Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
28/01/2013 21h22
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (29ª postagem)

 

GRAÇA VILHENA poeta piauiense, de Terezina, é professora de língua portuguesa pela UFPI e leciona literatura clássica. Integrou a chamada “geração do mimeógrafo” (anos 70), participou da Antologia de poetas piauienses e cearenses e publicou Em todo canto(1997) e Baião de Todos (1996).

GUARDADOS

Do tio que não conheci
tenho um pião de madeira
uma gravata de festa
e um retrato magro

coisas que me olham
quando me procuro
na inteireza das sobras

RECADO

Não velarei teu sono
e nem serei o aguador
de tuas palavras vidrosas.
creio nos galos
cantando até à grimpa
e nos cachorros
viralatindo as madrugadas.

A noite não é silenciosa

FIM DE MUNDO

Dentro das casas
humildemente
o dia se dissolve
no bico das chaleiras

cadeiras obedientes
ensaiam danças
nas calçadas
e a moça espalha
sobre um bordado
uma possível felicidade.

MONARK

aquele menino

e sua monark

um craque

 

andava soltando as mãos

só com a roda traseira

um pé na sela

e os olhos em mim

 

foram as primeiras lições

sobre os perigos do amor

O SINO DOS SINOS

Foi o cafuné
das andorinhas
que adormeceu
os sinos da
cidade.

VITÓRIA LIMA (1946) poeta recifense, mora em João Pessoa e leciona na UEPB, em Campina Grande. É especialista em literatura de língua inglesa, grande estudiosa de Shakespeare. Seus primeiros poemas apareceram tarde, em 1995, na Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana. Dois anos depois publicou o volume-solo Anos Bissextos e, em 2007, o livro Fúcsia.

CIGANO DESEJO

Meu desejo
anda de bonde,
patins e avião.

A pé, descalço,
de tênis
e camisão.

Meu desejo
anda tímido,
coitado.

Pega carona no vento,
no tempo,
anda na contramão.

Meu desejo
só não anda
satisfeito.

 

FANTASIA PARA UMA VISITA AO SUPERMERCADO

...tendo ginsberg como guia

fantasio
que um dia
o encontrarei
por entre as gôndolas
(de um supermercado)
fantasio que
ao levantar os olhos
das cebolas
lá estará ele —

seus olhos me
buscando
insistentemente
por entre os tomates
& as beterrabas

me atrapalho
nas compras:
preciso de chuchu —
levo rabanetes

ao nos cruzarmos de novo
por entre peixes e siris
trocamos risinhos cúmplices —
já íntimos
& coniventes.

no caixa
(meio tímidos)
trocamos e-mails,
telefones

& marcamos encontro
para o próximo réveillon —
eu vou de rosa
ele vai de marrom...

OPUS 42

São 42
agostos.

uns passados
em branco.

outros
a limpo.

outros
a seco.

os melhores:
bissextos.

A PÁTINA DO TEMPO


a pátina do tempo
pinta/ cava/ marca

impondo
máscara impiedosa

que

plástica nenhuma
elimina.

QUE NEM JAMES DEAN

Veio
deu um rolé
com seus olhos verdes
e
foi-se
rápido
que nem James Dean

VERA LÚCIA DE OLIVEIRA (1958) poeta paulista, formou-se em letras pela UNESP, ganhou bolsa de estudo para especializar-se na Itália e hoje é professora de literatura na Università degli Studi di Lecce. Publicou os livros  A porta range no fim do corredor, (1983). Geografie d’Ombra, (1989). Pedaços/Pezzi, (1992). Tempo de doer/Tempo di soffrire,(1998), La guarigione (2000), Uccelli convulsi (2001)e No coração da boca/Nel cuore della parola(2003).

O DIREITO AO ESQUERDO

Até prova em contrário

Não amassem o corpo de pegadas

Não agucem a espera da morte

Não contaminem a propensão à luz

Naão passem rolo compressor

Nas palavras da alma

Não decretem que não existe

Até prova em contrário

O direito ao esquerdo.

RUA DE COMÉRCIO

Sou poeta da cidade magra
da cidade que não
caminha
sou dessa planicidade
sou da violência das vidas
poeta da cidade que afunda casas
e pessoas
sou da puta da cidade que só tem
superfície

amanheço todo dia nua e estreita
como uma rua de comércio

TEM PALAVRAS

tem palavras que têm cicatrizes
a palavra apego, a palavra parto
a palavra tempo
dentro elas são de madeira
dentro elas se impregnam
quando a chuva bate na janela
penetra os poros

GÊNESE DE MIRÓ

para Miró

o mundo voltou a ser
menino
com suas linhas e formas
primordiais
menino-pássaro
menino-lua
e o olho absorto de Deus
se distrai da nova gênese

no húmus da tela
o sopro
dos primeiros traços
separa as cores
do caos

INFÂNCIA

perdi-me em funduras de juntas

perdi bichos nas moitas, rastros no escuro

perdi mormaços, brisas

fui gerando meu pisado vagaroso

nas fraturas das coisas

A POESIA DÓI DENTRO DE MIM

A poesia dói dentro de mim

como quando meu pai podava a parreira

eu ia vendo caírem
as folhas
e ia vendo caírem
as folhas

e ninguém sabia
como os ramos derramavam sons
dolorosos

 

GRETA BENITEZ (1971) poeta curitibana, é pós-graduada em marketing e trabalha como redatora publicitária. Tem poemas publicados nas revistas literárias eletrônicas Zunái, Oroboro e Et Cetera. Participou de várias antologias, entre elas Todo começo é involuntário. Publicou os livros de poemas Rosas Embutidas(1999) e Café Expresso Blackbird (2006).

