confirma isso e com Alumbramentos(2012) ela conquista o prêmio Jabuti, no ano passado.

Callas na escala ascendente

Inteira,

tua voz é um cone,

torre de catedral,

coisa tátil, que se avista,

mutável como caleidoscópio. É fósforo,

poço de petróleo: força que se arremessa

das profundas da treva e que

(de chofre)

perfura com sua agulha as nuvens

para ganhar penugem de pássaro

e adejar (mui devagar)

sobre o espírito.

 

Foguete é tua voz em busca do buraco negro

(olho terceiro)

turbina que se aquece entre coração e cérebro

e desenha ogivas de ignoradas paragens –

onde leio flor, lâmina

arcaica letra grega

que não entendo

mas que se inscreve no mármore dos altares.

 

Boi no pasto

Boi no pasto não tem patas.

Bóia as banhas ondulantes

sobre as bordas do capim

que (marítimo de ervas)

em superfície o conserva.

Está no seu elemento

e todo esterco trescala

ao verde que ele abate –

ilhas já dessa paisagem.

É o campo que se alevanta

no negro musgo do estrume

por seu turno resgatando

a larva à própria lavra.

 

Boi no pasto não tem peias

nem a terra lhe é fronteira.

 

Retrato de mulher de frente

De tanto esperar pelo meu olhar,

enrubesceu. Aguardou-o

anos a fio

mas emana dela ainda

a mesma timidez

igual esperança. Há

(quem sabe)

uma indagação impossível

na boca rubra e natural.

 

A aura do objeto

mistura-se a seu cabelo

como se a existência

tivesse transcendido o momento

em que por certo nos encontraríamos.

 

Malgrado estar eu aqui –

tudo nela ainda espera por mim.

 

Fruto proibido

Com suas nádegas lascivas de mulher

a maçã deita de costas

na cesta sobre a mesa.

Já de batom está pintada,

armadilha edênica no seu poço

- no ponto da voragem,

caverna de pevides.

 

Drácula, penetro

no seu espírito interdito,

no jardim das delícias.

Cometo (insensato)

a grande virtude capital.

 

JUSSARA SALAZAR (1959) poeta pernambucana, artista plástica e designer, vive em Curitiba desde 1986. É autora de Inscritos da casa de Alice (1999), Baobá - Poemas de Leticia Volpi (2002), Natália (2004),Coraurissonoros (Buenos Aires, 2008) e o mais recente Carpideiras (2011). Já teve poemas publicados nas revistas Tsé-Tsé (Argentina), Chain (EUA), Rattapallax (EUA),  Parque Nandino (México) e Galerna (EUA/Espanha).

(O mapa)

a palavra água molha

o verso e beija
e seus olhos atrás do meu
olhar quando o silêncio
atravessa  a noite:

o território líquido
das distâncias sem dor

a morte de d. manhã

Fechamos as janelas brancas

com o mais suave lençol de linho

— Repara o sol febril e essa brisa mourisca entre dormir entre velar o sono dos confins.

— Repara também Nossa Senhora das Horas passando de seu exílio errante. 

Há tanta luz, vê um rei, ele também passa pela janela

e esse rei era o amor que iluminava a rua

e o vestido rendado

rondando a manhã tão belo que a morte nem precisava.

A casa sisuda cerrou os vidros e cobriu

de sombras zumbiu a unção chuvosa da minguante.

A Senhora D. Pomba no parapeito

rompeu a adormecida manhã no abismo das velas de agosto.

Agora pisamos leve o seu reino misterioso e cobrimos

essa manhã de algodão

com o mais suave lençol de linho

 

a casa
[tema para a colheita das águas]

 

no espelho

diante de meus olhos

reluz o barro da moringa

no segredo que guarda

a água

 

nós dois

     eu e o espelho

bebemos o tempo

bebemos as paredes

carpimos o vento

e a tábua

da madeira os móveis

as cadeiras

a mesa que resiste

feito alma

no meio da sala

 

e a mão que

antes derramava

a água espelhada

nos copos insiste

límpida banha

o sal dos minutos

lava

nosso corpo sobre

o rio se à noite

as corujas riem

piam ao redor

como fantasmas

 

que o tempo

na casa das horas

passa

e meu retrato

feito de água

é vidro

segue a carne do rio

e recolhe as folhas

no vestido

que a correnteza

espalha:

 

colhemos o fruto

comemos o pão

guardamos amores

lavramos o chão 

 

Bestiário

a minha guerra será a tua guerra
não a guerra dos homens
mas a dos pássaros desgarrados

o nosso bestiário será esse
o do contrário nunca jamais
e a minha casa será a tua guerra

o nosso bestiário será esse
o do contrário e dos urubus diários
e a minha carne será a tua guerra

o nosso bestiário será esse
o dos monstros submersos que eunoé lembrará
quando a minha cruz for a tua guerra

então o nosso bestiário será esse
canto perdido sem prumo retalhado
sem dor sem beleza nem terra

e então a minha guerra será a tua guerra

 

SIMONE HOMEM DE MELLO (1969), poeta paulista, tradutora e libretista. Seus poemas em português estão reunidos nos livros Périplos (2005) e Extravio Marinho (2010 ). Viveu de 1993 a 2010 na Alemanha – Colônia e Berlim—e escreveu o libreto das óperas Orpheus Kristall (Munique, 2002), Keine Stille außer der des Windes (Bremen, 2007), UBU (Gelsenkirchen, 2011). Como tradutora, dedica-se à poesia moderna e contemporânea de língua alemã.

DOS TERRITÓRIOS

(UM ROTEIRO)

Prestes a romper
o cerco,
não mais contra-
cenar com seus
senos e co-
cientes.

Sem pensar
duas vezes, dis-
pensar sentidos
e sentinelas, re-
baixar a guarda
de fronteiras,
proscrevê-la.

Abolir alfândegas,
clãs e destinos.
Sem prós e pós-
tumos túmulos,
decepar a rosa
dos rumos,
dissipar ventos
(oito deles),
despir-se de
pares e díspares.

Minar
a margem
(terceira)
de um rio
anônimo.

Extra-
ditá-lo.

 

Ruído

Conchas dispersas

pelo mar de muros

ecoam outro outono

 

O raso das antenas

capta em parábola

a mensagem elíptica

 

Empoçada no côncavo

a mesma luz rasteira varre-ruas

infiltra-frestas agora transmite

Fora do ar

 

a tela alterna faixas

crespas ondas tecem

o marulho teledifuso

 

Coados fatos, feitos e ditos

a concha colada ao ouvido

escoa um silêncio rarefeito

 

Incide outonal

emite

um sol sem zênite

 

Noturno de Alt-Moabit

No teto, a guirlanda,

flora única ao redor.

O meandro em gesso,

era mero engenho

do que não cingia:

 

Elipse de um silêncio demarcado

a dedo,

suspensa à cabeça,

a esfinge decifra só

o que o dígito devora.

Ela olha, aquém da voz

:en_voi:la!notte:

dança noturna, a negra e

a taça, (who is the person?)

ainda por libar o vinho,

acrobático jogo de (shut up!

it’s dizzy’s soul) corpo,

outro gesto dela,

a adejar a cabeça,

acena em branco

 

:aqui jaz:

o que o silêncio circunscreve.

 

Em volta do fogo ausente,

as cadeiras eram arestas

a serem limadas por sinais

amenos       (wouldn’t you come

emitidos de longe: closer?)

um certo tecer de fio indistinto enleia,

ao eixo do retrós, imóvel redemoinho

de sílabas, segredos a fio,

(a drop of something?) des(no,)vela

e, lenta, retrossegue

(not yet.), sem ceder.

 

A voz dele sela à cera

(impossible to draw...)

o que a dela silencia.

De um arabesco celta

onde o fio da meada?

(...a woman)

 

De uma fotografia anônima

De porcelana, e a pele, máscara em branco ri

rente à face, e nesta sorriso menos, minguante.

Posam modelo e máscara entre tecidos, vasos

afilam ao fundo, da cerâmica abaula cada lustre.

Anônima. Jovem, peito descoberto, deitada segura

máscara junto ao rosto, ela à mostra até a cintura.

Prova sobre papel albuminado a partir de negativo

de colódio úmido em chapa de vidro; cerca de 1870.

Seminua, só pele entre estampas e dobras, exposta

ao tempo, até que a imagem, até o sorriso ceder em.

Gravado entre dentes, porcelana, já o riso em branco,

algo assombra, talvez por imune ao tempo, a sombra.

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 05/03/2013 às 19h24



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