BRECHÓ

Como me sentia

muito entediada, vazia e só

fui comprar um coração usado

num brechó.

Encontrei de vários tipos:

lantejoulas, renda, pelúcia,

corações de vó (ao lado do pinguim de geladeira)

cristal, vidro e madeira

corações de freira

e um em especial

que já havia sido apertado por espartilhos.

E foi bem esse que me disse:

"Vá em frente, moça. Tudo que você precisa é de um pouco de fé"

 

CÃES DOS JARDINS

Lindos cães dos Jardins

Deitados sob as mesas

Onde seus donos estão sentados

Olhando a cidade que se move

Línguas ondulam em caimento perfeito

Olhar feito de puro ensinamento

Dignidade

Honestidade

Tudo isso mora

Dentro dos cães dos Jardins

E sobre a mesa

Um café preto, água mineral

E um jornal

Que contém todo horror do mundo.

 

MEU HERÓI

Pinto as unhas
os olhos e o coração de preto
encho os pulmões de fumaça e ar
esperando o dia
em que o Batman vem me salvar

HELSINKI

Tudo o que nos une

Não é nada óbvio

Porém bastante sério

O livro sobre o crime

A foto tirada em Helsinki

Folhas de louro

Um sofá de couro (que eu detesto)

Lembra do resto?

Analgésicos

A sorte lida pelo anão

Laços de gorgorão

E a consumação do incesto.


Publicado por Rubens Jardim em 28/01/2013 às 21h22
 
21/11/2012 14h19
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(28ª)

LUCIA FONSECA (1940) poeta carioca, formou-se em história natural e trabalhou como pesquisadora em genética. Começou a escrever regularmente no início da década de 70, publicando poemas em suplementos literários de alguns jornais. Invenções do Silêncio (1980) é seu primeiro livro de poemas. Rede Fluvial (1983) veio na sequência e recebeu o prêmio Emílio Moura da Sec. de Cultura do Estado de Minas Gerais. O Paraíso era Antes(2008) é seu último livro. Antes dele, publicou em 2007, Cantares.

 

Trânsito

"Vim para morrer. Trago comigo
os panos de linho claro, mão fechada, um lenço
e o gesto do recém-nascido.
Ao pescoço,
sete voltas do cordão. Medalha.

Quem disse que trouxe nos olhos abertos
lendas de antigas infâncias?
Quem disse que, das mãos, escapou-me a ânfora,
lançando ao chão, em cacos, o vinho?
Vem para morrer tão simplesmente,
como caem as folhas e se apagam os cigarros
no final de um ciclo.
Decerto o que tinha de cumprir, cumpri.
Embora esperasse mais. (Somos sempre uns príncipes em pensamento).

Ainda as vísceras se esforçarão em seu inocente exercício.
Ainda o pulso latejará por obrigação de mais um dia.
O sol pousará no horizonte. Pela janela ainda verei a lua
nascer dourada no mar.
Então partirei, madrugada.
Deixo - infelizmente -
o quarto desarrumado,
a cama desfeita
os papéis em desordem..

 

NOTURNO II

         Eu creio em noites

            RAINER MARIA RILKE

Aqui é noite.

Definitiva noite

como dentro de um fruto.

Um peixe que se percebesse só no oceano

talvez sentisse medo.

E no entanto é só que ele nada

o mais das vezes. Aqui é noite.

Apalpo sementes no ventre escuro do sono.

Tudo é tão quieto, calado, enrodilhado em pelúcia.

Que longas, as gestações!

O mendigo, o palhaço, o príncipe, o bêbado, o triste

se fazem assim, no escuro — só mais tarde, sob as luzes

serão coroados.

Nessa hora, entre todas, a mais silenciosa,

imóveis dormem sonhos e poemas — sementes na bruma.

Ouvir-lhes o silêncio, o sono,

confiar — eis tudo.

 

VINHAS DE MAIO

Vinhas de maio — de quando madrugam as rosas.

Vinhas do fundo mar,

de pensamentos de neblina e azul.

De neblina e azul teus gestos,

as pequenas mãos submarinas.

Em vermelho abriste caminho para o mundo,

em vermelho te cortaram o cordão.

E chegastes do fundo da caverna

com uns restos de treva

colados à pele,

expondo no ventre, por cicatrizar,

o sinal selvagem da tua impureza.

 

Depois ainda te vi lavado,

ungido de óleos e essências

e vestido de branco,

como para secretos ritos.

E do berço agitavas os braços

como de uma barca

pedindo que te salvassem.

Mas porque cheiravas a sono e cólica,

como um dia cheiraram teu pai e tua mãe,

isento ainda do leite, desligado mesmo do nome,

porque eras coberto de penugem

e tinhas uns restos de asas

— eras tu —

ah, eras tu salvavas.

 

ANA MARIA LOPES (1948) embora carioca, a poeta considera-se brasiliense. Jornalista, trabalhou nas TVs Nacional e Alvorada, sucursal de O Globo e TV Câmara. Foi premiada como poeta em 1967(concurso literário patrocinado pela Embaixada de Portugal) e 1981(concurso de poesia promovido pela Editora Abril). Publicou poemas na antologia Poetas Brasileiros Hoje(1995) e lançou o livro de poemas Conversas com Verso(2006).

 

.COM

Eu estou aqui

você está aí

Se acaso eu vou para aí

Você vem para cá

Há entre nós, inconteste,

um computador

– barricada –

que nos serve de atalho

para a fuga do contato

 

é o desamor.com

 

LUA E CORPO

Uma lua incerta batia

quando em quando

seu claro no meu corpo

Queria me despir de sua luz

procurando o breu.

Mas com grande mestria

a lua investia

seus dedos luminados

procurando meus pelos

explorando minhas cavernas

e sem nenhum barulho

dava seu mergulho

em águas mucosas.

Seus punhais, seus raios

jorravam o clarão

e pouco a pouco

a lua incerta e meu corpo nu

se amalgamaram

- assim como fazem os astros -

e reinventamos a luz.

 

NÃO ME ACORDE

Se eu estiver sonhando

não me acorde

porque basta uma noite

para me manter rediviva

uma noite para gerar meu espanto

e espantar minha rotina.

 

Mas se por acaso estiver tecendo

as tramas do matutar

ou colchoeira

enchendo de paina a retina

não me chame

porque basta um gemido

para me acordar.

 

A PALAVRA

Ninguém percebeu

a palavra pendurada por um fio

Ninguém atinou para seu sentido

nem notou que pairava muda

sob todas as cabeças.

Carregava seus mistérios

cheio de sílabas.

Ninguém a queria nem (a) prendia

E a palavra ficou balançando

em postura de enforcado

sem traço esclarecedor

para perplexidade de todos.

 

DANIELA GALDINO (        ) poeta de Itabuna, mestre em literatura e diversidade cultural, é professora de literatura na UNEB. Organizou os livros Tessitura Azeviche: diálogo entre as literaturas africanas e a literatura afro-brasileira(2008) e Levando a Raça a Sério(2004), participou de várias antologias e publicou Vinte Poemas Caleidoscópicos (2005) e Inúmera(2012).

 

INÚMERA

Eu tenho a síndrome de Tim Maia.

Eu tenho as varizes de Clara Nunes.

Eu tenho os vícios de Piaf.

Eu tenho a orelha de Van Gogh.

Eu tenho a perna que falta ao Saci.

 

Eu tenho o olfato de Freud.

Eu tenho o cansaço de Amélia.

Eu tenho o peso de Maria.

Eu tenho as dermatoses de Macabéa.

Eu tenho a cusparada de Sofará.

 

Eu sou a linha tênue que une os xipófagos.

Eu sou uma interrogação vagando com pressa.

Eu sou um insulto atirado à queima roupa.

 

Eu tenho atalhos ainda não percorridos.

Eu tenho palavras desgastadas e nulas.

Eu tenho uma voz penífera e cortante.

 

Eu confesso: sou intrusa, sou inúbil, sou inúmera.

 

MULHER ABJETA

Não sei desenhar

não sei fazer conta

só entendo de assustar palavras.

 

Puxo o verbo pelo rabo

finco dente no dorso.

 

Quero des-edificar lares

provocar divórcio

entre significante e significado.

 

Aí será o oco da linguagem varrido pelo avesso...

 

Encosto a boca na orelha dos vocábulos

e sussurro:

“Deus é a nossa criação necessária”.

Eles habitam pântanos de pânicos.

Estão prontos para representar meus terrores.

 

Eu não espero pelo dia

em que o meu nome flutuará

nas páginas de uma hagiografia.

 

Não sei qual evangelho rege

as impurezas da minha arte.

 

Eu transbordo excrescências,

dúvidas,

luminosidades.

E... só entendo de assustar palavras.

 

SAUDADE AMANHECIDA

meus pés contêm mapas
distorcidos por cartógrafos loucos.

e esses pés tocam sem cuidado
a profusão de fios... rastros... fluxos...

eu esqueço os ares de moça
ignoro compêndios
transito por rotas imprecisas:

língua percorre lágrimas
boca engole axilas
dedos iluminam côncavos
buceta grita espumas

corpo bambeia na cadência
da memória indistinta:
seus jorros trêmulos
em meus pontos cardeais.

 

ALVORECIDA

Acordei com um sol enorme

dentro de mim

 

abrasaram-se os órgãos vitais

raios trafegaram minhas veias

 

borbulharam pensamentos de lama

nos lençóis freáticos da memória

 

o sol tomou conta de tudo

expandiu felonias esquecidas

 

ergueu-se um centenário baobá

no terreiro inabitado de mim

 

o frêmito deste nascimento

alimentou espetáculo frondoso:

 

sombra nas costas do dia

vertigem na borboleta.

 

MARIZE DE CASTRO (1962) poeta potiguar, é formada em Comunicação Social e exerce a profissão de jornalista. Autora dos livros Esperado Ouro(2005), Poço, Festim, Mosaico (1996) e Marrons crepons marfins (1984). Tem textos publicados em revistas nacionais e internacionais e já publicou poemas no Jornal do Brasil, Estadão e revista Poesia Sempre. Foi elogiada por Haroldo de Campos.

Néctar

A verdade aproxima-se.
Olha-me com os olhos 
abismados da beleza.

Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.

Sou todas elas.

Escrever me fez suportar todo incêndio

– toda quimera. 

Erma

Recolho-me tão profundamente
que tudo me alcança:
mísseis, desastres, lanças.

Recostada ao rosto de Deus
pedi-lhe a fé perdida
a palavra antiga – invencível.

Ele me deu o mar no nome
e uma fome borgeana, dizendo-me:
Eis sua herança, jovem senhora
de velhíssima alma e furiosas lembranças.

Solar

Cadáveres despertam depois do amor.
Lágrimas choram e se estrangulam.

Não sou a mulher que você vê.

Não sei o que é o inverno
- nunca vi a neve.

O meu ofício é reinventar asas para o sol.

Muralha

Porque me abasteci, estou de volta.
Trago comigo coisas abandonadas.
Coisas que os homens jogaram fora:
placentas, gânglios, guirlandas, guelras.

Retorno alimentada. Perigosa.
Mais mar. Mais aberta.

Hoje descobri que quando estou dormindo
Deus segura minha mão e a leva para seu rosto.
Para Ele
sou mulher e menina.
Para o mundo
sou silêncio e desordem.
Lassidão e rumor.

Uma muralha que sempre desejou ser flor.


Publicado por Rubens Jardim em 21/11/2012 às 14h19
 
22/10/2012 11h49
AAS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (27ª)

Mais uma vez, saímos fora do esquema de reunir aqui os poemas de 4 poetas brasileiras. Mas temos boas razões pra isso: Helena Kolody, como tantas outras vozes da poesia brasileira, merece esse tratamento especial. Além disso, está sendo comemorado, este ano,  o seu centenário.

HELENA KOLODY (1912-2004) poeta paranaense, professora e presença atuante no meio cultural, foi a primeira mulher brasileira a publicar haicais. No seu primeiro livro, Paisagem Interior(1941),  entre os 45 poemas estavam 3 haicais. O mais conhecido era este: Arco-íris/ Arco-íris no céu./Está sorrindo o menino/Que há pouco chorou/. Já nesse livro de estréia, com poemas voltados aquilo que está mais oculto em cada ser, Helena conquista o prêmio de poesia no Concurso Nacional dos Homens de Letras do Brasil. Admirada por Drummond e Leminski, deixou vasta e expressiva obra poética, que merece ser conhecida e divulgada. São mais de dezoito livros que foram reconhecidos e aplaudidos por poetas e críticos como Tasso da Silveira, Walmir Ayala, Andrade Muricy e muitos outros. Pra se ter uma idéia da importância e da dimensão da linguagem dessa poeta, ai vai o depoimento de Paulo Leminski, em artigo que aborda o lançamento de Sempre Palavra(1985): “Santa Helena Kolody –padroeira da poesia em Curitiba—acaba de fazer mais um milagre. Chama-se Sempre Palavra; tem apenas cinquenta páginas e uns quarenta pequenos poemas. Mas tem luz para iluminar esta cidade por todo um ano...Helena passou esses anos todos meio intocada pelas novidades que fervilham no eixo Rio-São Paulo, alquimista mergulhando sozinha até a essência do seu livro, até o momento em que, como diz, o carbono acorda diamante”.

Felizmente, neste ano de 2012 em que se celebra seu centenário de nascimento, uma série de comemorações e ações culturais procuram resgatar o seu nome e dar visibilidade ao seu trabalho poético. Muitas dessas ações foram desenvolvidas pelas secretarias de cultura e de educação do Paraná. Esse trabalho envolveu a rede de bibliotecas, as escolas e os alunos que puderam realizar atividades de declamação e interpretação de poemas. Foram produzidos, também, livros e cadernos ilustrados com poesias, haicais e frases da autora, murais e trabalhos artísticos utilizando materiais alternativos. Enriqueceu o panorama de homenagens a exposição Helena Kolody 100 Anos, com fotografias, poemas e depoimentos da autora que foram dispostos nas escadas no prédio da biblioteca pública do Paraná. Essa mostra ainda pode ser vista, pois fica em cartaz até o dia 26 de outubro.

Outra homenagem foi a apresentação da peça Helena, inspirada na obra da poeta, e que reuniu o dramaturgo Edson Bueno e o Grupo Delírio Cia. De Teatro. Edson teve a oportunidade de conhecer a escritora pessoalmente, e diz que retomou a leitura da obra literária para a montagem. “Fizemos com a preocupação de ser algo lindo e interessante, passar a ideia de quem era ela. Eu a conheci quando ainda trabalhava na Gibiteca, ela tinha um olho brilhante, que parecia de criança. E seu texto tem a simplicidade dos sábios.”

Segundo o diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, “A obra dela tem muita importância, mas é pouco discutida e lida. A imagem foi o que ficou de mais forte, o que de certa forma acabou ofuscando a sua obra, que é muito rica. Ela não era uma professorinha, era uma poeta que se preocupava com as questões da literatura. Temos de desmistificar essa figura romântica que existe sobre ela.”

O jornal Cândido, publicado pela BPP, também dedicou capa e parte significativa da edição de outubro ao percurso da autora, com reportagens, depoimentos, poemas, ilustrações, fotos e um importante resgate da participação de Helena no projeto Um Escritor na Biblioteca. No  primeiro semestre deste ano, a secretaria de estado da cultura do Paraná lançou a revista Helena, com periodicidade trimestral, que além de fazer referência à civilização helênica, homenageia o centenário de Helena Kolody, talvez a mais importante poeta da história do Paraná, mas que não teve grande destaque nacional. E três escolas de educação especial, no bairro de Santa Felicidade, inauguraram este mês o Circuito Helena Kolody, um trajeto em um pequeno bosque onde foram distribuídos poemas e haicais da poeta paranaense. Está na programação, ainda, a exibição do curta-metragem A Babel da Luz, do cineasta Sylvio Back, feito em comemoração aos 80 anos da poeta.

OBRA POÉTICA - Paisagem Interior (1941);Música Submersa (1945);A Sombra no Rio (1951);Poesias Completas (1961);Vida Breve (1965);Era Espacial e Trilha Sonora (1966);Antologia Poética (1967);Tempo (1970);Correnteza (1977, seleção de poemas publicados até esta data);Infinito Presente (1980);Poesias Escolhidas (1983, traduções de seus poemas para o ucraniano);Sempre Palavra (1985);Poesia Mínima (1986);Viagem no Espelho (1988, reunião de vários livros já publicados);Ontem, Agora (1991);Reika (1993);Sempre Poesia (1994,antologia poética);Caixinha de Música (1996);Luz Infinita (1997, edição bilíngüe);Sinfonia da Vida (1997, antologia poética com depoimentos da poetisa);Helena Kolody por Helena Kolody (1997, CD gravado para a coleção Poesia Falada);Poemas do Amor Impossível (2002, antologia poética)

PRÊMIOS E HOMENAGENS -- 1985 - Recebe o "Diploma de Mérito Literário da Prefeitura de Curitiba".1987 - Recebe o título de "Cidadã Honorária de Curitiba".1988 - Criação do "Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody", realizado anualmente pela Secretaria da Cultura do Paraná, em sua homenagem.1989 - Gravação e publicação de seu depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Paraná.1991 - Eleita para a Academia Paranaense de Letras.1992 - O filme A Babel de Luz, do cineasta Sylvio Back, homenageia os 80 anos da poetisa, tendo recebido o prêmio de melhor curta-metragem e melhor montagem, do 25° Festival de Brasília.2002 - Exposição em homenagem aos 90 anos da poetisa, na Biblioteca Pública do Paraná.2003 - Recebe o título de "Doutora Honoris Causa" pela Universidade Federal do Paraná.

POETA

O poeta nasce no poema,

inventa-se em palavras.

 

RETRATO ANTIGO

Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

 

LIÇÃO

A luz da lamparina dançava
frente ao ícone da Santíssima Trindade.
Paciente, a avó ensinava
a prostrar-se em reverência,
persignar-se com três dedos
e rezar em língua eslava.
De mãos postas, a menina
fielmente repetia
palavras que ela ignorava,
mas Deus entendia.

 

POESIA MÍNIMA

Pintou estrelas no muro

e teve o céu

ao alcance das mãos.

 

AREIA

Da estátua de areia,

nada restará,

depois da maré cheia.

 

PÂNICO

Não há mais lugar no mundo.

Não há mais lugar.

Aranhas do medo

fiam ciladas no escuro

Nos longes, pesam tormentas.

Rolam soturnos ribombos.

Súbito,

precipita-se nos desfiladeiros

a vida em pânico.

 

JOVEM

Suporta o peso do mundo.

E resiste.

Protesta na praça.

Contesta.

Explode em aplausos.

Escreve recados

nos muros do tempo.

E assina.

Compete

no jogo incerto da vida.

Existe.

 

GRAFITE

Meu nome,

desenho a giz

no muro de tempo.

Choveu,

sumiu.

 

MERGULHO

Almejo mergulhar

na solidão e no silêncio,

para encontrar-me

e despojar-me de mim,

até que a Eterna Presença

seja a minha plenitude.

 

JORNADA

Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada

 

LOUCURA LÚCIDA

Pairo, de súbito,

noutra dimensão

 

Alucina-me a poesia,

loucura lúcida.

 

SEM AVISO

Sem aviso,

o vento vira

 

uma página da vida

 

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 22/10/2012 às 11h49
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03/10/2012 13h10
AS POETAS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA(26)

RITA DE CÁSSIA CAVALCANTE,  poeta gaúcha, é professora de literatura em Porto Alegre. Escreve na revista Argumento e no blog pessoal Poética. Participou, em 2008, do concurso literário off flip e foi publicada na coletânea junto de autores já conhecidos como Tanussi Cardoso, Márcia Maia, Mônica de Aquino e Sonia Pereira.

 

Chega uma hora em que olha no espelho e não encontra mais o avesso
a cara é só retrato 3x4 da sua identidade emaranhada
o que há por trás é a casa escura soando berros de alguma canção inominável
Memória tem cheiro de flor em velório
doce cozinhando em panela de vó

Se ainda acreditasse, abriria as cortinas
chorava rios e fingia ser feliz

Nem pra chover deus ajuda

 

******************************************************************************************************

 

tudo previsível como uma penteadeira

 

beijos gastaram todo o batom

mas restou o sangue

volúpia ardente na página daquele livro

respiro o teu perfume

quando a noite insiste em se fazer inteira
diante do espelho tudo é nu

 

(gavetas também não escolhem as lembranças)

 

Bossa


Não tenho mais tempo pras palavras
Larguei da poesia
Não quero mais essa mesma canção

Adeus, meu bem
Vou ser morena do samba de alguém

 

*******************************************************

ligação de cobrança

caminhão de gás

torneira mal fechada

construção no quintal ao lado de casa

dança

mendigo pedindo moeda na calçada

corpo pedindo água

cachaça

música ruim no rádio do vizinho

telefone ocupado

tu

tu

tu

 

A vida é um disco riscado

 

CLAUDIA CORBISIER , poeta e psicanalista carioca, com pós-graduação em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da UFRJ e na Sorbonne, Paris V, Université René Descartes. Atualmente doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da PUC, Rio de Janeiro. Pesquisadora associada do LIPIS. Escreve no blog umdiaumgato.

 

Quero a vida assim
Amassada
Enrolada
Em papel de seda
Ou de jornal
Quero um colar bonito
De pérolas
Ou de botão
Quero um peito aberto
Cheio de cicatrizes
De lembranças
Do que foi
Do que não foi
Do que será
Quero as mãos raladas
mas
De unhas feitas
De cores diversas
Sempre abertas
Quero as pernas bambas
De sonhos insuspeitos
Dos carinhos exagerados
Quero o amor maior
A paixão que transtorna
Que transborda
Quero o fio da navalha
A faca que corta
O que não faz sentido
Quero o suor pingando
Das lutas reais
Quero da vida
O pedaço
Que mais arde
Que enlouquece
Quero o mais difícil
O que é real
Quero a verdade
Da dureza da rocha
Do perfume da rosa
Das entranhas expostas
Quero
.

 

Memória


Mãe é amparo.
Estaca fincada na terra
na chuva, molha
no sol, seca
com o vento balança.
Mas fica ali.
As vezes nem sabe
que apóia ilusões,
que gera sonhos
que aninha sossegos.
É ponto cardeal
início à revelia
corrimão
jacarandá de sobrado
sino de mesa
carrilhão tocando
conversas de antigamente.
É tristeza do que não foi
de perguntas esquecidas
É imagem desdobrável
guardada
entre pesares e canduras
no porta-retrato
da memória.

 

AURORA

 

O SEGREDO APENAS SE ESBOÇA,
O SENTIDO MURMURA,
PARA OS OUVIDOS ATENTOS,
UM ACALANTO INESPERADO.
AS PALAVRAS SE CRUZAM,
O SILENCIO ACORDA SONHADORES DISTRAIDOS,
DE MUNDOS DISTANTES.
OS SINOS SE IMOBILIZAM,
OS OLHOS DESLIZAM,
DESPERTANDO ALMAS INQUIETAS,
QUE DESCOBREM O BALANÇO DO MUNDO.

********************************************************************

Sou chão. Sangue. Cabelo em pé. Ouvidos roucos. Voz estalada que nem ôvo. Sou pé na estrada. Mão na contra-mão. Moleca de rua. Do olhar atento. Da alma rasgada. Da saia plissada. Do sinal aberto. Do bambolê rodando. Sou mulher comum. Média. Com pão e manteiga.

 

ADRIANA ZAPPAROLI (1969) poeta paulista, nasceu em Campinas, fez doutorado em farmacologia pela UNICAMP e, em 2007, lançou seu livro de estréia, A flor-da-Abissínia, já tendo publicado seus poemas em revistas impressas, como Etcetera, A Cigarra e Poesia Sempre, e eletrônicas, como Zunái e Mnemozine. Escreveu o e-book de poesia: Erótica. Mantém o blogue Zênite.

Rubro cântico

figurativo descanso
uma estrutura rubra
um olho-de-gato
equivocado
refletindo luz


intuitiva a poesia


num escuro
duma estrada
mal sinalizada

 

Num momento

roer
a unha telúrica
do tempo

saltar
para dentro
da vulva

no movimento
da válvula tricúspide

tugúrio

o tule abafa
o trilo da úvula

no dedo o gosto da uva úmida

 

Tatue um poema

tatue um verso
dinodonte diminuto
em meu dorso
etéreo
reverso
tatue beijos
cabelos extensos
seu
rosto
tatue sentidos
discretos lábios
textos explícitos
arriscado fogo
astro
sem esforço tatue
um
imortal dionisíaco
tatue meu corpo
todo
poema inteiro

 

O olho do tigre

 

Pisando o chão novamente
sou alguém sobrevivendo
após um forte dilúvio.
Por mais que eu renegue a vida
e dela seja o mais fiel desertor
A morte, não a venci.
Da vida sou prisioneiro.
Não! Não! Não desisto!
Mesmo cansado bate em meu peito
o instinto do predador.
O olho do tigre persegue sua presa na noite,
é a emoção da luta
que cresce junto com o desafio do rival.
Oh! devoro a vida!
Viva! Solto o último suspiro
e parto em busca do desconhecido.

 

VIRNA TEIXEIRA (1971) poeta cearense, nasceu em Fortaleza e reside em São Paulo. Publicou três livros de poemas Visita (2000), Distância (2005), e Trânsitos(2009), participou da antologia Fin de Siècle (2007) e traduziu os poetas Edwin Morgan(escocês), Richard Price (inglês).

 

NOITE

branca, a sala
a cor desta
ausência

teto

inalcançável

sofá, o vulto
imaginário
de um corpo.

 

HYDRA
 

Nas margens da ilha, rochosa

           redemoinhos

de água

 

onde o monstro

marinho?

 

Havia um banco

de frente para o mar

Egeu.

 

A luz tênue

ao entardecer

outono

uma igreja deserta e a

fileira de casas, brancas

ao longe.

 

(tinha nove cabeças

a serpente)

 

Na colina, balidos

despertam

meus pensamentos.

 

As hidras internas

se recolhem.

 

Um pastor acena.

 

CHINATOWN
 

da bolsa de mão deixa cair a arma

a dupla identidade da assassina

 

suspense na sala de espelho

disparos na sombra, estilhaços

 

'em shanghai é preciso mais que sorte'

 

na costa do atlântico

um vórtice de tubarões feridos

tinge de sangue o oceano

 

o sol evanesce no poente

 

RÉQUIEM
 

onze meses depois:
uma pedra sobre o túmulo
 
reter apenas as
lembranças
 
necessárias

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 03/10/2012 às 13h10
 
23/08/2012 13h12
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (25)

LÚCIA SANTOS (1964) poeta maranhense, cursou teatro e ao lado de atores, músicos e poetas, roteirizou e apresentou vários recitais performáticos, como: Batom Vermelho, Eros&Escrachos,  Ménage à Trois, Papas na Língua e Nu Frontal com Tarja. Participou de algumas coletâneas e publicou Quase Azul Quanto Blue(1992) Batom Vermelho (1998) e Uma Gueixa pra Bashô (2006), livro de haicais com apresentação da poeta Alice Ruiz. 

CILADA

Me esgueiro em teu pelo
Lagartixa tonta
Dentro em pouco ave

Te enlaço num beijo
Centopéia louca
Deixando mil rastros

Estrago teu tédio
Profano teu claustro
Descalça, de leve

Fuxico em teu peito
Uma palavra surda
Imitando chave.

 

EQUAÇÃO

Num abraço
O amor nos ata
Arrebata
Embaraça

Num lance
Somos nós
Nó de um mesmo laço

 

LINGUAGEM

De dia 
A lição das palavras
Ocas
De noite
A lição das bocas
Que só falam
Línguas

 

DOMESTICA

Coleciono selos
Cultivo pássaros em meu viveiro
Mas os meus zelos
Guardo-os todos
Para um homem de estimação.

 

SANDRA SANTOS (1964) nascida no Rio Grande do Sul, estreou cedo: com 15 anos publicou o primeiro livro (1º lugar Concurso Literário Centenário SLG, “Crônicas de Minha Cidade” 1979). Desde então, vem espalhando crônicas, contos ou poemas pela web, em antologias, sites ou revistas literárias. Costuma dizer que sua biografia “está na memória de quem esteve comigo”.

Métrica

meu verso não tem pé

não é prece nem lamento

 

não é tese nem testamento

nem tanca nem haicai

nem copla nem rubai

 

nem soneto nem barroco

nem balada nem barcarola

nem beira-mar

 

não é satírico nem dramático

não é heróico nem didático

 

não é sáfico não é silva

mas é dos santos:

batológico bestialógico a brasileirar

 

O Capote

o capote testemunhava
falas não gravadas
atas não lidas

o capote vestia
um cabide
que escondia

um prego enferrujado

o capote em luto
setenciava

mudo

e o general
pouco aos poucos
esquecia tudo

o capote e o furo da bala
na lapela da morte

...................................................................

um anjo soletra

meus versos

 

ao pé, duvido

..........................................................................

O melhor poema

Ainda será escrito

 

Não será de luto

Nem será de amor

 

Em tinto sangue

Penderá das vinhas

 

Notas de cabeça

Em pergaminhos nus

 

CHRISTINA RAMALHO (1964) poeta carioca, artista plástica, professora universitária e ensaísta. Estréia em livro com Musa Carmesim(1998) poemas de sondagem  do universo feminino. Tem participado de antologias (Versos Diversos e Caleidoscópio), congressos e publicado artigos em revistas especializadas. Outro título de sua obra poética: Laço e Nó (2000).

Palco

A cama vazia me contempla.
De repente,
transfigurado em vida,
um palco de emoções
antigas me enternece.
Espelho de águas passadas
reflete existências partidas
que assim não se sabiam.
Ao contrário, ali viviam
o que um tempo raro oferece
de langoroso idílio.

A cama vazia me contempla...
Insiste em pôr um véu
entre o vazio que nela vejo
e o palco incendiado em desejo
que vai e volta de minhas retinas.

Mais tarde, à noite,
preencherei de cansaço
a cama vazia.
Devorada por suas memórias,
serei pasto de um tempo perdido
e sentirei sobre meu corpo
as remotas ondas
dos lençóis macios
e o calor arcaico
que me faz ter frio.

 

Oboé

Sua mordida
já não tem
a embocadura
das maçãs.
E nem a noite
vela mais
a nudez branca
das manhãs.

O corpo apalpa
as lembranças,
danças extintas,
cicatrizes.
E os lençóis são
ataduras
enclausurando
meretrizes.

Mas, de repente,
o oboé
toca em solene
languidez.
E aquece o quarto
o mormaço
de uma antiga
calidez.

A carne branca
reacende
e revigora
o matiz.
O gozo morto
ressuscita
em pincéis tontos,
mas sutis.

Derrama música
no silêncio,
o instrumento
retocado.
Como em Bilac,
alvorece
– e se renova –
                                         o pecado.

 

CANTO I - CORPO VIAJANTE

Parto não porque queira
ou porque seja mais sensato
parto porque é outono e eu sou a folha
que lentamente derrama na estrada o seu fim.

Parto não porque possa
nem porque deva
nem porque esqueça
Parto porque é dia e eu sou a luz
da última estrela.

Quem sabe parta porque só assim
possa renascer em mim outro ser.
Quem sabe parta porque ter um fim
é destino certo de toda viagem.

Mas a despedida
a tenho adiada
e calada fico
vendo-me partir.
Morro como o sol no horizonte da lembrança
folha que o vento leva em sua andança
e que nenhuma primavera
traz de volta ao amanhecer.

Aconchego

Minha língua

me lambe

todos os dias

gata que me banha

de sossego

entre sotaques

e já sem medos

me aninho

nas cores

de seu aconchego

ROSANE CARNEIRO poeta carioca, é redatora, mestre em Literatura Brasileira e integrou diversas antologias.Coordenou encontros poéticos (Ponte de Versos e Poema Expresso) e teve poemas publicados na revista Poesia Sempre. Já publicou Excesso (1999), Prova(2004) e Corpo Estranho (2009).

Plataforma

Absorva o vão.

Entre a realidade e o que se gosta,

toda e qualquer faixa

se mostra morta.

Não há sentidos nas zonas

subterrâneas.

Ultrapasse.

Esse é o destino.

...............................................................................

DO CORPO fazer miséria
altitude para o tombo
vácuo para o limite
fundo para o trote

Do corpo miserê de ideias
perfumes, lâncomes, beauties e batons
ossos vestidos em luxo
apenas para nu ao final dormir

Trapiche o corpo
gosta de vadiagem
ou vadiação
?

Para sumir de si
basta que ele queira
estar contigo e ser outro
vagar indefenso sem juízo

Para ser de ti estranho
nada celeste
puro delito
inteiro presente

mas de todo santo

Corpo e Catedral
para Gaudí

corpo catedral
catedral corpo
sonhos erigem
partes no todo
salva a religião
dos que professam
edificar em si
um cosmos
um tudo

abertas naves de abrigo
vontades, histórias e percursos
escolhas
corpo para ser pedra
catedral para ser olho
para ser água, crença
criança ou método
missa rito tiro
ao já composto

corpos catedrais
organismos de valores

ofício em ossos
desejo pelas veias
órgãos do sagrado
em todo o humano

Vidro

pedrada tal

que não se restringe

ao frágil encontro

fosse eu de aço

e tudo estaria pronto

mas sou areia sólida

em puro magma

depois daquele gosto

estilhacei

e só quero a pedra, a pedra, a pedra

: meu criminoso

 

 


Publicado por Rubens Jardim em 23/08/2012 às 13h12



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